Fanfics Brasil - 4h57 Se eu ficar - Finalizada {Adaptação Ponny}

Fanfic: Se eu ficar - Finalizada {Adaptação Ponny} | Tema: Rebelde, Ponny.


Capítulo: 4h57

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Não consigo parar de pensar na música “À espera da vingança”. Já faz anos que ouvi essa música, mas depois que vovô saiu de perto da minha cama, fiquei cantando-a para mim mesma, sem parar. Papai escreveu essa música há anos, mas agora sinto como se a tivesse escrito ontem. Como se tivesse escrito do lugar de onde está agora. Como se houvesse uma mensagem oculta para mim nessa letra. Que outra explicação pode haver? Não estou escolhendo. Só estou fugindo da luta.


O que isso significa? Seria algum tipo de conselho? Alguma pista do que os meus pais escolheriam para mim se pudessem fazê-lo? Tento pensar nisso pelo ponto de vista deles. Sei que eles gostariam de ficar comigo e que todos nós ficássemos juntos de novo. Mas não faço a menor ideia se isso acontece depois que morremos, e, se for assim, se acontecerá nessa manhã ou daqui setenta anos. O que eles esperariam de mim agora? Depois que formulo a pergunta, posso imaginar a cara de raiva da mamãe. Ela ficaria com o rosto pálido só de pensar que eu consideraria qualquer outra possibilidade que não fosse ficar. Mas o papai, ele sim entenderia o significado de desistir da luta. Talvez, assim como vovô, ele compreenderia por que acho que não posso ficar.


Estou escutando a música, como se estivesse mergulhada na letra e nas instruções que ela traz, uma rota musical que indica para onde eu devo ir e como chegar até lá.


Canto e me concentro, canto e penso tanto na letra que mal percebo que Blanca voltou para a UTI, mal percebo que ela está conversando com a enfermeira rabugenta, e mal reconheço o tom de determinação em sua voz.


Se eu estivesse prestando atenção, perceberia que a Blanca está tentando conseguir autorização para Alfonso vir me visitar. Se eu estivesse prestando atenção, talvez tivesse conseguido sair antes que Blanca — como sempre — conseguisse o que queria.


Não quero ver o Alfonso agora. Melhor dizendo, é claro que quero. Preciso. Mas sei que se eu o vir, vou perder o último fio de tranquilidade que vovô deixou comigo ao me dizer que tudo bem se eu quiser partir. Estou tentando reunir forças para fazer o que tem de ser feito. E Alfonso só vai complicar as coisas. Tento ficar de pé para sair, mas algo aconteceu comigo desde que voltei da cirurgia. Não tenho mais forças para me movimentar. Ainda assim, preciso reunir todas as que me restam para me sentar na cadeira. Não consigo sair correndo; tudo que posso fazer é me esconder. Dobro os joelhos na altura do peito e fecho os olhos.


Ouço a enfermeira Ramirez conversando com Blanca.


— Vou levá-lo até onde ela está — diz ela.


E pelo menos desta vez, a enfermeira rabugenta não manda Blanca voltar para os seus próprios pacientes.


— Aquilo que você fez ontem foi uma grande besteira! — Ouço-a dizer para Alfonso.


— Eu sei — responde ele. A voz dele soa como um sussurro rouco, como costuma ficar depois que se grita muito num show. — Estava desesperado.


— Não. Você foi romântico.


— Fui um idiota. Eles disseram que antes disso ela estava melhor, que já estava respirando sem a ajuda dos aparelhos. Que estava mais forte. Mas foi depois que vim até aqui que ela começou a piorar. Disseram que o coração dela parou na mesa de cirurgia...


A voz de Alfonso quase desaparece.


— Mas fizeram ele funcionar de novo. Anne estava com o intestino perfurado, e isso prejudicou o bom funcionamento dos órgãos. Essas coisas acontecem com frequência, e não tem nada a ver com você. Identificamos o problema e conseguimos solucioná-lo. É isso que importa.


— Mas ela estava melhor — sussurra Alfonso. Ele parece tão jovem e tão vulnerável, como Teddy ficava quando estava doente. — E aí eu apareci e ela quase morreu.


