Três meses depois
Alfonso SE encontrava em seu apartamento, refletindo em silêncio.Deveria estar sentido alguma paz de espírito agora que nada ameaçava sua empresa. Porém, o fato de saber por que não lhe trazia nenhum consolo. Observou a pilha de documentos à sua frente enquanto o noticiário na televisão zumbia ao fundo.Aquela parada em Nova York seria curta. No dia seguinte, viajaria para Londres para se encontrar com o irmão,Christopher,para a cerimônia de inauguração do luxuoso hotel que
construíram. O que não teria sido possível se Anahí tivesse levado a cabo seu plano. Um resfôlego sarcástico lhe escapou da garganta.Ele, o CEO da Herrera International, fora manipulado e roubado por uma mulher.Por causa dela, ele e os irmãos haviam perdido dois de seus projetistas para o concorrente mais próximo, antes de ele descobrir a traição. Poderia tê-la entregado à polícia, mas ficara demasiado perplexo, muito vulnerável para fazer tal coisa.Nem ao menos retirara os pertences de Anahí do apartamento. Presumira que ela viria recolhê-los e talvez uma pequena parte dele desejasse aquilo para ter a chance de confrontá-la mais uma vez e questioná-la sobre o motivo. Em sua próxima viagem de volta, faria isso.Estava na hora de varrê-la por completo de sua mente.Quando ouviu o nome familiar em meio ao turbilhão de pensamentos, pensou que o havia
conjurado de suas reflexões sombrias, mas, escutou o nome Anahí Portilla outra vez,focou a atenção na televisão.Um repórter se encontrava em frente a um hospital local, e levou alguns instantes para que o zumbido nos ouvidos de Alfonso lhe permitisse compreender o que estava sendo dito. As imagens mudavam enquanto exibiam fotos tiradas mais cedo de uma mulher sendo retirada de um prédio de apartamentos em uma maca. Ele se inclinou para a frente, com expressão incrédula. Era Anahí.
Alfonso se ergueu como uma flecha da mesa e tateou pelo controle remoto para aumentar o volume. Encontrava-se tão perturbado que só conseguiu compreender algumas palavras, mas foram suficientes.
Anahí havia sido raptada e agora fora resgatada. Os detalhes de quem cometera o crime e o motivo ainda estavam incompletos, mas ela suportara um longo período em cativeiro.Alfonso sentiu a tensão crescer na expectativa de que seu nome fosse ligado ao dela, mas
por que seria? O relacionamento entre os dois fora um segredo bem guardado, algo necessário em seu mundo. Seu anseio por privacidade nascera tanto da vontade própria quanto da necessidade. Após a traição de Anahí,sentiu-se ainda mais aliviado pela circunspeção que mantinha em todos os seus relacionamentos. Ela o fizera de bobo, e o pensamento de que o resto do mundo ignorava aquilo o confortava.À medida que a câmera se aproximava do rosto pálido e assustado da mulher sequestrada,algo se agitou dolorosamente dentro dele. Anahí tinha a mesma expressão da noite em que a confrontara sobre a farsa. Lívida, chocada e vulnerável.
No entanto o que o repórter disse a seguir o fez congelar, mesmo enquanto uma sensação incômoda lhe percorria e espinha. O homem dizia que a mãe e o bebê estavam em condições
estáveis e que o aparente cativeiro de Anahí não lhe afetara a gravidez. A única pista que o repórter deixou escapar foi que a mulher parecia estar com quatro ou cinco meses de gestação.
Os demais detalhes estavam incompletos. Nenhuma prisão fora feita, já que os sequestradores haviam escapado.
– Theos mou – murmurou ele enquanto lutava para se agarrar às implicações daquela revelação.Alfonso se ergueu e pegou o celular enquanto saía do apartamento. Quando transpôs a entrada do prédio alto, de segurança reforçada,motorista havia acabado de estacionar em frente à calçada.Uma vez dentro do carro, abriu o celular outra vez e ligou para o hospital para onde Anahí havia sido levada.
