Fanfic: As Crônicas de Nárnia - O Sobrinho do Mago
UM DIÁLOGO ESTRANHO
Foi tão repentino, tão horrível, tão diferente de tudo o que já havia acontecido a Digory,
mesmo em pesadelos, que ele deu um grito. Instantaneamente a mão de tio André tapoulhe
a boca.
— Nada disso! Sua mãe pode ouvir, e você sabe muito bem que ela não deve levar
sustos.
Nada podia ser mais desagradável, disse Digory mais tarde, do que lidar com um
sujeito naquelas condições. Mas não gritou de novo.
— Melhor assim — disse tio André. — Reconheço que é chocante quando vemospela primeira vez uma pessoa sumir. É fato: até eu fiquei arrepiado quando vi outro dia o
porquinho-da-índia desaparecer.
— Foi naquele dia que o senhor deu um berro? — Ah, você ouviu? Espero que não
ande me espionando.
— Não fiz isso — disse Digory, indignado –, mas quero saber o que aconteceu
com a Polly.
— Pode me dar os parabéns — replicou tio André, esfregando as mãos. — Minha
experiência deu certo. A menina se foi, sumiu deste mundo!
— O que o senhor fez com ela?
— Enviei a menina para um outro lugar. — Que história é essa?
Tio André sentou-se e respondeu:
— Bem, vou contar-lhe tudo. Já ouviu falar de dona Lenir?
-Não é uma tia-avó ou qualquer coisa parecida? — Não é exatamente isso; era a
minha madrinha. Aquela ali na parede.
Digory olhou e viu uma fotografia amarelada, mostrando uma velha com um
chapéu antigo. Lembrava-se agora de que já vira uma foto dela numa velha gaveta. Tinha
perguntado à mãe quem era, mas esta preferira não tocar no assunto. Não era uma figura
simpática — pensou Digory –, mas a gente nunca tem certeza quando se trata dessas
fotografias antigas.
— Havia alguma coisa... algo errado com ela, tio André? — perguntou o menino.
— Bom — respondeu o tio, estalando os dedos –, isso depende do que você chama
de errado. As pessoas são tão quadradas! Sem dúvida, ficou bastante esquisita nos seus
últimos tempos. Não tinha muito juízo. Foi por isso que a prenderam.
— Num hospício?
— Não! Que é isso?! De maneira nenhuma! Só na cadeia.
— Ah, sim.. Por quê?
— Ah, coitadinha — respondeu tio André –, andou agindo mal. Tanta coisa! Mas
não vamos falar nisso. Sempre foi muito boazinha para mim!
— Escute, tio, que tem a ver uma coisa com a outra? Quero saber se Polly...
— Tudo a seu tempo, rapaz. Eu era uma das poucas pessoas que minha madrinha
gostava de ver quando adoeceu gravemente. Ela não se dava com as pessoas comuns,
ignorantes, entende? Também eu sou assim. Mas ambos nos interessávamos pelas
mesmas coisas. Poucos dias antes de morrer, ela me disse para ir buscar em sua casa uma
pequena caixa, que ela guardava numa velha escrivaninha. No momento em que toquei na
caixa já senti, pelo formigamento dos meus dedos, que tinha nas mãos um vasto segredo.
Deu-me a caixa e tive de fazer-lhe uma promessa: logo que ela morresse, tinha de
queimar tudo, sem abrir, depois de certas cerimônias. Não cumpri minha promessa.
— Não diga! Foi muito feio de sua parte! — exclamou Digory.
— Feio? — perguntou tio André, muito admirado. — Ah, estou entendendo. Está
querendo dizer que os meninos devem cumprir suas promessas. Muito bem, estou
gostando de ver. Mas também deve admitir que essas regras morais, embora excelentes
para as crianças... e para a criadagem... e para as mulheres... e para as pessoas em geral...
não podem ser aplicadas aos grandes estudiosos, aos grandes sábios, aos grandes
pensadores. Não, Digory! Homens como eu, conhecedores da sabedoria oculta, não estão
amarrados a essas regras vulgares... do mesmo modo como estamos distanciados dos
prazeres vulgares. Nosso destino, meu filho, é solitário, mas está acima de tudo.