Agora, Alfonso engasga num soluço. O som me faz acordar como se um balde de água gelada tivesse sido jogado em cima de mim. Alfonso acha que foi ele quem me deixou assim? Não! Que absurdo! Ele está redondamente enganado.


— E pensar que eu quase fiquei em Porto Rico pra me casar com um filho da puta gordo! — desabafa a enfermeira. — Mas não fiquei. E agora tenho uma vida diferente. O quase não importa. É preciso encarar a situação real, do jeito que ela se apresenta no momento presente.


E a Anne continua aqui. — Ela abre a cortina que envolve a minha cama. — Agora entre — pede a Alfonso.


Esforço-me para erguer a cabeça e abrir os olhos. Deus do céu, mesmo neste estado, ele continua lindo. Seus olhos estão fundos de cansaço. A barba cresceu um pouco, o bastante para me arranhar caso nos beijássemos. Alfonso está vestindo o seu típico uniforme da banda, uma camiseta, calça jeans justa, tênis All Star e um cachecol xadrez de vovô nos ombros.


Logo que me vê, ele fica pálido, como se tivesse na frente de uma criatura horrenda da Lagoa Negra. E de fato estou muito feia, com um aparelho ligado em mim que me ajuda a respirar e mais uma dúzia de outros tubos, além do curativo da última cirurgia que está sujo de sangue. Mas depois de algum tempo, Alfonso solta a respiração e volta a ser o Alfonso de sempre.


Ele olha ao seu redor, como se tivesse deixado alguma coisa cair, até que encontra o que está procurando: a minha mão.


— Meu Deus, Anne! A sua mão está um gelo! — Ele se inclina, pega também a minha mão direita com cuidado para não encostar nos tubos e nos fios, aproxima a boca e começa a soprá-las para aquecê-las. — Você e essas suas mãos malucas. — Alfonso sempre fica surpreso quando vê que as minhas mãos, mesmo em pleno verão e mesmo depois dos nossos encontros mais quentes, continuam geladas. Digo a ele que é má circulação, mas ele não acredita muito porque os meus pés geralmente estão sempre quentinhos. Alfonso diz que tenho mãos biônicas e que é por isso que sou uma violoncelista tão boa.


Observo enquanto ele aquece as minhas mãos, do jeito que ele sempre fez. Penso na primeira vez em que ele fez isso, na escola, sentado no gramado, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Lembro-me também da primeira vez que ele fez isso na frente dos meus pais. Estávamos sentados na varanda, na véspera do Natal, tomando cidra. Estava muito frio lá fora. Alfonso agarrou as minhas mãos de repente e começou a soprá-las. Teddy achou engraçado e deu risada. A mamãe e o papai não disseram nada, só trocaram um olhar; alguma coisa se passou na cabeça dos dois, não sei exatamente o que, então mamãe sorriu para nós com certa melancolia.


Fico me perguntando se conseguiria sentir o toque dele. Se eu me deitar em cima do meu corpo agora, será que voltaria a ser uma só? Poderia senti-lo? Se eu esticasse a minha mão até a dele, será que ele poderia me sentir? Será que Alfonso conseguiria aquecer as mãos que ele não pode ver?


Alfonso solta a minha mão e dá um passo à frente para me olhar. Ele está tão pertinho de mim que quase consigo sentir o seu cheiro e sinto uma vontade louca de tocá-lo. É uma vontade primitiva, natural, avassaladora, do mesmo jeito que um bebê sente a necessidade de tocar o seio da mãe. Mas ainda assim, sei que se nos tocarmos, um novo cabo de guerra surgirá — um que será ainda mais doloroso do que aquele que Alfonso e eu estávamos segurando nos últimos meses.


Alfonso começa a murmurar alguma coisa. Com a voz bem baixa. Ele não para de repetir: por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por fim, ele para e olha bem para o meu rosto:


— Por favor, Anne — implora. — Não me faça escrever uma música.


Jamais pensei que me apaixonaria. Nunca fui o tipo de garota que tinha paixonites por estrelas do rock ou que fantasiava em se casar com o Brad Pitt. Eu sabia que algum dia provavelmente eu teria namorados (na faculdade, de acordo com as predições de Mai) e que me casaria. Não estava totalmente imune aos encantos do sexo oposto, eu era uma daquelas garotas românticas que tinha sonhos cor-de-rosa sobre o amor.


