DOIS DIAS depois, Anahí se encontrava sentada em uma cadeira de rodas. O nervosismo a fazendo fechar os dedos com força em torno do cobertor com que a enfermeira lhe cobrira o colo. Alfonso estava parado a seu lado, escutando com atenção as instruções que a
enfermeira lhe dava sobre os cuidados adicionais. Anahí
alisou as rugas da blusa de gestante que uma das enfermeiras lhe dera com tanta gentileza. Todas haviam sido extremamente carinhosas, e ela temia deixar para trás todo aquele afeto para mergulhar no desconhecido.
Quando a enfermeira concluiu, Alfonso segurou as alças de impulso da cadeira de rodas e começou a guiá-la pelo corredor na direção da saída. Ela piscou várias vezes quando a luz radiante do sol lhe ofuscou a visão. Uma limusine brilhante se encontrava estacionada a alguns
metros de distância, e Alfonso se encaminhou com passos decididos na direção do veículo.O motorista o contornou para abrir a porta no momento em que Alfonso, sem fazer o menor esforço, a ergueu da cadeira de rodas e se apressou em acomodá-la no interior aquecido do
carro. Em questão de segundos, estavam se afastando do hospital.
Anahí olhou para fora enquanto seguiam o fluxo intenso das ruas de Nova York. A cidade em si lhe era familiar. Conseguia se lembrar de determinadas lojas e marcos. Tinha conhecimento da cidade, mas o que estava faltando era a sensação de que ali era sua casa, de
que pertencia àquele lugar. Alfonso não havia dito que viviam ali? Sentia-se como uma artista diante de uma tela em branco, sem habilidade para pintar.Quando a limusine estacionou diante de um prédio moderno e luxuoso,Alfonso saiu apressado enquanto o porteiro abria a porta do lado onde Anahí estava sentada. Alfonso
se inclinou para dentro do carro e a retirou com cuidado do veículo. Ela pisou na calçada com os pés trêmulos e logo se viu recostada ao corpo forte, com um braço firme em torno de sua cintura, enquanto os dois transpunham a entrada.Uma onda de déjà vu a engolfou quando as portas do elevador se abriram e ele a ajudou a entrar. Por alguns breves momentos, experimentou um lampejo de memória, e Anahí lutou para apartar os véus da escuridão.
– O que foi? – perguntou Alfonso.
– Já fiz isso antes – murmurou ela.
– Você se lembra?
Anahí respondeu com um gesto negativo de cabeça.
– Não. Apenas me parece… familiar. Sei que já estive aqui.
Os dedos longos se fecharam com força em torno do braço delicado.
– É aqui que vivemos… durante vários meses. É natural que seja capaz de registrar alguma coisa. – As portas do elevador voltaram a se abrir, e Anahí inclinou a cabeça para o lado enquanto ele seguia em frente. O fraseado de Alfonso era estranho. Não viviam ali antes do
que quer que tivesse acontecido com ela? Ele lhe estendeu a mão. – Venha. Estamos em casa.
Anahí aceitou a mão estendida, e ele a puxou para o saguão suntuoso. Para sua surpresa,uma mulher veio ao encontro deles quando os dois adentraram à sala de visitas. Ela hesitou quando a jovem alta e loira pousou uma das mãos no braço de Alfonso e sorriu.
– Seja bem-vindo, sr. Herrera . Deixei todos os contratos que necessitam de sua assinatura sobre a mesa do escritório e organizei suas ligações por ordem de prioridade. Também tomei a liberdade de pedir o jantar. – A mulher varreu Anahí com um olhar que a fez se sentir obscura e insignificante. – Imaginei que não estaria disposto a sair depois desses dias difíceis.
– Anahí franziu a testa ao perceber que a mulher insinuava que fora Alfonso a enfrentar um calvário e não ela.
– Obrigado, Roslyn – agradeceu ele. – Não deveria ter se dado ao trabalho. – Em seguida,girou na direção de Anahí e a puxou para perto. – Esta é Roslyn Chambers,minha assistente.
Anahí esboçou um sorriso trêmulo.
– É um prazer revê-la, srta. Portilla – disse Roslyn com suavidade. – Há eras não a vejo.Meses, creio eu.
– Roslyn – interveio Alfonso em um tom de advertência. O sorriso nunca abandonou os lábios da loira enquanto dirigia um olhar inocente ao patrão.
Anahí alternou o olhar entre os dois, cautelosa. A confusão em sua mente se agravando cada vez mais. A intimidade com que a mulher se movia pelo apartamento que Alfonso afirmava ser o lar de ambos era evidente. E ainda assim, Roslyn não a encontrava havia meses? O olhar possessivo com que a assistente o fitava foi a única coisa que ficou clara para Anahí.
