NA MANHÃ seguinte, Alfonso se levantou cedo. Deu um beijo suave na testa de Anahí e lhe disse que ao meio-dia viria buscá-la. Ela bocejou, sonolenta, murmurou uma despedida e se virou para o lado para voltar a dormir. A risada baixa de Alfonso lhe verberou nos ouvidos enquanto escorregava para o esquecimento do sono. Quando despertou outra vez, apertou os olhos contra a luz do sol e consultou o relógio no
criado mudo. Ainda dispunha de algumas horas até o compromisso com Alfonso e não tinha nenhuma intenção de passá-las sentada naquele apartamento. Com tantos seguranças de Alfonso disponíveis, deveria haver algum que lhe oferecesse um meio de transporte. Poderia requisitar um deles e sair sozinha, embora não tivesse ideia
para onde ir.
E então, outro pensamento lhe ocorreu. A julgar pela obstinação de Alfonso com segurança, duvidava que tivesse ido a qualquer lugar sem seus guarda-costas durante todo aquele tempo em que estavam juntos. Se esse fosse o caso, certamente um deles teria ideia dos
lugares que ela costumava visitar e das coisas que gostava de fazer.
Animada com aquela ideia, apressou-se a entrar debaixo do chuveiro. Trinta minutos depois, desceu pelo elevador até o saguão para sair. Avistou um homem parrudo, parado à porta e o reconheceu como sendo o homem que Alfonso chamava de Stavros.
No mesmo instante, o segurança se colocou em alerta ao vê-la se aproximar.
– Srta. Portilla – disse com acentuado sotaque grego. – Em que posso ajudá-la?
Anahí percebeu a forma como homem se interpôs na porta, de modo que ela não pudesse sair e quase soltou uma risada.
– Tenho certeza de que Alfonso lhe contou que eu… perdi a memória. – O homem anuiu e sua expressão se suavizou. – O que estava imaginando era se poderia me informar se eu dispunha de segurança antes do acidente.
– Eu cuidava pessoalmente de sua proteção – disse Stavros.
– Ah, que bom! Então, talvez possa me ajudar. Gostaria de sair, mas não sei ao certo para onde. Quero dizer, não sei a quais lugares eu gostava de ir e já que, sem dúvida, me seguia para todos os lugares, talvez possa me levar a alguns deles hoje.
O homem hesitou por alguns instantes, como se considerasse o pedido. Em seguida, retirou o telefone celular do bolso, apertou um botão e o encostou ao ouvido. Falou algumas palavras rápidas em grego, concordou algumas vezes e lhe estendeu o telefone.
– O sr. Herrera gostaria de falar com a senhorita.
– Ah, pelo amor de Deus! – Anahí resfolegou enquanto aceitava o aparelho. – Não perdeu tempo em me trair, certo? – perguntou ela encarando com olhar acusatório o segurança, que
não parecia nem um pouco arrependido.
A risada de Alfonso lhe soou ao ouvido.
– Que tipo de problema está causando, agape mou?
Anahí deixou escapar um suspiro que soou meio ridículo de tão sonhador. Depois que utilizara aquele tratamento carinhoso pela primeira vez, Alfonso o repetia com crescente frequência. E toda vez aquelas palavras afetuosas e vibrantes tinham a capacidade de fazê-la se derreter.
– Quero sair um pouco. Estarei de volta a tempo de nosso almoço. Prometo.
– Aproveite sua manhã, mas tome cuidado e não se canse muito. Se achar que vai se atrasar,peça a Stavros que me telefone, e eu a encontrarei onde estiver, para que não tenha de voltar
ao apartamento.
Anahí sorriu e murmurou uma concordância. Em seguida, desligou e devolveu o telefone a Stavros.
– Precisamos ter uma conversa sobre falar mais do que se deve.
O homem nem sequer pestanejou.
– Posso assegurá-la, srta. Portilla, que já tivemos essa conversa no passado.
Anahí sorriu e viu o segurança levar a mão ao pequeno dispositivo que trazia na orelha e disparar várias ordens em grego. Em alguns instantes, um carro estacionou em frente à calçada e outro segurança saltou para lhe abrir a porta. Stavros a guiou para fora do prédio e a acomodou confortavelmente no carro, antes de ocupar o banco da frente, com o outro segurança. O vidro que separava os bancos traseiro e dianteiro baixou e Stavros girou para lhe lançar
o olhar por sobre o ombro.
– Para onde gostaria de ir, srta. Portilla?
– Não sei – retrucou ela com uma risada. – Poderia fazer um tour pelos lugares que eu costumava ir.