Mesmo quando eu estava me apaixonando — aquela paixão intensa e estonteante que você não consegue esconder porque não tira o sorriso bobo do rosto —, nem me dei conta do que estava acontecendo. Quando estava com Alfonso, pelo menos depois daquelas primeiras e estranhas semanas, me senti tão bem que não me incomodei em pensar sobre o que estava acontecendo comigo, com a gente. É que tudo parecia tão normal e certo quanto tomar um banho quente com muita espuma. O que não significa que não tivemos lá umas brigas.


Brigávamos por várias coisas: porque ele não era muito legal com a Mai, porque eu era antissocial nos shows dele, porque ele dirigia em alta velocidade e por causa da minha mania de puxar a coberta toda para mim. Eu ficava brava porque ele nunca escreveu uma música para mim. Alfonso alegava que não era muito bom com músicas bobinhas que falam de amor:


— Se quer que eu escreva uma música para você, vai ter que me trair ou alguma coisa desse tipo — dizia ele, já sabendo muito bem que isso não aconteceria.


Contudo, no outono passado, Alfonso e eu começamos a ter um tipo diferente de briga. Na verdade, nem chegava a ser uma briga. Não gritávamos e praticamente não discutíamos, mas uma certa tensão pairava no ar, entre nós. E parece que tudo começou com a minha audição para tentar entrar na Juilliard.


— E aí, acabou com eles? — perguntou-me Alfonso quando eu voltei. — Vão admitir você com bolsa integral?


Tive a sensação de que tinha, pelo menos, passado no teste — mesmo antes de contar à professora Christie sobre aquele avaliador que disse: “Faz tempo que não vemos uma interiorana de Oregon por aqui”, mesmo antes de ela começar a espalhar porque estava totalmente convencida de que aquela era uma promessa sutil de que eu seria admitida. Algo aconteceu enquanto me apresentei naquela audição; quebrei alguma barreira invisível e pude finalmente tocar as peças da maneira como elas soavam na minha cabeça, e o resultado foi transcendental: os lados mental e físico, técnico e emocional das minhas habilidades tinham finalmente se integrado. Depois, no caminho de volta para casa, quase na fronteira entre a Califórnia e Oregon, tive uma visão repentina na qual me vi carregando o meu violoncelo pela cidade de Nova York. E foi como se eu já soubesse disso, e essa certeza se instalou em mim.


Não sou o tipo de pessoa que costuma ter premonições ou excesso de confiança, por isso suspeitei que houvesse algo a mais naquela visão do que simplesmente um devaneio.


— Ah, fui mais ou menos — respondi para Alfonso e quando o fiz, percebi que havia mentido para ele pela primeira vez, e aquela foi uma mentira diferente de todas as omissões que eu já havia cometido antes.


Para começo de conversa, eu não tinha contado ao Alfonso que eu me inscreveria para a Juilliard, o que de fato foi muito pior do que parecia. Antes de me inscrever, tive de usar todos os meus momentos livres para praticar com a professora Christie e fazer os ajustes finais do concerto de Shostakovich e das duas Suítes de Bach. Quando Alfonso me perguntou por que eu estava tão ocupada, inventei umas desculpas bobas dizendo que estava tentando aprender a tocar umas peças difíceis. Tentei justificar para mim mesma que aquilo era tecnicamente verdade. E a professora Christie conseguiu agendar para mim uma sessão de gravação na universidade, então eu pude enviar um material de alta qualidade para a Juilliard.


Eu tinha de chegar ao estúdio às sete horas da manhã aos domingos, e nas noites de sábado eu inventava que não me sentia muito bem e dizia a Alfonso que era melhor que ele não ficasse para passar a noite comigo. Também dei um jeito de justificar essa outra mentira para mim mesma. Eu não estava de fato me sentindo muito bem porque estava muito ansiosa, então não era bem uma mentira. E, além disso, eu achava que não havia motivo nenhum para causar alarde. Eu também não tinha contado a Mai, então não era como se só o Alfonso estivesse sendo enganado.


Mas depois que contei a ele sobre a audição, tive a sensação de que eu estava caminhando sobre uma areia movediça e que se desse mais um passo, não haveria como me livrar dela e então, me afogaria de vez. Assim, respirei fundo e me obriguei a voltar para a terra firme.


