Capítulo 015
O grande dia havia chegado. A igreja estava impecável, toda decorada com tons pastéis e flores delicadas. Maite estava deslumbrante, Cris totalmente nervoso. E Poncho, bem ele estava lá. Com um terno preto que combinava com o cabelo, a barba rala e aqueles olhos verdes, quase cor de mel. Assim que a música começou a tocar anunciando que a hora de entrarmos na igreja havia chegado, Poncho estendeu-me o braço, e por um único momento tive a leve impressão de que ele gostara daquela sensação.
Pela primeira vez não importava se estávamos acompanhados, se éramos observados ou se estávamos ali apenas como testemunhas do amor da Mai e do Cris. Estar ali naquele momento, de braços dados com o Poncho, me fez perceber tudo aquilo que eu havia desperdiçado. Talvez estivéssemos entrando agora naquela igreja em posições diferentes, ou até mesmo já possuíssemos uma grossa aliança dourada na mão esquerda seguida de um belo aparador cravejado de diamantes. Talvez já tivéssemos filhos, talvez eu tivesse aprendido a cozinhar, talvez nosso labrador fosse engraçado e eu tivesse que brigar com Poncho sempre que a grama estivesse alta demais. E pela primeira vez, pensar nisso doeu.
Não por querer voltar no tempo e fazer novas escolhas, mas por querer que Poncho tivesse sido capaz de respeitar as escolhas daquela época. Que ele respeitasse meus sonhos ao invés de querer impor os sonhos dele pra mim. Doeu pensar que tanta coisa poderia ter sido diferente e que o tempo nunca voltaria, e que nós dois, eu e ele, nunca mais seríamos os mesmos.
A cerimônia foi curta e linda. Nem preciso dizer que chorei na hora dos votos ao ver o quanto meus amigos estavam felizes por aquele momento se concretizar. Pra minha surpresa, Poncho tirou um lenço do bolso e estendeu pra mim. Sussurrei um obrigada entre os dentes e ele permaneceu com o cenho fechado.
Assim que saímos da igreja, fui acompanhada de Manuel até o coquetel. Logo que chegamos ele estendeu-me o braço e eu sorri gentil. Estávamos nos vendo com mais frequência após o jantar no restaurante japonês e ele vinha se mostrando um verdadeiro cavalheiro. Poncho também estava lá com a garota da cafeteria, acho que ele havia comentado algo sobre mim, pois desde que cheguei ao local do coquetel ela não parou de me observar por um segundo, e tive a leve impressão de que os dois discutiam por conta disso.
Nos sentamos a mesa com meus pais, minha irmã, Dulce, Christopher e a família de Christopher. O pai de Manuel também juntou-se a nós mais tarde. A conversa era descontraída e a companhia completamente agradável até Maite anunciar a dança dos padrinhos. Eu estava totalmente constrangida por ter que dançar com Poncho. Noventa por cento das pessoas ali sabiam do nosso passado. Até ele estava completamente sem graça.
Assim que a valsa dos noivos terminou, nós nos posicionamos. Poncho estendeu uma das mãos na qual apanhei e a outra postou-se na minha cintura, me segurando de maneira firme. Elevei minha outra mão até o ombro dele e pude senti-lo suspirar.
Anahí: Nós podemos fazer isso – sussurrei – É só uma dança.
Poncho: É, só uma dança – ele murmurou movendo-se no ritmo da música.
Ouça – Bruno Mars| When I Was Your Man.
Assim que a música começou a tocar, é como se a letra fizesse todo sentido pra nós.
When our friends talk about you
All that it does is just tear me down
Cause my heart breaks a little
“Quando nossos amigos falam sobre você tudo o que isso faz é me arruinar, porque meu coração se parte um pouco”
A respiração do Poncho já estava ofegante, e não era pela dança. Eram os sentimentos que aquela dança despertava. Podia sentir no dedilhar de dedos dele pela minha cintura o quanto eu ainda mexia com ele. E ele podia perceber isso pela minha mão suada sendo segurada pela dele.
Too young, too dumb to realize
That I should`ve bought you flowers and held your hand
Era como se ninguém estivesse mais ali. Éramos só nos dois, um passado, vários erros e algumas confissões. Me virei e meus olhos encontraram os dele e pude ver o quanto sentíamos falta daquilo tudo. Nenhum de nós havia superado e talvez nunca superaríamos.
Now my baby is dancing, but she`s dancing
With another man
"Agora minha garota está dançando, mas está dançando com outro homem."
Assim que a dança terminou, Velasco veio e minha direção tentando-me tirar para dançar. Agradeci delicadamente mas disse que necessitava tomar um ar e fui até a varanda onde a mãe da Mai estava. Logo Dulce veio atrás de mim com um interrogatório, mas fomos interrompidas pela minha irmã que tentava dizer algo toda afobada.
Angel: Annie, você precisa vir, papai está passando mal – disse puxando-me pela mão.
Assim que cheguei a mesa do meu pai, ele estava com a gravata frouxa e respirava com dificuldade. Poncho segurava-lhe pelo pulso, provavelmente tentando monitorar seus batimentos cardíacos, enquanto falava ao telefone. Havia uma roda de pessoas em volta da cena. Cheguei próxima ao meu pai, chorando desesperada.
