Anahí JÁ vira conversíveis elegantes e ridiculamente caros como aquele que Alfonso alugara,
mas nunca andara em um de fato. Por isso jamais ouvira o rugido do motor poderoso, que estava
mais para um ronco suave vindo do interior. Nem tinha percebido que o poder do motor parecia
tangível, como se o veículo fosse uma criatura viva arreada e impaciente para sair.
– Deus do céu, este carro é sexy ! – disse ela surpresa com o quanto era bom ficar apenas de
carona, observando os quilômetros passarem enquanto os pneus largos deslizavam sobre o asfalto
fumegante abaixo.
– É ótimo de se dirigir também – Alfonso falava alto o suficiente para se fazer ouvir acima do
vento e da música. – Talvez você possa assumir o volante depois.
Sem chance. Com sua sorte, ela terminaria em um barranco e acabaria tendo que vender um
rim para pagar parte dos danos.
– Tudo bem, estou bem aqui. – Anahí se acomodou melhor no banco de couro macio.
Em geral a viagem de duas horas e meia para casa parecia interminável e tediosa. Cada
quilômetro que se arrastava sob os pneus de sua minivan a deixava de mau humor.
Embora Anahí adorasse a família e amasse ir vê-la nos feriados, sempre havia a conversa
inevitável, a qual ela daria qualquer coisa para evitar. Aquela em que todos a encurralavam e
exigiam que finalmente admitisse que estava solitária e infeliz morando na cidade grande, longe
de todos.
O fato de Anahí nunca se sentir assim, e de aquilo não ser verdade, não impedia que ficassem
repetindo o refrão durante pelo menos uma reunião familiar em todas as ocasiões.
Aquela viagem, no entanto, estava moldada para ser totalmente diferente. Talvez pelo homem
ao seu lado, cuja presença iria proporcionar alguma barreira física e também, Anahí tinha
esperanças, fazer o clã parar de atormentá-la, ainda que um pouquinho.
Ou talvez fosse apenas o puro prazer de andar sob o céu verdes reluzente com o vento soprando
em seu cabelo e o rock pesado saltando dos alto-falantes.
Era… libertador. Eis uma boa palavra para descrever. Anahí se sentia livre das expectativas da
família, do estresse do trabalho, do seu histórico romântico horroroso.
Livre apenas para aproveitar o vento no rosto e a presença forte e sólida do homem ao lado. E,
ao passo que Anahí gostaria muito de se sentir livre o suficiente para pedir a Alfonso para encostar e
fazer amor com ela sob o céu vívido de verão, sabia que eles não tinham tempo. Não para o tipo
de amor que ela queria fazer com ele agora.
A última noite fora intensa, rápida e frenética. Totalmente enlouquecedora.
E hoje? E se ela desse um jeito e pudesse de fato fazê-lo parar em uma estrada rural isolada?
Anahí iria querer horas e horas de prazer profundo e sensual sob os raios quentes e entorpecentes
do sol.
Anahí se remexeu no assento, ainda macio. Estava muito ciente do domínio dele na noite
anterior, e queria tão mais que mal conseguia tolerar a espera.
– Obrigada por dirigir – disse Anahí necessitando pensar em outra coisa. Falava alto para ser
ouvida por sobre o motor, a música e o vento. – Embora eu considere este veículo caro o
suficiente para colocar aquelas ideias de cafetão ou traficante na cabeça de uma pessoa normal.
– Bem, vou me certificar de que eles saibam que é alugado.
Como se soubesse que Anahí lhe agradecia por mais aquele gesto, Alfonso esticou o braço para
segurar-lhe a mão, apertando-a de leve.
– Seria ótimo simplesmente continuar seguindo para o oeste até chegarmos ao oceano
Pacífico. – Ele arqueou as sobrancelhas. – Ou encostar e fazer um bom e longo… piquenique. –
Balançando a cabeça, acrescentou: – Mas estamos quase chegando.
Como, Anahí se perguntava, Alfonso conseguia ser tão intuitivo, sabendo que não havia nada que
ela adoraria mais do que continuar a viagem, para ver algo novo, o imenso e lindo oceano, e
ignorar todo o calvário com seus familiares? Por que Alfonso parecia conhecê-la tão bem depois de
alguns poucos dias, quando a própria família mal a conhecia depois de 27 anos?
E alguém já a conheceu? Sério, será que houve uma única pessoa capaz de compreendê-la
completamente? Não apenas seus objetivos, mas seus sonhos mais profundos, seus conflitos, o
jeito como ficava dividida entre querer buscar novas experiências e ainda assim manter o calor e
a felicidade em família? A ousadia de ver o mundo… e a estabilidade de um lar e de uma vida
repleta de amor e acolhimento?