— Pra ser sincera, não é verdade — confessei. — Eu me saí muito bem. Toquei muito melhor do que eu já havia tocado em toda a minha vida. Foi como se eu estivesse possuída.


A primeira reação de Alfonso foi sorrir, cheio de orgulho.


— Queria ter visto isso. — Mas então, seus olhos se entristeceram e ele franziu o cenho. — Por que você não me contou logo isso? Por que não me ligou depois da audição pra me contar a novidade? — indagou ele.


— Não sei — respondi.


— Bem, vejo que essa é uma grande novidade — prosseguiu Alfonso, tentando esconder a mágoa. — Devemos comemorar.


— Tudo bem, vamos sim — falei com uma alegria forçada. — Podemos ir para Portland no sábado, passar no Japanese Garden e depois jantar no Beau Thai.


Alfonso fez uma careta.


— Não posso. Neste fim de semana vou tocar no Olympia, em Seattle. Uma turnê pequena, lembra? Adoraria que você viesse comigo, mas não sei se isso seria realmente uma comemoração para você. Volto logo, no domingo à tarde. Posso te encontrar em Portland no domingo à noite, se você quiser.


— Não vai dar. Vou tocar no quarteto de cordas na casa de um professor. Que tal o próximo fim de semana?


Alfonso pareceu lamentar.


— Nos próximos fins de semana estaremos no estúdio, mas podemos sair para algum lugar durante a semana. Por aqui mesmo. Que tal aquele restaurante mexicano?


— Claro. O restaurante mexicano.


Dois minutos antes, eu não queria nem mesmo comemorar, mas agora estava me sentindo triste e insultada por ter sido relegada a um jantarzinho no meio da semana e no mesmo lugar de sempre, o mesmo que costumávamos ir.


Quando Alfonso se formou no Ensino Médio na primavera passada e mudou-se da casa dos pais para o Porão do Rock, não achei que as coisas mudariam muito. Ele continuaria morando perto de mim. Continuaríamos a nos encontrar com frequência. Eu sentiria falta dos nossos bate-papos na sala de música, mas também me sentiria aliviada porque a nossa relação sairia do foco do colégio.


Mas as coisas mudaram quando o Alfonso foi para o Porão do Rock e começou a faculdade, embora tenham mudado não pelas razões que imaginei. No início do inverno, no momento em que Alfonso começava a se acostumar com a vida da faculdade, de repente, as coisas começaram a esquentar para a Shooting Star. Eles receberam um convite para assinar contrato com uma gravadora de médio porte localizada em Seattle e agora ficavam ocupados nos estúdios de gravação. Além disso, a banda estava fazendo muito mais shows e a multidão de fãs era cada vez maior, aumentando praticamente todos os fins de semana. As coisas estavam tão agitadas que Alfonso teve de abandonar metade das disciplinas do seu curso e começou a frequentar a faculdade meio-período e, se as coisas continuassem assim, ele teria de trancar de vez.


— Não vou ter outra escolha — desabafou para mim.


Eu estava realmente muito empolgada por ele. Sabia que a Shooting Star não era só mais uma bandinha universitária da cidade, era uma banda especial. Não ligava para as ausências cada vez mais frequentes dele, especialmente porque Alfonso deixava muito claro o quanto o incomodava ficar longe de mim. Mas, de algum modo, a possibilidade de eu ir para a Juilliard fez as coisas mudarem — fez com que eu começasse a me importar. O que não fazia o menor sentido porque isso serviria pelo menos para nos deixar numa situação de igual para igual, já que agora havia algo de empolgante acontecendo comigo também.


— Podemos ir para Portland daqui algumas semanas — prometeu Alfonso. — Quando toda a decoração de Natal estiver pronta.


— Tudo bem — respondi sem o menor entusiasmo.


Alfonso suspirou.


— As coisas estão ficando complicadas, não é?


— É. Estamos com as agendas muito ocupadas.


— Não foi isso que eu quis dizer — retrucou Alfonso, virando o meu rosto para que assim eu pudesse olhar bem nos olhos dele.


— Sei que não foi isso que você quis dizer — retruquei, mas então senti um nó na garganta e não consegui dizer mais nada.


Tentamos aliviar a tensão, conversar sobre ela sem de fato falar sobre ela.