– AS CONDIÇÕES físicas dela são satisfatórias – o médico informou a Alfonso. – No entanto,é seu estado emocional que me preocupa. – Ele se sentia quase explodir enquanto esperava para que o médico concluísse seu relatório. Havia irrompido pelo hospital, exigindo respostas tão logo chegou ao andar em que Anahí fora acolhida. Apenas a declaração de que era o noivo da paciente o fizera lograr algum êxito. Em seguida, providenciara para que ela fosse
transferida imediatamente para um quarto particular e insistira que chamassem um especialista para examiná-la. Agora, tinha de suportar todo o relato médico da condição em que ela se
encontrava.
– Mas ela não foi ferida – argumentou Alfonso.
– Eu não disse isso – resmungou o médico. – Falei apenas que as condições físicas dela não são graves.
– Então, pare de fazer rodeios e diga-me logo o preciso saber.
O médico o estudou por um instante, antes de pousar a prancheta sobre a mesa.
– A srta. Portilla passou por um grande trauma. Não sei exatamente a extensão, porque ela não consegue se lembrar de nada sobre seu cativeiro.
– O quê? – Alfonso encarou o médico com uma incredulidade perplexa.
– Pior, ela não se lembra de nada antes disso também. Sabe o próprio nome e pouco mais.Até mesmo a gravidez a chocou.
Alfonso passou uma das mãos pelos cabelos e xingou em três idiomas diferentes.
– Ela não se lembra de nada? Nada mesmo?
O médico respondeu com um movimento negativo de cabeça.
– Temo que não. Ela está extremamente vulnerável. Frágil. Por isso é muito importante que não a aborreça. A srta. Portilla tem mais quatro meses de gestação pela frente e um calvário do qual se recuperar.
Alfonso deixou escapar um som impaciente.
– Claro que não faria nada para aborrecê-la. Apenas acho difícil acreditar que ela não se lembre de nada.
O médico fez um movimento negativo com a cabeça.
– Obviamente a experiência foi muito traumática para ela. Suspeito de que seja uma forma que a mente encontrou de poupá-la. É apenas um apagão até que ela possa lidar melhor com tudo que aconteceu.
– Eles… – Alfonso se via incapaz de completar a pergunta, mas ainda assim tinha de saber. – Eles a machucaram?
A expressão do médico se suavizou.
– Não encontrei nenhuma evidência de maus-tratos de nenhuma forma. Fisicamente falando.Não há como saber tudo que ela suportou até que esteja apta a nos contar. Devemos ser pacientes e não pressioná-la, antes que ela esteja preparada. Como disse, a srta. Portilla está extremamente fragilizada e, se sofrer qualquer tipo de pressão, os resultados podem ser devastadores.
Alfonso deixou escapar um xingamento baixo.
– Entendo. Eu me incumbirei de que ela tenha o melhor tratamento possível. Agora, posso vê-la?
O médico hesitou.
– Pode, mas devo aconselhá-lo a não ser muito explícito quanto aos detalhes do sequestro.
Linhas profundas marcavam a testa de Alfonso, que encarava o médico com olhar sombrio.
– Quer que eu minta para ela?
– Quero apenas que não a deixe nervosa. Pode inteirá-la dos detalhes da vida que ela levava. Das atividades do dia a dia. Como se conheceram. As coisas cotidianas. No entanto,sugiro, e confirmei isso com o psiquiatra do hospital, que não se apresse em lhe dar detalhes sobre o sequestro ou de como ela acabou perdendo a memória. Na verdade, nós a conhecemos muito pouco, portanto seria imprudente especular ou lhe fornecer informações que podem não ser verdadeiras. Ela deve permanecer calma. Não quero nem pensar o que outro aborrecimento poderia causar à srta. Portilla no estado em quem se encontra.
Alfonso assentiu, relutante. O que o médico dizia fazia sentido, mas a necessidade de saber o que acontecera a Anahí era premente.Porém, não a pressionaria se aquilo causasse
algum mal a ela ou ao bebê. Verificou a hora no relógio de pulso.Ainda precisava falar com as autoridades, mas primeiro queria vê-la, e disse isso ao médico.