A terapeuta chegou alguns minutos depois. Alfonso a colocou a par de tudo que aconteceu desde que haviam chegado a Nova York. Apesar do constrangimento que sentia em expor detalhes tão íntimos para a mulher, queria deixá-la ciente de tudo que fosse necessário
para que pudesse ajudar Anahí. Ele contou toda a história à terapeuta. Desde o confronto que tivera com Anahí, vários meses antes, até o presente. Para crédito da profissional, ela não esboçou nenhuma reação. Recebeu calmamente as informações e pediu para ver Anahí.
– Ela está descansando, mas pode entrar e esperar que ela acorde. Não quero que ela fique ainda mais aborrecida e tente fugir.
A terapeuta anuiu e seguiu Alfonso na direção do quarto. Quando os dois entraram, Anahí se mexeu. Alfonso deu um passo para a frente em um gesto automático, mas a terapeuta ergueu a mão para fazê-lo parar.
– Deixe-me conversar com ela – disse em tom de voz suave.
Apesar do desejo de estar perto de Anahí, ele anuiu com um gesto breve diante do pedido da terapeuta e girou para se retirar. Porém, não foi muito longe. Saiu do quarto e se encostou à porta, deixando-a entreaberta para que pudesse ouvir o que estava sendo dito.
Seguiu-se um longo período de silêncio, antes de ele ouvir o murmurar de vozes. A princípio, era a terapeuta quem mais falava enquanto a tranquilizava. Após algum tempo, escutou a voz trêmula de Anahí e apurou os ouvidos para captar o que ela dizia.
– Fui ao médico no dia em que Alfonso chegaria do exterior. Quando descobri que estava grávida, foi um grande choque. Fiquei preocupada com a reação que ele teria. Queria questioná-lo sobre nosso relacionamento… o que ele sentia por mim.
– Continue. – A terapeuta encorajou.
As perguntas que Anahí lhe fizera naquela noite agora faziam sentido, e as próximas palavras o fizeram se encolher.
– Ele me disse que não existia nenhum relacionamento entre nós. Que eu era sua amante.Uma mulher a quem pagava para fazer sexo – Anahí acrescentou com voz fraca. Alfonso teve vontade de protestar. Marchar para dentro daquele quarto e dizer que nunca a considerara alguém a quem ele pagava para fazer sexo. – E então, ele me acusou de… – A voz de Anahí morreu, e Alfonso escutou um soluço baixo ecoar no quarto.
– Está tudo bem – tranquilizou a terapeuta.
– Alfonso disse que eu o havia roubado. Que havia me apropriado dos projetos de um de seus hotéis e os entregado a seu concorrente. E me expulsou do apartamento.
– E você os roubou?
– Você é a primeira pessoa que me perguntou isso – disse Anahí abatida. Mais uma vez Alfonso se encolheu como se tivessem lhe desferido um golpe mortal. Anahí tinha razão. Ele não perguntara. Tudo que fez foi julgá-la e condená-la.
– Fiquei perplexa. Ainda não consigo entender. Nunca vi os papéis que ele atirou sobre mim. Não sei por que ele pensou que eu os peguei ou como foi capaz sequer de pensar em um absurdo como esse. – As lágrimas que Alfonso ouvia na voz fraca e magoada tiveram o feito de pequenas adagas se cravando em seu peito. A tensão lhe crescia no íntimo até pensar ser capaz de explodir. Uma sensação horripilante lhe percorreu a espinha. O que fizera?
– E então…
Mais uma vez Anahí se calou vencida pelos soluços. Seguiu-se outro silêncio prolongado,no qual a terapeuta sussurrou palavras tranquilizadoras.
– Conte-me o que aconteceu a seguir.
– Saí do apartamento, mas sabia que teria de voltar no dia seguinte, depois que Alfonso se acalmasse para chamá-lo à razão e lhe dizer que estava grávida. Achava que se tivesse a chance de conversar com ele, faria com que reconhecesse o erro que estava cometendo.
– E o que aconteceu? – perguntou a terapeuta com voz suave.
Alfonso pressionou o corpo tenso à porta, fervilhando em expectativa.