Suspirou e assumiu uma expressão tão grave, tão nobre, tão misteriosa, que por um
instante Digory chegou a pensar que ele dissera alguma coisa muito profunda. Lembrouse
porém da cara feia do tio um momento antes de Polly sumir, e as palavras perderam a
eloqüência. Pensou: “Ele está querendo dizer é que pode fazer tudo o que quiser para
obter tudo o que desejar.”
— Naturalmente — prosseguiu tio André –, durante muito tempo não ousei abrir a
caixa. Sabia que devia estar guardando algo extremamente perigoso, pois a minha
madrinha era de fato uma mulher fora do comum. Para dizer a verdade, era uma das
últimas criaturas mortais, neste país, que ainda tinha nas veias sangue de fada. (Uma vez
me disse que havia mais duas no tempo dela: uma duquesa e uma arrumadeira.) Sério,
Digory, você está agora conversando com o último homem (muito provavelmente) queteve realmente uma fada madrinha. Que tal? É uma coisa de que você poderá se lembrar
com orgulho quando tiver a minha idade.
“Aposto que era mais uma bruxa do que uma fada”, pensou Digory, acrescentando
em voz alta: — Quero é saber de Polly.
— Que mania de bater sempre na mesma tecla! — exclamou tio André. — Como
se isso fosse a coisa importante! Minha primeira iniciativa foi, naturalmente, estudar a
própria caixa. Era muito antiga. já bem sabia que não era grega, nem egípcia, nem
babilônica, nem hitita, nem chinesa. Era mais antiga do que essas nações. Ah, que dia
fabuloso quando descobri, afinal, a verdade! A caixa viera da Atlântida, quer dizer, era
séculos mais velha do que essas coisas da Idade da Pedra que costumam desenterrar aí na
Europa. Não era uma coisa rústica como aquelas outras. Pois já na aurora do tempo a
Atlântida era uma grande cidade, com palácios, templos e homens cultos.
Fez uma pausa como se esperasse algum comentário de Digory. Mas este, que de
minuto a minuto estava gostando menos do tio, não disse nada. Tio André retomou a
palavra:
— Enquanto isso, eu estava aprendendo um bocado sobre magia em geral (não
seria conveniente contar isso a uma criança). Enfim, cheguei a ter uma boa noção das
coisas que podiam existir dentro da caixa. Depois a de vários estudos, fui apertando o
cerco. E claro: tive de conhecer algumas... bem... algumas pessoas, digamos, à margem da
sociedade... Passei por algumas experiências muito, muito desagradáveis. Foi por isso que
fiquei de cabelos brancos. Mas ninguém pode virar feiticeiro sem pagar um preço. Acabei
perdendo a saúde. Mas melhorei. E acabei conhecendo o segredo.
Embora não houvesse a menor possibilidade de que alguém pudesse escutá-los, tio
André inclinou-se e cochichou:
— A caixa da Atlântida continha certa coisa que fora trazida de outro mundo,
quando o nosso mundo mal começava!...
— Que coisa? — perguntou Digory, que mesmo sem querer já estava curioso.
— Pó. Pó fininho, pó seco. Nada de entusiasmar. Nada que valesse tanto trabalho
— é o que você deve estar achando. Ah, mas quando vi aquele pó (tive o cuidado de não
tocar nele) e pensei que cada grãozinho ali já estivera em outro mundo... Não estou
falando de outro planeta, pois os planetas fazem parte do nosso mundo... Estou falando de
outro mundo mesmo — uma outra natureza, um outro universo –, um lugar onde você
jamais chegaria, mesmo que viajasse eternamente através do espaço deste nosso
universo... Um mundo que só poderia ser alcançado através da magia! Bem...
A essa altura tio André esfregava tanto as mãos que seus dedos estalavam como
fogos de artifício. E prosseguiu:
— Sabia que, se fizesse direito, aquele pó nos levaria ao lugar de onde viera. A
dificuldade era esta: como fazer? Minhas primeiras experiências foram grandes fracassos.