— Sabe, li no US News and World Report que a Willamette University tem um excelente programa de música — disse Alfonso. — Fica em Salem, que aparentemente está ficando cada vez mais na moda.


— De acordo com a opinião de quem? Do governador? — rebati.


— Liz encontrou umas coisas legais numa loja de roupas vintage que tem lá. E, você sabe, quando começam a aparecer essas coisas, é sinal que o lugar está se modernizando.


— Mas você esquece que eu não faço nem um pouco o tipo moderninha — lembro-o. — Mas já que estamos falando nisso, talvez a Shooting Star deva se mudar para Nova York.


Digo, afinal, a cidade é o coração do cenário punk. Ramones. Blondie.


Eu disse isso com um tom de voz frívolo e ao mesmo tempo sedutor.


— Isso foi há trinta anos — reagiu Alfonso. — E mesmo se eu quisesse mudar para Nova York, tenho certeza de que o resto do pessoal da banda não aceitaria isso.


Ele ficou olhando melancolicamente para os próprios sapatos, e foi então que percebi que a parte da brincadeira da conversa tinha acabado. Senti o meu estômago embrulhado, um aperitivo que antecedeu a porção cheia de mágoa que estava por vir.


Alfonso e eu nunca fomos muito o tipo de casal que conversa sobre o futuro, nem sobre os planos do nosso relacionamento, mas, como as coisas entre nós, de repente, começaram a ficar obscuras, evitávamos falar sobre qualquer coisa que estava para acontecer num período maior do que as próximas semanas. Isso fez com que as nossas conversas se tornassem artificiais e estranhas, exatamente como no começo do nosso relacionamento quando ainda tentávamos encontrar uma maneira de nos comunicar melhor. Uma tarde, no outono, vi na vitrine um vestido de seda lindo, dos anos de 1930, na mesma loja vintage onde papai comprava seus ternos. Quase o mostrei para Alfonso e perguntei se ele achava que eu poderia usá-lo na formatura, mas a formatura só seria em junho, e talvez Alfonso estivesse viajando com as suas turnês ou talvez eu estivesse ocupada demais com os preparativos para a Juilliard, então resolvi não dizer nada. Não muito tempo depois disso, Alfonso reclamou que a guitarra dele estava ficando muito batida e disse que queria uma Gibson SG. Eu disse a ele que compraria e lhe daria de presente de aniversário, mas Alfonso afirmou que aquele tipo de guitarra custava milhares de dólares e que, além disso, o aniversário dele era só em setembro. O jeito com que ele disse “setembro” soou como um juiz decretando uma sentença de prisão.


Faz algumas semanas, fomos a uma festa de Réveillon juntos. Alfonso ficou bêbado, e quando bateu meia-noite, ele me deu um beijaço.


— Vai, promete que vai passar o próximo Réveillon comigo — sussurrou no meu ouvido.


Estava a ponto de explicar que mesmo que eu fosse admitida na Juilliard, passaria o Natal e o Ano-Novo em casa, mas então percebi que a questão não era essa. Então fiz a promessa conforme ele pediu, porque eu queria que ela se cumprisse tanto quanto Alfonso. Depois retribuí o beijo com a mesma intensidade, como se quisesse fundir o meu corpo com o dele através dos nossos lábios.


No dia do Ano-Novo, cheguei em casa e encontrei toda a minha família na cozinha, reunida, além de Fernando, Blanca e o bebê deles. O papai estava preparando o café da manhã: picadinho de salmão, sua especialidade.


Fernando balançou a cabeça ao me ver:


— Vejam só essas crianças. Parece que foi ontem que chegar em casa às oito era cedo.


Hoje em dia eu seria capaz de matar alguém para poder dormir até as oito.


— Nem conseguimos ficar acordamos até a meia-noite — admitiu Blanca, embalando o bebê no colo. — O que foi até bom porque a mocinha aqui quis começar a comemorar o Ano- Novo às cinco e meia.


— Eu fiquei acordado até meia-noite! — gritou Teddy. — Eu vi aquela bola caindo quando deu meia-noite. É em Nova York, sabia? Se você mudar pra lá, vai me levar para ver a bola ao vivo? — perguntou ele.


