– O PAPAI viu sua foto no site do jornal de Chicago. Você paga repórteres para ficarem
estampando sua cara nas colunas sociais só para enfurecê-lo?
A irmã de 20 anos de Alfonso nem mesmo o cumprimentou quando ele atendera à sua ligação na tarde de terça-feira. Ela simplesmente fora direto ao assunto, o divertimento envolvendo seu tom.
– Olá para você também, Camila.
– Um leilão de caridade de solteiros? Pensei que ele fosse engasgar com os biscoitos esta
manhã!
– Papai está bem? – perguntou Alfonso , preocupado a contragosto.
O velhote era terrível, mas Alfonso não queria ver o pai doente; apenas que ele admitisse que, só
porque fornecera o sêmen que engravidara a mãe de Alfonso , e a subornara para se manter longe
da vida do filho, isso não signifacava que ele era dono de sua mente, seu corpo e sua alma.
– Ele está bem. Tagarelando e resmungando pela casa, perguntando-se por que você ainda não
abriu mão desse estilo de vida idiota e voltou para casa para “tomar seu lugar de direito” na
família.
– Isso nunca vai acontecer. – Alfonso passou a mão pelo cabelo, frustrado. Sentou-se na beira da
cama, uma monstruosidade king size que só podia ser encontrada nos Estados Unidos mesmo, que
dominava o quarto da elegante suíte do hotel. – E eu pensando que ele se daria conta disso depois
de todo esse tempo.
– Ah, tenho certeza de que deu conta, sim… Papai morre de saudade de você. Só que é
orgulhoso demais para admitir isso.
Sem dúvida. O pai era antiquado, de ponta a ponta, e se recusava a admitir derrotas. Sempre.
Alfonso sabia disso desde sua infância na propriedade da família em County Wicklow. A tradição
era tão profunda e sólida quanto as paredes de pedra da casa da família Herrera. O ar entre elas
tinha o cheiro dos 200 anos de história da construção, e carregava o peso de uma
responsabilidade que sufocara Alfonso desde o momento em que atingira idade suficiente para
compreeder as palavras “nosso sobrenome”.
No entanto, foi só quando completou 21 anos e aprendeu o quanto seu pai poderia ser exigente
que percebeu que teria de fugir. Porque naquele aniversário seu pai lhe informara que havia lhe
arranjado um casamento.
O pai de Alfonso e o amigo mais antigo dele tinham combinado uma união entre seus filhos antes
mesmo de as ditas crianças ao menos darem seus primeiros passos, como se fossem um par de
reis feudais da Idade das Trevas.
Aquilo ainda o deixava confuso.
– Você acha que papai aprendeu a lição? – perguntou Camila soando quase hesitante. – Quero
dizer, farei 21 anos no outono. E o irmão caçula de Maureen, James, continua solteiro.
Maureen era a suposta noiva de Alfonso , que, ele soube depois, se casara alguns anos atrás e
estava muito feliz, morando em Galway .
– James era um valentão idiota quando éramos crianças. Papai não faria…
– Diabos, não, não faria! – rebateu Alfonso . – Ele pode não ser capaz de admitir que foi um
teimoso obstinado em relação a mim, mas não é tolo o suficiente para expulsar você também.
Pelo menos, Alfonso esperava que não.
– Se ele fizer isso… Posso morar com você, não posso?
Alfonso não tinha espaço para uma garota de 21 anos. Nem mesmo uma casa de verdade…
Apenas alguns apartamentos em diferentes cidades do mundo, nada que se assemelhasse a
estabilidade. E não acreditava ser capaz de fazer Camila feliz. Ao contrário de Alfonso , que sempre
fora desesperado para sair de casa, sua irmã caçula se sentia nas nuvens quando cavalgava ou
socializava com os amigos ali mesmo, em Wicklow.
No entanto, ele nunca diria não a ela.
– Não vai chegar a esse ponto; mas, sim, Camila . Sempre terei lugar para você, caso precise.
Ela não iria precisar. As pessoas aprendiam com seus erros, não? O pai deles não iria arriscar
perder Camila também, não depois que vira Alfonso abandonar a casa ancestral três dias depois de
completar 21 anos. Após dizer ao pai o que ele poderia fazer com o horroroso anel antigo que o
filho deveria ter dado à sua “noiva”, Alfonso foi embora.
Nos sete anos seguintes, o pai tenMaite diferentes táticas para fazê-lo retornar à sua influência
patriarcal. Usara de ameaças, blefes, notícias falsas sobre sua saúde. Ele até mesmo pagara aos
jornais para que publicassem um anúncio de noivado, esperando que o constrangimento fizesse
Alfonso voltar para casa.
Alfonso não cedeu. Ele possuía um pequeno fundo fiduciário no qual o pai não conseguira intervir.
Não era uma fortuna, mas o suficiente, pelo menos para começar uma vida nova, e era isso o
que ele estava determinado a fazer. Queria ver o mundo, explorar, experimentar tudo.
Encontrar sua mãe.
Curioso, pois esse encontro, que era o que seu pai mais temia, foi o que abrandou a atitude de
Alfonso para com ele mais do que qualquer coisa. Ao encontrar sua mãe, Alfonso compreendeu a
verdade. Alfonso ouviu de seus lábios que, quando ele era criança, ela não conseguia pensar em
nada além de satisfazer seu vício em drogas. Que ela, na época, era um risco para qualquer um
ao seu redor; que se dera conta de que o pai de Alfonso fizera a coisa certa.
