Fanfic: •●๋• Alguém para amar ●ღ•

CAPÍTULO II

—Vamos, Dulce — apressou-a Pascoal Gandía. — Estamos na hora do rush, esqueceu? O tráfego deve estar horrível e quero chegar a Nuevo Léon antes das seis.

—  Já vou. — Depois da confirmação do recebimento do fax que acabara de enviar, Dulce pegou a bolsa e lançou um sorriso para o gerente de marketing. — Estou pronta.

Pascoal, quarentão, bem casado com a esposa, com a família e com o computador, comportava-se como uma espécie de tio de Dulce. Ambos sabiam que não havia nada de pessoal na carona até a festa de lan­çamento dos livros. Era apenas uma situação de con­veniência e gentileza entre dois colegas de trabalho. Ela sempre se sentia em segurança com Pascoal. Era uma sensação confortável.

—   Belo cinto — ele comentou num tom apreciador.
Ela sorriu. Comprara-o recentemente. Era um cinto preto com fivela dourada.

—Nada como um bom acessório para transformar uma roupa comum num traje de noite.

—Você sempre conduz sua vida de acordo com a disponibilidade de tempo e movimento?

—E conseqüência do meu trabalho, Pascoal.

—Não sei como consegue manter o ritmo. Você está sempre indo para algum lugar. Sinceramente, acho que eu teria um enfarte.

— Gosto disso.

O trabalho preenchia sua vida. Ela precisava de tudo aquilo. Era bom manter-se sempre ocupada, preen­chendo os espaços vazios. Além do mais, fazia o que gostava. Organizava agendas, cuidava da vida profis­sional das pessoas, ajeitando tudo e todos dentro de um esquema eficaz e viável. Às vezes, tinha a impres­são de que não fizera outra coisa em toda sua vida. Na verdade, era exatamente o que acontecera, por ser a mais velha numa família de nove filhos.

Houve época em que sonhara ter alguém que cui­dasse dela, que a protegesse. Puro engano. Seu estô­mago se contraiu ao lembrar da prisão em que o ex-marido tornara o casamento deles. Nunca mais, ela jurara. Posse obsessiva não combinava com o conceito de Dulce sobre o amor.

Quando chegaram ao andar térreo, ela já afastara essas lembranças da mente. Decidira viver a vida à sua maneira e a festa daquela noite prometia ser agra­dável. Sem responsabilidade, a não ser conversar com os escritores e apresentá-los aos demais convidados. Champanhe e um conjunto para o pessoal dançar de­pois dos discursos. Ela adorava dançar.

Abotoou o cinto. Gostou do efeito do cinto sobre a blusa azul turquesa e a saia preta. A fivela dourada combinava com o detalhe também dourado dos sapatos pretos.

Ainda precisava prender os cabelos. Sorriu ao lem­brar que seu cabeleireiro costumava compará-los a um animal selvagem. O caracóis vermelho-acobreados caíam pelos ombros até a metade das costas. Durante o trajeto de Artarmon até Nuevo Léon teria tempo sufi­ciente para prendê-los com as fivelas pretas e doura­das. Isso daria o toque final ao seu traje de coquetel.

De acordo com seus cálculos, levaria quarenta mi­nutos até chegarem ao restaurante, apesar da hora de pico. A festa não começaria antes das seis e eram apenas cinco horas.

—Por que a pressa? — ela perguntou quando che­garam ao estacionamento.

—Quero dar uma checada nos displays antes que chegue alguém.

—Pensei que Belinda cuidaria disso.

Durante a tarde, Belinda comentara com Dulce que ficara encarregada de arrumar os catálogos com os novos títulos e as camisetas de brinde.

—Ela caiu no restaurante e machucou o tornozelo — Pascoal contou. — Vai ficar uns dias no estaleiro.

—Oh, não! — Dulce exclamou. Era mais um drama para Belinda contar a quem se dispusesse a ouvi-la.

—Não sei se ela chegou a terminar o serviço — ele acrescentou.

—Suponho que ela e o novo marido não irão à festa.

— Imagine a chuva torrencial que cairá sobre nós! Haja coração para quando Belinda retornar ao trabalho!

Dulce riu da queixa de Pascoal. Ele tinha bons motivos. Desde que Belinda começara a trabalhar no departamento de marketing, Pascoal, a exemplo de Dulce, era mais uma vítima de suas "confidencias". Ele se limitava a ouvir e suas respostas eram inva­riavelmente curtas, lacônicas.

Dulce reconheceu que não estavam sendo justos com Belinda. Um entorse no tornozelo não era brin­cadeira. Mas não podiam evitar certas brincadeiras. Belinda era um pessoa possessiva e a tendência dos colegas era esquivar-se dela e de suas auto-indulgentes queixas e lamentações.

Quando Dulce começara a trabalhar na Global Publications, imediatamente fora recrutada como ouvinte. Como uma esponja, absorvera um verdadeiro glos­sário de queixas sobre as exigências e expectativas irracionais do primeiro marido de Belinda. Ainda fra­gilizada com o desfecho de seu próprio casamento, e sensibilizada com o sofrimento da colega, Dulce pro­curou aconselhá-la da melhor maneira possível.

Logo, porém, descobriu que não eram conselhos que ela queria. Belinda vivia em busca de constantes con­selhos porque, na verdade, isso dava-lhe uma desculpa para falar de si própria. Belinda Shull era extre­mamente egocêntrica, mimada e egoísta.

Por outro lado, em boa hora Belinda livrara-se do primeiro marido. Apesar de não conhecê-lo, mas por tudo o que ouvira, Dulce concluiu que ele pecara pelos mesmos erros de seu ex-marido. Um homem que queria uma esposa insegura, servil, dependente. Um homem com temperamento irascível. Falta de confian­ça. Ciúme exagerado. Exigência de explicações sobre todos os momentos passados longe dele. Imposição de sua vontade nas mínimas coisas.

Um verdadeiro pesadelo. Felizmente, Dulce tivera a coragem de acabar com uma situação intolerável. A separação lhe custara muitas renúncias. Como por exemplo, mudar-se de Cozumel. Sentia saudade de sua cidade. Toda sua família estava lá. Guilhermo também. Apesar do divórcio, ele não a deixava em paz. Fora praticamente forçada a aceitar o emprego em Sídnei. Essa mudança o refreara um pouco. Na capital, en­contrara paz de espírito, mas sentia-se muito só.

CONTINUA?!