— Claro que vou, Teddy — respondi, fingindo entusiasmo. A ideia de mudar para Nova York parecia cada vez mais real e, embora essa ideia geralmente me deixasse nervosa, confusa e entusiasmada ao mesmo tempo, imaginar Teddy e eu juntos na véspera do Ano-Novo me trouxe uma sensação insuportável de solidão.


Mamãe olhou para mim, sobrancelhas arqueadas.


— Hoje é o primeiro dia do ano, então não estou nem um pouco preocupada com a hora que você chegou em casa, mas se você estiver de ressaca, vai ficar de castigo.


— Não estou. Só bebi uma cerveja. Só estou meio cansada.


— Só meio cansada? Tem certeza?


Mamãe agarrou o meu pulso e me virou para ela. Ao ver a minha expressão abatida, ela inclinou a cabeça um pouco para o lado como se quisesse dizer: “Você está bem?”. Dei de ombros e mordi os lábios para me controlar. Mamãe balançou a cabeça, me deu uma xícara de café e me levou até a mesa. Depois me serviu um prato de salmão e uma fatia grossa de pão, e mesmo achando que não estava com um pingo de fome, fiquei com água na boca, meu estômago roncou e, de repente, me senti muito faminta. Comi em silêncio, e mamãe ficou me observando o tempo todo. Depois que todos terminaram, ela pediu para que fossem para a sala assistir à Rose parade na TV.


— Todo mundo! Para a sala! — ordenou ela. — Anne e eu vamos lavar a louça.


Assim que todos saíram, mamãe se virou para mim e eu simplesmente desmoronei em cima dela, aos prantos, aliviando a tensão e a incerteza que eu vinha carregando nas últimas semanas. Mamãe ficou parada, em silêncio, me deixando ensopar o seu suéter. Quando parei, ela me entregou a esponja.


— Você lava, eu seco. Vamos conversar enquanto isso. Água morna e sabão. Isso sempre serviu como um calmante pra mim.


Mamãe pegou o pano de prato e começamos a trabalhar. Contei-lhe sobre Alfonso e eu:


— Parece que esse um ano e meio em que estamos juntos foram os meses mais perfeitos do mundo — falei. — Tanto que nunca cheguei a pensar sobre o futuro. Sobre as direções diferentes que cada um de nós poderia tomar.


Mamãe sorriu. Um sorriso triste e ao mesmo tempo de quem entendia exatamente o que eu estava falando.


— Eu pensei nisso.


Virei para ela. Minha mãe estava olhando para a janela, observando dois pardais que estavam se banhando numa poça d’água.


— Lembro do ano passado, quando Alfonso veio para passar a véspera do Natal com a gente.


Disse para o seu pai que vocês tinham se apaixonado cedo demais.


— Já sei, já sei. O que uma garotinha estúpida conhece sobre o amor?


Mamãe parou de secar uma frigideira.


— Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer exatamente o contrário. O seu relacionamento com o Alfonso nunca me pareceu um romancezinho de colégio — retrucou a mamãe fazendo um símbolo de aspas com as mãos. — Não tem nada a ver com encher a cara na caçamba de uma picape como acontecia com os relacionamentos na minha época de colégio. Vocês dois pareciam, e ainda parecem, apaixonados, um amor verdadeiro e profundo.


— Ela suspirou. — Mas dezessete anos não é uma idade nada conveniente para se apaixonar.


Isso me fez sorrir e aliviou ligeiramente o desconforto no estômago.


— Nem me fale. E se nós dois não fôssemos músicos, poderíamos ir para a faculdade juntos e tudo ficaria bem — confessei.


— Isso seria fugir do problema, Anne — ponderou mamãe. — Todo relacionamento tem suas dificuldades. Assim como a música, às vezes se tem harmonia e outras, cacofonia. Eu não preciso lhe explicar sobre isso.


— Sim, acho que tem razão.


— E, por favor, foi a música que uniu vocês. Foi isso que eu e seu pai sempre pensamos.


Vocês dois são apaixonados por música e então se apaixonaram um pelo outro. Foi mais ou menos como aconteceu comigo e com o seu pai. Eu não tocava nada, mas escutava.


Felizmente, eu era um pouco mais velha que ele.