Um dia, Alfonso diria isto ao seu velho. Se um dia voltasse a vê-lo. Mas, pelo andar da
carruagem, isso não aconteceria logo.
– Eu poderia ir agora, Alfonso . Amo seu apartamento.
– Eu quase nunca fico lá, querida. – Ele disse isto de forma amável, para não magoá-la,
mesmo se seu cérebro ficasse entorpecido por essa ideia. – E você seria infeliz na cidade.
Camila conhecera o apartamento dele em Londres, embora não fizesse ideia de que ele possuía
um em Paris e outro em Nova York. Isto sucitaria muitas perguntas sobre como Alfonso conseguia
bancar tal estilo de vida. Perguntas às quais ele não se encontrava pronto para responder.
Ele estava bem de vida agora, mas enfrenMaite certa dificuldade no início. No entanto, era
muito determinado a ser independente e nunca voltar para casa. E Camila sabia disso.
Vivendo com simplicidade e sendo cuidadoso com seu dinheiro, Alfonso não precisara do pai.
Assim, a tática de fazer ameaças fora facilmente contornada.
As ameaças também não o fizeram mudar de ideia, nem a culpa, nem nenhum senso de dever
familiar. Se ele devia algo aos restos mortais das seis gerações no jazigo da família Herrera, eles
eram bem-vindos para virem pessoalmente e chamarem-no ao dever. Até lá, Alfonso não devia
nada a ninguém, e não havia nada que seu pai pudesse fazer para que ele retornasse.
Exceto encenar um problema de saúde.
Alfonso embarcara em um avião para voltar à Irlanda um ano depois de ter ido embora, assim
que ficou sabendo do infarto do pai. Então sua irmã adolescente lhe telefonou e disse que era
uma farsa, que se ele aparecesse iria entrar na própria festa de noivado.
Velho canalha manipulador!
Aquilo foi a gota d’água, o acontecimento que levou Alfonso ao limite. A atitude do pai de
infernizá-lo fazendo-o pensar que estava à beira da morte apenas para provar seus argumentos
sobre as reivindicações de Alfonso foi completamente ignorada. O incidente fizera Alfonso perceber
que, se desejava vida própria, teria que se separar tanto do seu velho eu que nunca mais haveria
como recuar.
E foi isso o que fez. De cidade em cidade. De emprego em emprego. De mulher em mulher.
Começando por Cingapura.
Ao longo do caminho, Alfonso descobrira algumas outras coisas nas quais era bom, além de
entreter mulheres ricas. E superara sua necessidade de chocar o pai e tirá-lo de seu caminho. Se
o velho se desse o trabalho de saber a verdade, descobriria que empresas de muitos países
contratavam Alfonso como intérprete, para fechar acordos, negociar e verificar se os costumes
locais eram seguidos. Ele era um empresário internacional, pura e simplesmente.
Que seu pai pensasse que ele se prostituía rumo ao seu primeiro milhão. Alfonso sabia que não
era verdade. E não dava a mínima para tentar convencer ninguém mais.
– Então… Por quanto você foi arrematado? – Camila quis saber.
– Cinco mil.
Ela gritou:
– Dólares?!
– Bem, eles não usam euros em Chicago, irmãzinha. – Ele riu, considerando que a surpresa
dela não fora por o preço ter sido alto, mas por ter sido baixo.
– Você está perdendo seu charme. Decerto ela não sabia que disputava o sr. Misterioso
Internacional.
– Sim, sou eu, James Bond. – O sorriso de Alfonso se alargou quando ele se lembrou da primeira
conversa com Anahí .
– Eu estava pensando mais em Austin Powers. – A risada de Camila não teve nenhuma
maldade, só um pouco de provocação de irmã caçula. E talvez uma pitada de curiosidade.
Camila não sabia muito sobre a vida de Alfonso , e era assim que ele queria que fosse.
Felizmente, o pai deles não parecia perceber que Alfonso desejava proteger Camila da verdade.
Esse seria o tipo de chantagem que poderia ter funcionado. Por isso Alfonso cuidava para que os
telefonemas para Camila fossem frequentes, com troca amigável de mensagens e alguns
encontros ocasionais fora da cidade, longe dos olhos do pai.
– Como está sua mãe? – perguntou ele, mudando de assunto.
– Rica, infeliz e bebendo martínis ao meio-dia. E a sua?
– Pobre, feliz, limpa e sóbria. – Finalmente.
– Isso soa bem. Dinheiro não compra felicidade.
Conhecendo o gosto da irmã por grifes, ele deu risada.
– Não, mas você não duraria um dia sem seu cartão ilimitado.
Nem a madrasta de Alfonso . Ao passo que sua mãe, que outrora se permitira ser subornada para
ignorar a existência de seu único filho por causa de suas escolhas e estilo de vida ruins, agora não
aceitaria nem um centavo oferecido por ele, e estava perfeitamente feliz na sua vidinha de artista
morta de fome em San Francisco.
Havia uma lição nisso.
Após conversar por mais alguns minutos, Alfonso se despediu da irmã e desligou. Ao consultar o
relógio, enviou um agradecimento mental a Camila pelo telefonema. Pelo menos ela o distraíra
um pouco.
Mas como ele iria preencher o restante do dia, aguardando para ver Anahí outra vez? O dia
anterior fora agitado com reuniões profissionais… apenas assuntos financeiros, nenhum tipo de
negociação social. Embora ele pudesse ter encontrado diversas mulheres ávidas por sua
companhia nessa viagem, a única que lhe interessava encontrar era a loira sensual que o
comprara para o fim de semana. A única que ele não iria ver pelas próximas horas.