– Um homem colocou um saco sobre a minha cabeça e me forçou a entrar em um carro. Fui levada para algum lugar da cidade e informada de que permaneceria refém até que pagassem o
resgate. Fiquei aterrorizada. Estava grávida e tive medo que fizessem algum mal a mim ou ao meu bebê. – As mãos de Alfonso se cerraram em punhos enquanto lutava contra a raiva que
se erguia dentro dele.
– Eles fizeram duas propostas de resgate – sussurrou Anahí. – Alfonso recusou as duas. Deixou-me lá. Oh, Deus! Ele me deixou nas mãos daqueles homens. Eu não valia nem mesmo meio milhão de dólares para ele. – Soluços emergiram da garganta de Anahí e se transformaram em pranto.
Alfonso se viu paralisado pela incredulidade. Mãe de Deus! Nunca havia recebido nenhum pedido de resgate. Nunca! Sentiu uma golfada de fel lhe subir à garganta. Girando, recostou a testa à parede e ergueu o punho cerrado para pousá-lo a alguns centímetros de
distância da cabeça. Sentiu a umidade no rosto, mas não fez nenhum movimento para limpar as lágrimas.
Instantes depois, a terapeuta saiu do quarto e ergueu o olhar para encará-lo. Alfonso esperava ver condenação, mas encontrou apenas compaixão no semblante da mulher.
– Eu a sedei. Ela estava quase histérica. Anahí precisa descansar acima de qualquer outra coisa. A realidade que se apresenta diante dela é muito dolorosa, portanto ela recua. Esse mesmo instinto de autopreservação é que induziu a amnésia. Agora, que não possui mais esse recurso protetor, está lutando para lidar com tudo isso da forma que encontra. Seja gentil e compreensivo com ela. Não a pressione muito. – A mulher lhe deu palmadas leves no braço enquanto se afastava. – Telefone-me se precisar de mim. Virei imediatamente.
– Obrigado – respondeu Alfonso com voz rouca.
Quando a terapeuta partiu, ele se deixou afundar no sofá da sala de estar.
– Deus do céu! – exclamou desolado.
– Eu ouvi – disse Christopher com expressão pesarosa.
– Ela nunca roubou nada. – Alfonso fechou os olhos e passou uma das mãos pelos cabelos. – Theos! Nunca recebi nenhum pedido de resgate. Anahí pensa… pensa que a deixei à mercê daqueles animais, que a detestava a ponto de me recusar a pagar meio milhão de dólares para que a libertassem.
Christopher colocou a mão sobre o ombro de Alfonso em um gesto confortador.
– Temos muito o que investigar.
Alfonso anuiu. Os pensamentos se aprofundando enquanto deixava de lado a angústia produzida pelas revelações de Anahí e se forçava a repassar os eventos daquela noite na cabeça.
Quando a percepção o atingiu, se mostrou tão assustadoramente clara que o fez se amaldiçoar por não ter juntado as peças do quebra-cabeça antes. Estava tão furioso, tão ferido
com o que considerara ser uma traição de Anahí!
– Roslyn – disse conciso.
Christopher ergueu uma das sobrancelhas.
– Sua assistente?
– Ela esteve na cobertura pouco antes de eu encontrar os papéis na bolsa de Anahí. Roslyn deve tê-los plantado lá.
Outro pensamento lhe ocorreu. Um que o deixou nauseado. Qualquer pedido de resgate seria feito para seu escritório. Suas residências eram mantidas em sigilo total. Anahí afirmara que ele ignorara os pedidos de resgate, mas agora percebia que tais pedidos
deveriam ter sido entregues e interceptados. Por Roslyn.
Alfonso se ergueu e girou para encarar o irmão.
– Fique aqui com Anahí. Certifique-se de que ela não saia daqui e que seja bem cuidada. Enviarei um médico para examiná-la.
Christopher também se levantou.
– Para onde está indo, meu irmão?
– Descobrir se o que suspeito é verdade – retrucou ele em um tom de voz baixo e letal.
– Espere! – Alfonso estacou e voltou a encarar Christopher . – Deveria chamar a polícia. Se a confrontar e ela confessar, de nada adiantará. Apenas você saberá.
Alfonso cerrou os punhos pela frustração, mas sabia que o irmão estava certo. Não queria que Roslyn escapasse impune depois do que fizera. Ele poderia lhe tornar a vida um inferno, mas ainda assim ela estaria livre. Queria justiça.