Nunca contei para mamãe o que Alfonso havia dito naquela noite do concerto do Yo-Yo Ma quando perguntei a ele: “Por que eu?”, assim como nunca contei que a música fazia totalmente parte disso.


— É, mas agora sinto como se a música estivesse a ponto de nos separar.


Mamãe balançou a cabeça.


— Bobagem! A música não faz isso. A vida, essa sim pode fazer vocês dois tomarem rumos diferentes. Mas cabe a cada um de vocês escolher que caminho quer seguir. — Ela se vira e olha bem para mim. — Alfonso não está tentando te impedir de ir pra Juilliard, está?


— Não mais do que eu estou tentando fazer com que ele mude para Nova York. E de qualquer forma, essa hipótese é ridícula. Pode ser que eu nem vá.


— Sim, pode ser que não. Mas com certeza, você vai para algum lugar. Acho que todos nós sabemos disso. E o mesmo é válido para Alfonso.


— Pelo menos ele pode ir para um lugar diferente e continuar morando aqui.


A mamãe deu de ombros.


— Talvez. Pelo menos por enquanto.


Levo as mãos ao rosto e balanço a cabeça.


— O que vamos fazer? — lamento. — Sei que estou bem no meio de um cabo de guerra.


Mamãe me ofereceu um olhar de solidariedade.


— Não sei. Mas se você quer ficar com ele, eu a apoiaria, embora eu só esteja dizendo isso porque não acho que você seja capaz de desistir de Juilliard. Mas eu entenderia se você escolhesse o amor, o amor do Alfonso em vez do amor pela música. Seja qual for a sua escolha, vai sair ganhando. Assim como também vai sair perdendo. O que eu posso te dizer? O amor é uma merda.


Alfonso e eu conversamos mais uma vez sobre o assunto. Fomos para o Porão do Rock e sentamos em um futon. Alfonso ficou dedilhando uma música no violão.


— Pode ser que eu não consiga entrar — disse para ele. — Talvez eu acabe aqui, e entre na faculdade com você. De certa forma, espero que não me chamem, porque aí não vou precisar escolher.


— Se você entrar, a escolha já vai estar feita, não é? — perguntou Alfonso.


E já estava mesmo. Eu iria. E isso não significava que deixaria de amar Alfonso nem que nós terminaríamos, mas tanto mamãe quanto papai estavam certos. Eu não abriria mão da Juilliard. 


Alfonso ficou em silêncio por um minuto, dedilhando notas tão altas no violão que quase não


o escutei quando ele falou:


— Não quero ser o cara que vai dizer para você não ir. Se eu estivesse nessa situação, você me deixaria ir.


— Eu já deixei. De certa forma, você já foi. Para a sua própria Juilliard — pontuei.


— Eu sei — afirmou Alfonso com a voz baixa. — Mas eu continuo aqui. E continuo perdidamente apaixonado por você.


— Eu também.


E então, paramos de falar por um momento enquanto Alfonso executava alguma melodia desconhecida. Perguntei o que estava tocando.


— Se chama “O blues da namorada que vai para Juilliard e deixa o meu coração de roqueiro aos pedaços” — explicou ele, cantando o título num tom de voz exageradamente agudo.


Depois, Alfonso me deu aquele sorriso bobo, acanhado e sincero que vinha bem do fundo do coração.


— Estou brincando — falou.


— Acho bom.


— Quer dizer, mais ou menos — acrescentou ele.



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Autor(a): LollaVondy

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • byaoliveyra1 Postado em 03/06/2015 - 23:09:38

    Continua por favor estou amando a fanfic e queria tirar uma dúvida a prévia que você escreveu o capítulo na verdade que está assim prévia ( pra onde ela foi) ponny faz parte da fanfic se eu ficar? Por favor me responde e continuaaaaaa não abandona a fanfic please

  • dudanunes Postado em 25/05/2015 - 15:24:02

    Maissss

  • Evelin✩ Postado em 25/05/2015 - 10:52:28

    Posta Mais <3 PFT *-*

  • dudanunes Postado em 25/05/2015 - 10:20:23

    Posta mais <3

  • Site Una Fénix Postado em 22/05/2015 - 12:34:42

    To lendo <3 <3 . posta mais <3

  • Mikaella Borges Postado em 22/05/2015 - 11:54:57

    Continua pleas, to amando


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