Anahí achava que não. Nunca.
Alfonso soltou-lhe a mão, precisando reduzir a marcha, e a distraiu de seus pensamentos
melancólicos.
– Como está o garoto aí atrás?
Anahí olhou para o banco de trás. Wally, que costumava ficar muito irritado na van, estava
muito comportado, esparramado na caixinha de transporte; se não dormia, passava uma boa
impressão de estar adormecido. Embora abrigado da maior parte do vento, ele parecia gostar de
senti-lo despenteando os pelos de sua barriga, porque se mostrava completamente feliz.
Anahí ainda não conseguia compreender como o gato ultramimado se dera bem com Alfonso de
imediato. Wally adorava o toque de Alfonso tanto quanto Anahí .
Nem pense nisso, ela lembrou a si mesma. Passear ao lado de Alfonso , sentir o calor dele, o
cheiro masculino e almiscarado da sua pele já era o suficiente para distraí-la. Render-se às
lembranças de cada momento delicioso na noite anterior na certa iria fazê-la mandar o tempo às
favas e exigir que ele encostasse o carro.
Ao passarem por uma placa indicando que a saída para Green Springs estava a apenas uns 15
quilômetros adiante, Alfonso desligou o rádio poderoso.
– Acho que um resumão cairia bem.
– O quê?
– Abordamos tantos detalhes ontem à noite… talvez você devesse me testar. Embora, é claro,
não haja dúvidas de que eu me lembro do que você usa para dormir. – Então, com um tom
satisfeito na voz, acrescentou: – Ou que sei exatamente onde fica o verdadeiro lugar onde você
sente cócegas.
Ai, céus. Anahí se remexeu no banco, de repente sentindo muito mais calor do que sentira um
instante antes, sob os raios diretos do sol.
– Mas não creio que ninguém vá perguntar essas coisas.
– Pode apostar que não. – Feliz pela oportunidade de se concentrar na chegada deles, e não no
quanto queria que Alfonso parasse e fizesse todas as coisas que não tinha feito na véspera, Anahí
pensou nas questões mais cruciais.
Aquelas nas quais um homem que estava namorando fazia alguns meses com certeza saberia.
– Como se chamam os seus irmãos?
– Christopher é o mais velho, e é noivo de Becca. Depois vem Steve, que é um ano mais velho que
você e é o conquistador da família. – Alfonso passou rápido pelos detalhes; obviamente aprendia
depressa. – Randy é o caçula, e está interessado em se juntar à força aérea, embora não tenha
desenvolvido coragem tão grande como a sua para contar isso aos pais.
Ela bufou, tomando aquilo como elogio.
– Certo. Mas não diga uma palavra sobre isso.
– Nem sonhando. – Ele semicerrou os olhos, concentrando-se. – Hum… o que mais? Ah!
Randy tem quase 21 anos. Isso é fácil de lembrar, pois é a mesma idade da minha irmã.
Era a primeira vez que ele mencionava um membro da família além dos pais, e o sorriso
carinhoso indicava um relacionamento próximo.
– Irmã? Onde ela mora?
– Na Irlanda.
– Você a vê com frequência?
– Quase nunca. Camila e eu costumamos manter contato por telefone e e-mail. – Alfonso se calou
por um instante; então, como se tivesse pesado suas opções e concluído que poderia confiar em
Anahí contando mais sobre si, continuou: – Tive uma briga com meu pai há muitos anos e não
voltei para casa desde então.
– Entendo.
– Não, provavelmente não entende. Dá para perceber na sua voz, quando você fala de seus
familiares, que os adora, muito embora eles a enlouqueçam.
– Isso quando não quero jogar todos num rio.
Ele achou graça.
– Ainda detecto carinho genuíno aí.
– Mas não tem nenhum carinho na sua família?
Alfonso tirou o cabelo negro e sedoso do rosto… o vento havia soltado o rabo de cavalo. Ai, Deus,
será que o pai dela iria fazer algum comentário sobre isso, e sobre o brinquinho dourado
brilhando no lóbulo da orelha?– Eu amo meu pai – admitiu Alfonso soando como se fosse doloroso
dizer aquilo em alto e bom som. – No entanto, na minha família, o carinho tem um preço. Se
você pagar, fica tudo bem. Se não…
– É por isso que você mantém contato com sua irmã apenas por telefone e e-mail?
