– Era ele, certo? Droga, não tive como dar uma boa olhada…
Apressando-se para recolher os poucos brinquedos restantes espalhados na sala, Anahí
assentiu.
– Sim, era.
– O que ele queria? – Parecendo feroz, a amiga afirmou: – É melhor que aquele cara não
tenha um resgate para fazer, não na noite anterior à suposta viagem de vocês!
Feroz, impetuosa e extravagante. Isso descrevia Maite.
– Não, não tem. Alfonso só quer conversar e ter certeza de que nossa história vai estar
sincronizada.
– Esperto. – Maite sorriu. – Você pode querer transar com ele também, só para se certificar de
que estão bem confortáveis um com o outro. Ou pelo menos beijá-lo, porque, imagino, você não
vai querer ser surpreendida com náuseas ou coisa assim se o camarada beijar mal.
Anahí não havia contado a Maite sobre seus dois encontros com Alfonso . Embora costumasse
contar tudo à amiga, aquela coisa toda era simplesmente recente demais, particular demais, para
ser compartilhada com amigas.
– Transar com ele está fora de questão – disse ela. Pelo menos até domingo. – E Alfonso não beija
mal, de jeito nenhum.
Foi só então, quando ouviu uma tosse masculina abafada atrás de si, que Anahí percebeu que
elas não estavam mais a sós. Lançando um olhar para Maite que prometia punição extrema,
Anahí se virou bem devagar e deparou com Alfonso parado do lado de dentro, à soleira. Decerto ele
ouvira cada palavra que ela dissera.
Infelizmente as mesas da Baby Daze eram muito menores que as do hotel. Então não havia
jeito de se enfiar embaixo delas para fugir da humilhação daquele momento.
– A porta estava destrancada – explicou Alfonso , os olhos brilhando.
Sim, sem dúvida, ele ouvira.
– Tudo bem, nós já estamos acabando – disse Maite ao caminhar em direção a ele, estendendo
a mão. – Sou Maite. Eu estava no leilão também. Por isso sei quem você é, o que significa…
hum… se você tentar qualquer coisa desagradável, vou colocar a polícia em seus calcanhares
como um caçador soltando seus cães.
– Vá embora, Maite – grunhiu Anahí , sem sequer dirigir um olhar à amiga.
– Bem, então, agora que você foi avisado, foi um prazer conhecê-lo. – Maite abriu um sorriso
imenso para Alfonso , como se não tivesse acabado de ameaçá-lo com lesão corporal. Antes de sair,
entretanto, voltou-se para Anahí . – Você estava certa. O brinco é bem sexy. – E seguiu porta
afora.
Anahí a seguiu, evitando o momento em que teria que encarar Alfonso e ver o sorriso estampado
em suas feições. Trancando a porta, ela apagou as luzes principais, que escureceram o letreiro lá
fora, assim como as lâmpadas fluorescentes do teto. Por fim, quando não tinha mais motivos
para procrastinar, virou-se para encarar a situação.
A imensa sala de brinquedos na qual se encontravam estava praticamente mergulhada na
escuridão, permanecendo mal iluminada pelas luzes que vinham do escritório e da cozinha. Não
estando mais reluzente e acolhedor, o cômodo se tornou uma caverna disforme de sombras,
cortada aqui e ali pelo amarelo intenso da casa de bonecas ou pelas bolas de plástico coloridas
empilhadas na imensa piscina de bolinhas, onde as crianças adoravam brincar.
– Quer dizer que eu não beijo mal, é? – Ele se aproximou.
Chegou perto o suficiente para Anahí sentir seu calor, embora não tivesse conseguido enxergálo
quando os olhos se adapMaitem à mudança na iluminação.
– Estou aliviado por saber que não lhe causo ânsia de vômito.
Baixando a cabeça, Anahí suspirou e cerrou as pálpebras.
Alfonso lhe tocou o queixo, roçando os dedos na pele como se estivesse saboreando a maciez,
então ergueu a cabeça dela e murmurou:
– Mas por que, se é que posso perguntar, “transar comigo” está fora de questão?
– Não era para você ter ouvido isso.
– A pergunta permanece.
– Terceiro encontro, lembra? Somos quase desconhecidos.
Era verdade, mas ela precisava ser honesta consigo. Já tinha certeza de que conhecia o caráter
dele muito bem… e o desejava com um desespero que a fazia queimar até o âmago.
– Estou firme à promessa do terceiro encontro, Anahí . E vim aqui para sanar o problema de
sermos estranhos. Mesmo que você não seja capaz de discutir sobre isso por muito tempo mais…
Discutir? Ela estava discutindo? Não, ela apenas erguia algumas defesas mínimas, sabendo
que, se não o fizesse, estaria se jogando nos braços dele, implorando para que Alfonso a conhecesse
do jeito mais elementar possível.
Havia suco e biscoitos na cozinha da creche. Será que isso contava como um encontro?
Como se sabendo o quanto podia pressioná-la, como manter os sentidos de Anahí aguçados e a
guarda baixa, Alfonso recuou e olhou ao redor.
– Pronta para nossa conversinha?
– Aqui? – Anahí se espantou por ele ter se afastado sem beijá-la, e se perguntou se Alfonso seria
capaz de ler sua decepção.
– Eu saberia algo sobre seu trabalho, não é?
O Sebastian verdadeiro não sabia nada sobre o trabalho de Anahí , além do fato de que a creche
era um ótimo lugar para paquerar uma mulher solteira. E que, talvez, se ele tivesse sorte, poderia
fazer sexo com a proprietária e conseguir um desconto para seu filho.
Não que Anahí fosse contar isso a Alfonso .
– Então você é dona deste lugar?