Poncho: Anahí eu já chamei a emergência, já estão a caminho olhou-me – Você precisa ficar tranquila, seu pai precisa de você agora.
Anahí: O que ele tem? – pedi desolada. Meu pai mal conseguia respirar.
Poncho: Provavelmente um princípio de enfarto, tentei procurar Christopher, mas parece que ele e a sua amiga encrenqueira já tinham ido embora – olhou para meu pai – Tio Henrique o senhor está me ouvindo? – meu pai murmurou assentindo – Ótimo, já chamei um médico está bem? Logo vão levar o senhor para o hospital.
Anahí: Pai, não fecha os olhos por favor, o senhor tem que ser forte, eu estou aqui, sua filhinha, a Annie – segurei uma das mãos dele enquanto enxugava os olhos com a outra – Tudo vai ficar bem eu prometo.
A verdade é que eu não sabia se tudo ficaria bem. Alguns segundos depois meu pai fechou os olhos. A emergência logo chegou e o levaram para o hospital. Foi tudo tão rápido que se quer consegui raciocinar direito. Poncho apanhou-me rapidamente pelos ombros levando-me para o seu carro, e Velasco fez o favor de levar minha irmã e minha madrasta em seguida.
Quando se está nessa situação, segundos parecem horas e as esperas são intermináveis. Logo o médico veio ao saguão dizendo que meu pai sofrera duas paradas cardíacas e se encontrava em coma. Foi como se golpeasse meu coração. Meu pai, o homem que sempre cuidou de mim, me deu educação, dignidade. Aquele homem simples, bom e honesto. Como a vida podia ser tão injusta?
Sai caminhando pelo hospital a passos lentos, tantas pessoas, tantos problemas, tantas histórias. Não demorou muito cheguei ao berçário, onde uma menininha gordinha de cabelo bem escuro parecia sorrir pra mim. Toquei o vidro instintivamente quando senti alguém tocar meu ombro.
Poncho: Vai ficar tudo bem – encarou-me.
Anahí: Você foi incrível! De verdade, mesmo depois de tudo que eu – ele interrompeu-me.
Poncho: Não creio que esse seja o momento pra isso – assenti.
Anahí: Você tem razão – nos calamos e eu voltei a olhar para a menininha.
Poncho: As vezes eu só queria entender por que? – ele suspirou.
Anahí: Pra proteger você, pra proteger a gente – sem olhá-lo.
Poncho: Proteger do que? – ele disse também fitando o nada.
Anahí: Do nosso futuro, dos nossos sonhos. Você nunca entenderia – suspirei.
Poncho: Realmente, certas coisas eu nunca entenderia – olhou-me com certa frieza – Não era do Christopher e eu soube disso desde o primeiro momento. Mas você devia ter me contado, você tinha a obrigação de fazer isso.
Anahí: Foi a saída mais fácil, você havia acabado de entrar em Harvard, era seu sonho. Eu não tinha o direito de arruinar tudo pra você, não mais uma vez – silenciamos.
Poncho: Você? – olhou-me com certo espanto.
Anahí: Nunca. Jamais teria a coragem de fazer isso – cruzei os braços sobre os ombros esfregando-os. Estava frio – Talvez um dia eu te conte, digo, como aconteceu.
Poncho: Você precisa descansar, seu pai precisa de você – colocou o paletó sobre os meus ombros e saiu.
Então pela primeira vez desde que cheguei a Pruebla me deixei chorar. Um choro doído, cheio de memórias e cenas do passado.
Flashback
Já faziam mais de duas horas que eu aguardava ali, a dor era monstruosa e o sangue em vermelho vivo escorria pelas minhas pernas. Eu e Christopher havíamos tido uma pequena discussão e em um desequilíbrio meu acabei caindo das escadas. Ele mais do que rapidamente me apanhara no colo e me levara até o hospital da cidade. Eu estava com 8 meses de gestação, era uma linda garotinha.
Obstetra: Annie, preciso ser sincera com você. Vamos para a sala de cirurgia agora tudo bem? – acenti – Sua situação é bastante complicada. Você perdeu muito sangue, a sua bolsa rompeu, mas o seu bebê não está em uma posição favorável a um parto natural. Vamos tentar de tudo, está bem? Por isso preciso que seja muito corajosa e que está preparada para tudo. Partos em gestantes de oito meses são bastante complicados e envolvem riscos.
Mal pude titubear, lembro-me de entrar em uma sala cheia de luzes e passar por várias portas deitada em uma maca. Cheguei em uma sala ainda mais iluminada e lá um médico anestesista conversara comigo minutos antes de eu parar de sentir minhas pernas. Minha babá Marichello estava lá, do meu lado. Posso dizer que sem dúvidas foi uma das sensações mais aterrorizantes que já passei na vida. O medo, a confusão de pensamentos. Os médicos conversando coisas que você não consegue entender. Até que alguns minutos depois ela nasceu. A pequena Ísis. E aquele chorinho, bem, aquele chorinho fez com que toda frustração fosse embora. Os cabelinhos pretos iguaizinhos aos do pai, a lágrima que escorria pelo meu olho esquerdo, a sensação de tê-la nos meus braços. Minutos depois ela fora levada e eu entendera que nada estava bem e a sensação de perda tomara conta de mim, mesmo que incerta.