– É mais ou menos por aí. Embora sempre que ela tem uma viagem marcada para fora da
Irlanda eu tente marcar alguma reunião de trabalho para encontrá-la. – Uma risada perversa
escapou dos lábios dele. – Mostrei a Camila os lugares badalados de Praga quando ela estava com
17 anos, e o Red Light District em Amsterdã um ano depois.
Anahí meneou a cabeça, sendo capaz de imaginar a cena.
– Tentando corrompê-la internacionalmente?
– Apenas tentando permitir que Camila viva um pouco, já que nosso pai e a mãe dela a
reprimiram bastante por causa das escolhas que eu fiz.
– Que pena…
Embora Alfonso não tivesse franzido a testa nem se mostrado arrependido por ter revelado a
Anahí as coisas que contou, ele logo retornou ao assunto à mão:
– O relacionamento com seus irmãos é assim?
– Eles não seriam capazes de encontrar Praga em um mapa – murmurou Anahí , então
suspirou diante do próprio tom. – Desculpe. Isso foi maldoso. Eles são rapazes muito bons. Steve e
eu éramos como gêmeos na infância. Praticamente inseparáveis.
– Mas?
Ela deu de ombros.
– Mas eles nunca saíram de casa. Nunca quiseram. Nunca vão querer. Randy pretende se
alistar porque é jovem e patriota… No entanto, se o fizer, garanto que voltará para cá e ficará até
o fim dos seus dias.
– Ao passo que você mal podia esperar para viver sua vida quase em qualquer outro lugar.
– Isso mesmo. Eu tinha pôsteres de cidades estrangeiras nas paredes do meu quarto, mapas,
brochuras do Corpo da Paz, até mesmo o segmento militar deles. Qualquer coisa que pudesse me
levar para um lugar bem longe e diferente.
Alfonso ergueu as sobrancelhas e então se virou para lhe dar uma olhadinha breve e surpresa.
– Corpo da Paz? Certo. Mas o segmento militar? – Balançando a cabeça diante de tal
possibilidade, Alfonso nem mesmo precisou dizer o que pensava.
Não que ele estivesse errado.
– Ei, eu só estava enxergando sob todos os ângulos. – Lembrando-se do alvoroço que
acompanhara a chegada de um envelope do exército com o nome dela na época da escola,
Anahí revirou os olhos. – Mas não levei o plano a sério. Meu pai disse que me trancaria no porão
se eu ao menos cogitasse me alistar.
Alfonso deu risada.
– Minha mãe foi pior. Ela afirmou que eu estaria colocando as vidas de meus irmãos em risco
porque todos eles teriam que se alistar também, para me manter em segurança, incluindo Randy ,
que tinha 11 anos naquela época.
Céus, a mãe dela era boa em conseguir que tudo fosse feito do seu jeito. Pelo menos, tinha sido
boa. Não mais. Anahí provara o gostinho da liberdade e nunca desistiria.
– Esse é mais um motivo pelo qual Randy está enrolando para contar a eles que deseja se
alistar agora – acrescentou Anahí .
– Bem, 21 é melhor que 11. – Alfonso sorriu. A risada logo esmoreceu e o tom ficou sério: –
Chicago não é longe o suficiente para você, no entanto, é? Não a longo prazo.
Engraçado Alfonso ter se dado conta disso tão depressa.
– Amo Chicago, e não sou nem um pouco infeliz nessa cidade, onde tenho uma empresa
ótima, muitos amigos e, algum dia com certeza, ficarei satisfeita em sossegar e criar minha
família.
– Mas?
– Mas você pode apostar que estou juntando meus tostões para viajar o mundo antes de esse
dia chegar. – Ela balançou a cabeça e encarou as árvores chicoteando ao longo da estrada. –
Para o restante dos Portilla , Green Springs é o mundo, e é exatamente assim que eles gostam.
– Sonhos diferentes – refletiu ele, a voz tão baixa que Anahí quase não conseguiu ouvir acima
do vento. – Nenhum é melhor. Nenhum é pior. São apenas diferentes.
Sonhos diferentes. Tudo se resumia a isso.
Anahí não respondeu, não precisava. Porque, com aquelas palavras, Alfonso mostrou total
compreensão. O motivo pelo qual Anahí foi embora, por que a família dela se aborrecera com
isso. Por que odiava voltar e lidar com a decepção deles em todas as ocasiões. Até mesmo por
que estava sentado ao lado dela no carro, prestes a ajudá-la a enfrentar o fim de semana com
uma combinação de meias-verdades e pretextos.
Anahí tinha sonhos diferentes… os quais sua família não compreendia.
No entanto, de algum modo, o homem sentado ao lado dela, a quem conhecia havia menos de
uma semana, compreendia.