– Sim. Na verdade, sou dona do prédio, mas tenho um arrendamento de longo prazo que me
permitiu fazer todas as reformas de renovação.
– E sem dúvida é bem-sucedida.
– Acho que sim. Sem dúvida mais do que qualquer pessoa esperou que eu fosse.
– O que se esperava de você? – Caminhando pela sala enquanto aguardava pela resposta, Alfonso
examinava os desenhos infantis, feitos com giz de cera, pendurados na parede ao lado de pinturas
coloridas retratando contos de fadas emolduradas.
– Meus pais tinham certeza de que minha licenciatura em educação infantil me preparava
para ser uma ótima mãe. – Seu tom não poderia ser mais seco nem se Anahí estivesse com a
boca cheia de areia.
– Eles não faziam ideia de que você ia embora?
Frustrada, Anahí correu os dedos pelo cabelo loiro a fim de ajeitá-lo.
– É claro que sabiam. Durante anos eu lhes disse que planejava partir, ver o mundo, morar
sozinha.
– Eles simplesmente não acreditaram.
– Pois é. Porque eles também sabem que eu de fato desejo as coisas que eles querem para
mim: casamento, família. Só não quero que seja sob as condições deles.
Alfonso enrijeceu um pouco, como qualquer solteiro determinado faria ao ser confrontado com
palavras apavorantes como casamento e família.
Anahí não se ofendeu. Desde o momento em que conheceu Alfonso Herrera, não teve ilusões
sobre o tipo de homem que estava levando para casa para conhecer seus familiares… um
homem do mundo que não se encaixava na sua vida de jeito nenhum. Pelo menos não em longo
prazo.
Mas nesse fim de semana, especialmente depois do terceiro encontro, todas as apostas
estariam suspensas.
– Familiares parecem sempre querer as coisas do jeito deles – admitiu Alfonso , quase num
sussurro, como se a penumbra do ambiente indicasse a necessidade de quietude.
Percebendo que não havia nenhuma cadeira de tamanho normal ali para sentar-se, apenas
cadeirinhas de plástico que jamais suportariam seu peso, Anahí disse:
– Preciso trancar meu escritório. Por que não vamos conversar lá?
Alfonso a seguiu, sentando-se no assento que ela apontou, do outro lado da mesa dela. Era boa
para um visitante normal: um pai ou mãe preocupado conhecendo o lugar, um candidato a um
emprego na creche. Porém, não era nem de longe adequada para o homem imenso e largo que
parecia preencher o cômodo inteiro com sua presença.
Alfonso não vestia jeans e camisa abotoada essa noite, ou um terno de aparência ridiculamente
cara como aquele que ele usara no jantar. Em vez disso, opMaite por calça sob medida e uma
blusa cinza justa de manga curta, com o corte de uma blusa normal, porém feita de um tecido
cintilante que informava que ela não havia saído de uma sacola plástica de uma loja barata.
Anahí estava vestindo sua calça cáqui de sempre e uma camisa polo manchada da Baby Daze.
Quem disse que eles não pareciam combinar?
Quem se importa? É apenas por um fim de semana.
– Só de olhar fica óbvio que você transformou isto num grande sucesso – disse ele, enfim,
observando o escritório, notando os certificados e as licenças na parede. – Sua família deve
reconhecer isso.
– Você que pensa.
– Bem, então teremos que convencê-los de que você pelo menos se saiu bem nas suas escolhas
em relação a homens.
Aquilo a fez bufar alto.
Alfonso se recostou na cadeira, esticando as pernas longas, e cruzou os braços.
– Falando nisso, qual é a minha profissão?
– Eu não mencionei para eles.
Alfonso assentiu, pensando no assunto.
– Que tal… mecânico? – Os olhos dele brilharam, e Anahí se lembrou da primeira conversa
entre os dois.
Ela empinou o queixo, num desafio.
– Você conhece uma chave soquete?
– Bem pensado. Hum… Pediatra?
Ela sorriu.
– Eu notei o jeito como você olhou para as crianças.
– Gosto de crianças – protestou ele, soando indignado… mas não muito honesto.
– No espetinho?
A gargalhada dele enviou um formigamento por todo o corpo de Anahí . Ela gostava daquela
risada. E do sorriso dele. E do jeito como aqueles olhos se iluminavam quando Alfonso se divertia.
– Pego no flagra. É assim que se diz? Acho que vi os monstrinhos e logo me perguntei se
precisaria vestir equipamento de proteção para vir resgatá-la.
Anahí franziu a testa.
– As crianças são adoráveis.
– Elas são pegajosas.
– São amáveis – insistiu Anahí .
– São barulhentas.
– São leais.
– São baixinhas.
– Ah, tudo bem… – Anahí sorriu, para acompanhar a guerrinha ridícula de superioridade. –
Elas são todas as opções acima. Mas eu as amo de qualquer forma.
– Percebi isso.
Alfonso a analisou intensamente, a expressão quase… afável… se é que isso fazia algum sentido.
Ainda mais considerando o óbvio desinteresse dele por crianças. Então aquele queixo forte se
empinou e Alfonso disse:
– É claro, é o filho dos outros. Não imagino que meus filhos… se eu fosse ter algum um dia,
algo que duvido muito… seriam grudentos, barulhentos ou baixinhos.
Com isso, Anahí se recostou no espaldar e soltou uma gargalhada.
– Você é um pretensioso, não é?
A surpresa fez a mandíbula dele tremer.
– Não sou nada disso.
– Um pouco pretensioso. E mimado.
– Talvez antes tenha sido – admitiu ele. – No entanto não mais.
Os olhares se sustentaram, e Anahí sentiu a intensidade em Alfonso .