Usei porquinhos-da-índia. Alguns apenas morreram. Outros explodiram feito bombas...
— Que maldade! — exclamou Digory, que ia tinha tido um porquinho-da-índia.
— Como você teima em fugir do assunto! É para isso que as criaturas existem.
Paguei com o meu dinheiro! Onde é mesmo que eu estava? Ah, sim. Afinal acabei
conseguindo fazer os anéis: os amarelos. Surgiu então uma nova dificuldade. Estava
convencido de que um anel amarelo remeteria ao outro mundo qualquer criatura que
tocasse nele. Mas de que valeria isso, se a criatura não podia voltar para dizer o que havia
visto por lá?
— E a própria criatura? — perguntou Digory. — Não podendo voltar, ficaria numa
enrascada!
— Você sempre olha as coisas de um ponto de vista negativo — replicou tio
André, com impaciência. — Não passa pela sua cabeça que se tratava de uma experiência
magna? Só remetemos uma pessoa a outro lugar quando desejamos saber como é esse
outro lugar. Certo?
— Bem, e por que o senhor mesmo não foi? Digory jamais vira alguém tão
surpreso e ofendido quanto o tio, por causa de uma simples pergunta:
— Eu?! Eu?! Esse menino deve estar maluco! Um homem da minha idade, nas
minhas condições de saúde, correr o risco do impacto e dos perigos de um universo
diferente?! Nunca ouvi nada tão disparatado em toda a minha vida! Você sabe o que está
dizendo? Pense bem: trata-se de um outro mundo, onde podemos encontrar tudo... tudo.
— E foi para lá que o senhor enviou a Polly?! — As bochechas de Digory estavam
vermelhas de raiva. — Só tenho uma coisa a dizer: o senhor pode ser meu tio, mas
procedeu como um covarde, mandando uma menina para um lugar aonde o senhor não
tem coragem de ir.
— Bico calado! — ordenou tio André, dando um tapa na mesa. — Não admito que
um fedelho fale comigo dessa maneira. Você não entende nada. Eu sou o grande mestre, omago, o iniciado, o que está realizando a experiência. É claro que preciso de material para
executá-la. Daqui a pouco você vai me dizer que deveria ter pedido licença aos
porquinhos-da-índia antes de usá-los. Nenhuma alta sabedoria pode ser atingida sem uma
dose de sacrifício. Mas a idéia de que o sacrificado deva ser eu mesmo é completamenteridícula. É como pedir a um general para lutar como um soldado raso. Suponhamos que
eu morresse... Que seria do trabalho de toda a minha vida?
— Olhe, é melhor acabar com esse papo — interrompeu Digory. — O senhor vai
trazer Polly de volta?
— Já ia dizer-lhe, quando você me interrompeu com os seus maus modos, que
descobri afinal a maneira de fazer a viagem de volta. Os anéis verdes são capazes disso.
— Mas Polly não levou nenhum anel verde.
— É, não levou — disse tio André, com um sorriso maldoso.
— Se não levou, não poderá voltar! — gritou Digory. — É como se o senhor a
tivesse assassinado. — Poderá voltar se alguém for buscá-la, usando também um anel
amarelo e levando consigo dois anéis verdes, um para si, outro para ela.
Digory percebeu que tinha caído numa armadilha. Ficou olhando para o tio André,
estarrecido, boquiaberto. As bochechas passaram do vermelho ao pálido. Tio André
continuou, agora num tom forte e alto, como se fosse um tio perfeito que tivesse dado ao
sobrinho um dinheirinho e um bom conselho:
— Espero, Digory, que você não acene agora a bandeira branca. Ficaria muito
triste se uma pessoa de nossa família não tivesse a honra e a nobreza de socorrer uma
dama em... em perigo.
— Oh, cale a boca! — gritou Digory. — Se o senhor tivesse um pingo de honra,
iria o senhor mesmo. Mas sei que não tem. Está bem. Já vi que tenho de ir. Só que o
senhor é um monstro. Tudo, tudo cruelmente planejado: ela foi sem saber de nada, e
agora tenho de ir buscá-la.