O segurança anuiu, e o carro se juntou ao tráfego intenso das ruas de Nova York. A primeira parada foi em uma cafeteria a poucos quarteirões de distância do apartamento. Era óbvio que Stavros não esperava que ela descesse do veículo, porque, quando ela comunicou sua intenção, ele comprimiu os lábios em uma linha desaprovadora. Porém, acompanhado do outro homem, a escoltou para dentro do pequeno estabelecimento. O ambiente era aconchegante e fervilhava com conversas e risadas. Parecia convidativo e Anahí podia facilmente se imaginar em um lugar como aquele. Ainda assim, não lhe suscitou
nenhuma recordação. Com um suspiro profundo, ela girou e disse a Stavros que estava pronta para partir.O próximo lugar foi um pequeno mercado e Anahí dirigiu um olhar surpreso ao segurança.
– A senhorita gostava de cozinhar para o sr. Herrera, especialmente depois que ele retornava de uma longa viagem internacional. Nós vínhamos aqui para comprar os ingredientes necessários. E a senhorita me fazia carregar todas as sacolas – acrescentou com
um breve sorriso.
– Eu era tão desagradável? – provocou ela.
– Era um prazer acompanhá-la em suas saídas – afirmou Stavros.
– Ora, parece que você gostava de mim. – Anahí sorriu para o homem atarracado, tentando captar qualquer vestígio de reconhecimento, algum lampejo daquele tipo de brincadeira no passado. – Para onde vamos agora?
Visitaram a biblioteca e uma pequena loja de artes e, embora tais lugares refletissem seu estilo, Anahí nada conseguiu se recordar. Quando o carro estacou em frente a um parque, um momento de pânico a fez sentir um aperto no peito.
– A senhorita está bem? – Stavros perguntou. Anahí ergueu o olhar para encontrá-lo parado ao lado da porta aberta, esperando que ela saísse do carro. – Talvez seja melhor retornarmos agora. Está quase na hora de seu almoço com o sr. Herrera.
– Não. – Anahí se apressou em dizer, saindo do carro. Não. Queria ficar ali. Precisava estar ali. Algo naquele lugar lhe causara uma agitação na mente, mesmo que desagradável.
Anahí caminhou pelo parque, ajustando a capa ao corpo. Na verdade, não estava frio. O sol da tarde brilhava quente, mas ainda assim, calafrios lhe percorriam o corpo e se propagavam até sua alma.
Stavros e o outro segurança a flanqueavam alguns passos atrás e lhe veio à mente o breve pensamento de que ela parecia mais importante do que realmente era. O olhar de Anahí se fixou em um banco de pedra diante de uma estátua e ela se dirigiu para lá, sem saber o que a
atraía para aquele ponto. Sentou-se e espalmou as mãos sobre a superfície fria de pedra. Olhou para a frente e sentiu um lampejo de tristeza. Aquilo não fazia sentido, mas sabia que havia se sentado ali antes,temendo alguma coisa. Insegura. Ergueu as mãos para cobrir o rosto e se inclinou para a frente, encolhendo-se no banco. No mesmo instante, sentiu a mão forte lhe tocar o ombro e a voz preocupada de Stavros ecoar em seus ouvidos.
– A senhorita está se sentindo bem? É necessário telefonar para o sr. Herrera? Talvez seja melhor levá-la para um hospital.
Anahí negou com a cabeça e ergueu o olhar.
– Não. Estou bem. É que tenho certeza de que estive aqui antes. Posso sentir isso.
Stavros anuiu, embora o olhar ainda refletisse preocupação.
– Sempre dizia que este era seu ponto de reflexão.
– Parece que eu tinha muito em que pensar – murmurou ela.
O segurança consultou o relógio de pulso.
– Deixe-me telefonar para o sr. Herrera e lhe dizer para nos encontrar no restaurante.Assim, não perderemos tempo retornando ao apartamento quando poderia estar se alimentando.
Anahí não objetou quando ele a ajudou a se erguer do banco. Em vez de caminhar atrás dela, segurou-lhe o cotovelo no trajeto até o carro.
– Por favor, não preocupe Alfonso – pediu ela enquanto o segurança a acomodava no carro. – Senão, ele me obrigará a voltar para o apartamento me deitar na cama.
– Lugar onde provavelmente deveria estar.
Anahí fez uma careta.
– Você não é nada divertido. Tenho de fazer compras e escolher meu vestido de noiva. Não posso fazer isso na cama.
Stavros parecia estar se esforçando para disfarçar um sorriso enquanto fechava a porta. Instantes depois, o vidro que separava os bancos desceu e o segurança a encarou.
– Se o sr. Herrera perguntar, direi simplesmente que tivemos uma manhã tranquila na cidade.
– Eu sabia que havia uma razão para eu gostar de você – disse ela animada, recuperando o bom humor.