– Vou deixá-los a sós – disse Roslyn com um sorriso gracioso. – Tenho certeza de que têm muito a conversar. – Ela virou-se para Alfonso e mais uma vez pousou uma das mãos delicadas sobre seu braço. – Telefone-me se precisar de qualquer coisa. Virei no mesmo instante.
– Obrigado – murmurou ele.
A loira alta se afastou com os saltos dos sapatos elegantes ecoando contra o lustroso chão de mármore italiano e entrou no elevador, sorrindo para o patrão enquanto as portas se fechavam.
Anahí umedeceu os lábios repentinamente ressecados e desviou o olhar. Alfonso parecia tenso a seu lado como se esperasse alguma reação de sua parte. Mas ela não era tola o suficiente para fazê-lo. Não quando ele se encontrava com a guarda tão erguida. Mais tarde,lhe faria o milhão de perguntas que pairavam em sua mente cansada.
– Venha, deveria estar deitada na cama – disse Alfonso enquanto lhe envolvia as costas com um dos braços.
– Fiquei deitada tempo suficiente – retrucou ela em tom de voz firme.
– Então, deveria ao menos se acomodar confortavelmente no sofá. Eu lhe trarei uma
refeição para que se alimente.
Comer. Descansar. Comer um pouco mais. Aquelas ordens pareciam compor o único objetivo de Alfonso no que se referia a ela. Anahí suspirou e permitiu que ele a guiasse até a sala de estar. Após acomodá-la no sofá,Alfonso trouxe uma manta para cobri-la.
Havia uma tensão nele que a deixava confusa, mas, se os papéis fossem invertidos e tivesse sido ele a esquecê-la, Anahí também não se sentira muito segura. Alfonso deixou a sala e,alguns minutos depois, retornou com uma bandeja que pousou na mesa de centro em frente a ela. Um vapor aromático se desprendia da tigela de sopa, mas Anahí não se sentiu tentada com a oferta. Encontrava-se muito agitada para comer.Alfonso se sentou em uma cadeira diagonal ao sofá, mas, após alguns instantes, se ergueu e caminhou pela sala como um predador impaciente. Os dedos puxando o nó da gravata para afrouxá-lo e, em seguida, desabotoando os punhos da camisa de seda.
– Sua assistente… Roslyn… disse que deixou trabalho para você?
Alfonso virou-se para encará-la. As sobrancelhas se enrugando quando franziu a testa.
– O trabalho pode esperar.
Anahí suspirou.
– Pretende me observar tirar um cochilo, então? Ficarei bem. Não pode tomar conta de mim o tempo todo. Se há assuntos que requerem sua atenção, então vá resolvê-los.
Um lampejo de indecisão cruzou o belo rosto másculo.
– De fato tenho coisas a fazer antes de deixarmos Nova York.
Uma onda de pânico a pegou desprevenida, fazendo-a engolir em seco e se esforçar para se manter inexpressiva.
– Então, partiremos em breve?
Alfonso anuiu.
– Pensei em lhe proporcionar alguns dias de descanso para que se recupere melhor antes de partirmos. Providenciei para que meu jato particular nos leve até a Grécia e depois pegaremos um helicóptero para a ilha. Enquanto conversamos, meus empregados estão preparando tudo para nossa chegada.
Anahí o encarou receosa.
– Qual é a extensão de sua fortuna?
Alfonso pareceu surpreso.
– Minha família é proprietária de uma cadeia de hotéis.
O nome Herrera flutuou nas escassas lembranças de Anahí. Imagens de um hotel suntuoso,no coração da cidade, lhe vieram à mente. Celebridades, realezas,algumas das pessoas mais ricas do mundo se hospedavam no Imperial Park. Mas ele não poderia ser aquele Herrera ,certo?
Empalidecendo, ela fechou os dedos para controlar o tremor. Eles eram apenas a mais rica família hoteleira do mundo.
– Como… como foi possível que nós dois… – Anahí se viu incapaz de completar o pensamento. Em seguida, franziu a testa. Pertenceria a uma família como aquela?
A fadiga a venceu, fazendo-a enterrar os dedos nas laterais das têmporas enquanto lutava contra o cansaço. No instante seguinte, Alfonso estava ao seu lado. Ele a ergueu no colo como se carregasse uma pena e a levou para o quarto. Com todo o cuidado, deitou-a na cama,
os olhos deixando transparecer o brilho da preocupação.
– Descanse agora, pedhaki mou.
Anahí anuiu e se aninhou sobre a cama confortável, com os olhos já semicerrados pela exaustão. Pensar doía. Tentar lembrar lhe sequestrava todas as forças.