— É claro — comentou tio André, com seu odioso sorriso.
— Pois muito bem: eu vou. Mas tem uma coisa que faço questão de dizer antes de
ir: até hoje não acreditava em magia. Agora sei que existe. Sendo assim, acho que os
velhos contos de fada são todos mais ou menos verdadeiros. E o senhor não passa de um
bruxo cruel como os que existem nos contos. Escute então: nunca soube de um bruxo quenão acabasse pagando por sua maldade no final da história. É só.
De todas as coisas ditas por Digory, foi esta a única que teve endereço certo.
Sobressaltado, tio André revelou tanto horror na face que, apesar de sua monstruosidade,
era quase possível ter pena dele. Um segundo depois recompôs-se, dizendo com um
sorriso forçado:
— Bem, bem, é natural que uma criança pense dessa maneira, uma criança criada
entre mulheres, como você. Não precisa preocupar-se com os meus perigos, Digory. Não
seria melhor preocupar-se com os perigos por que passa a sua amiguinha? Já há algum
tempo que ela foi embora. Se algum perigo existir lá... bem... seria uma pena chegar um
pouquinho atrasado.
— Até parece que o senhor se importa muito com isso! — disse Digory,
impetuosamente. — Já estou cheio desse papo. Que devo fazer?
— Antes de mais nada, aprender a controlar os seus nervos, meu filho —
respondeu o tio André, com frieza. — Do contrário vai acabar como a sua tia. Vamos.
Levantou-se, calçou um par de luvas e dirigiu-se para a bandeja de anéis.
— Eles só funcionam quando estão de fato em contato com a pele. Com luvas
posso pegá-los à vontade, assim. Se levar um no bolso nada acontecerá. Mas tenha muito
cuidado para não colocar a mão no bolso por distração. No momento em que tocar um
anel amarelo, sumirá deste mundo. Quando estiver no outro lugar, espero que — isso
ainda não foi testado, naturalmente, mas sempre espero –, ao tocar no anel verde, você
desapareça de lá e reapareça aqui. Bem. Pego estes dois verdes e deixo que eles caiam
dentro do seu bolso esquerdo. Não se esqueça do bolso em que estão os verdes. V para
verde e E para esquerdo. V.E., preste atenção, as primeiras duas letras de verde. Um para
você, outro para a garota. Agora pegue um amarelo. Eu — se fosse você — colocaria o
anel no dedo, pois assim é mais difícil perdê-lo.
Digory já estava para agarrar o anel amarelo quando se lembrou de algo
importante:
— Espere um pouco: e mamãe? Se ela perguntar onde eu estou?
— Quanto mais depressa for, mais depressa estará de volta — disse o tio André,
tentando ser animador. — Mas o senhor nem mesmo sabe se eu vou voltar.
Tio André sacudiu os ombros, deu uns passos, abriu a porta e disse:
— Pois muito bem. Como quiser. Desça para jantar. Deixe que as feras devorem a
garota. Ou que ela se afogue. Ou que morra de fome. Ou que se perca no outro mundo. Se
é o que prefere. Para mim dá no mesmo. Talvez fosse bom que, antes do chá, você
avisasse à mãe dela que nunca mais verá a filha... Só porque você tem medo de colocar
um anel no dedo.
— Ai, ai — gemeu Digory –, queria tanto ser grande para lhe dar um murro na
cara!
Abotoou o casaco, respirou fundo e pegou o anel. Pensando, como sempre pensou
mais tarde, que não havia para ele outra maneira de proceder com dignidade.
Não perca amanhã, a noite , o próximo capítulo de Ad Crônicas de Nárnia- O Sobrinho do mago!
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Autor(a): planetaon
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Tio André e o estúdio sumiram imediatamente. Por um momento tudo ficou turvo. Digory conseguiu ver umaVsuave luz verde vindo de cima e a escuridão embaixo. Não parecia estar apoiado em coisa alguma. Nada lhe tocava,Vaparentemente. Acho que estou dentro d.água. . pensou. VOu debaixo d.água.. Levou um susto, mas percebeu em seguida q ...
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