Fanfic: Crônicas & Poesia | Tema: Original
Naquele momento, eu era apenas um pedaço de carne na beira da estrada, esperando que o tempo e as aves famintas que por lá passavam, apagassem meus vestígios. Não havia piedade, sonhos, ou qualquer esperança que pudesse confortar minha alma, somente a ideia do repouso caridoso e eterno que a morte me apresentava. Caminhava sobre a cova de um delirante pesadelo, certo de que qualquer ato de bondade ou instantâneo arrependimento não me concederiam a salvação. Foi quando, no inicio da estrada deserta, um carro apontou e eu agarrei a esperança bravamente com os dois braços. Respirei mais livremente e agradeci o pouco que a sorte havia me concedido. Minhas pernas tremiam convulsivamente, sobre os pés que já não suportavam segurar todo o peso do corpo, e o desabou inconsciente ao chão.
Eu havia sido tragado para o lado sombrio da minha consciência. Não havia portas que me levassem ao céu, tampouco ao inferno, mas pelas horas de caminhada no sol que me foram concedidas, eu já me considerava nele. Todas as ruas por onde passei eram sinuosas e cobertas de pedras, e o solado do velho par, de tênis, não sobreviveriam muito. Nasci no dia dezessete, pesando novecentas gramas, a enfermeira que cuidou de mim disse que eu era um milagre, mas os olhos da minha mãe ainda apontavam que se tratava de um acidente. E quanto mais anos eu completava, mais certeza eu tinha de que eu não deveria estar ali. No entanto, no meu delírio mais profundo, tudo poderia ser consertado, como uma fotografia antiga em uma moldura nova. A dor, o medo, a solidão, todos os sentimentos ruim seriam apagados das lembranças e substituídos pelos bons momentos que a mim seriam presenteados. E quando meus olhos inofensivamente despertassem, eu teria a certeza de ter merecido a felicidade.
Pisquei os olhos algumas vezes, sensíveis à claridade. Quando finalmente meu olhar se firmou, comtemplei a imagem pela janela e senti o vento bater contra o meu rosto me causando um sentimento bom. Não me preocupei aonde me encontrava, deixei que o breve instante de calmaria dentro de mim flutuasse pelo meu corpo, que pouco a pouco recobrava a consciência.
Ouvi então a estranha voz soar gentil: - “Você está bem?”.
Direcionei-me a ela, percebendo que todo o meu corpo se encontrava em movimento, repousado no banco do carona de um automóvel velho. A figura de um homem, ainda jovem como eu, me encarava entre um desvio e outro de atenção da estrada.
– “Que diabos você fazia andando sozinho por este lado? Digo. Ninguém passa por aqui, nunca mesmo. É uma estrada fantasma”.
Ele continuou a falar e eu mantive o silêncio. Não que estivesse sendo antipático, ou algo assim, a comunicação nunca havia sido o meu forte. Eu tinha medo das palavras, medo que alguma delas pudessem me condenar, e qualquer coisa que eu dissesse pudesse se transformar em um pretexto para que ele me atirasse dali.
- “Você está com fome? Porque se estiver, tem um saco de batatas no banco de trás. Não vou machucar você”. – Sua cabeça fez um sinal em direção à traseira do veiculo, fazendo com que a minha atenção tomasse o mesmo rumo, como um reflexo. Grande parte do meu corpo ainda se encontrava inerte pelo cansaço e a fome, mesmo assim, não sentia medo.
– “Eu sou o Joey. Sou do Colorado. Mas o destino me trouxe para esse fim de mundo”.
O destino de Joey era jovem, e possuía olhos castanhos. A foto de uma linda moça, fixada no painel do carro, prendeu minha atenção por alguns instantes. E eu tive a certeza que quando Joey falou em destino, se referia a ela. No entanto, por razões obvias da falta de intimidade, não me atrevi a questioná-lo.
- Jake. – Disse-lhe eu. – Meu nome. – Continuei, atento a expressão que me encarava agora curioso. Fui criado por uma família da classe alta, mas, sempre fui da raça inferior. Do meu pai, só herdei o azul desbotado dos olhos e o mau comportamento da língua. Todo o resto era mérito meu. De todo o resto eu era e seria o único culpado.
Derrubei o olhar para minhas mãos, ainda machucadas e sujas de terra e, pude ver claramente o destino que me era reservado. Não haveria fotografia que eu pudesse dar o nome de esperança, e não... Não haveria um pedaço de fim de mundo ao qual pudesse chama-lo de meu, não haveria. Comecei a me autoquestionar como seria possível alguém a quem foi lhe dado tudo, afigurar-se a um mendigo diante daquele que não possuía bem algum.
1.
Autor(a): hiver
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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MaryPrincess88 Postado em 17/06/2015 - 21:26:34
São textos assim que me fazem ficar nesse site. São textos bonitos, líricos, que tocam bem lá no fundo da alma, que falam de sentimentos e afagam saudades. Parabéns pelos belos versos!
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MaryPrincess88 Postado em 20/05/2015 - 14:42:51
Continuo acompanhando os textos e estou gostando de todos. Parabéns!!!
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hiver Postado em 05/05/2015 - 12:49:16
Muito muito muito obrigado, Mary. Seu comentário me deixou feliz.
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MaryPrincess88 Postado em 30/04/2015 - 19:41:20
Amei todos os poemas que li. Você tem um senso lírico extraordinário e eu vejo uma beleza muito grande nos seus versos, a pureza de quem ama, de quem consegue traduzir essas palavras que nunca saem exatamente como se espera quando dependem dos nossos vocais. Meus parabéns!
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hiver Postado em 25/04/2015 - 11:15:40
Obrigado, Mary. Fico feliz que gostou da escrita. ;D
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MaryPrincess88 Postado em 24/04/2015 - 19:01:04
Primeira leitora! Vou favoritar, pois adoro poesias, crônicas, pensamentos. Está muito bem escrito, perfeito.