Alfonso GOSTOU da família de Anahí . De todos. Mas sobretudo da mãe dela.
Ele desconfiava que Anahí fosse ficar daquele jeito dentro de 30 anos. Magra e cheia de
energia, com cabelo curto mais para um loiro-acinzentado, e algumas rugas de expressão ao lado
dos belos olhos azuis.
Embora fosse falante e se preocupasse muito com sua única filha, a sra. Portilla também era
calma e direta sobre o jeito como governava a família. O marido e os filhos podiam até não
perceber, mas a mulher se achava totalmente no comando. A sra. Portilla incitava todos a fazer
exatamente o que ela queria com um simples erguer de sobrancelha ou um gesto com a mão,
fato que Alfonso considerou divertidíssimo, considerando o tamanho dos homens que ela
comandava.
Uma vez ou duas, ela capitou o olhar dele, notando seu divertimento e sorrira de forma travessa
para Alfonso . Como se os dois já compartilhassem um segredo.
Durante as duas horas desde a chegada, a família de Anahí tivera tanto a contar para ela que
Alfonso ficou um tanto de lado, além das cordialidades de sempre. E apreciara muito o desjejum,
do tipo que ele não comia desde seus dias na Irlanda.
Alfonso apostava que Wally, que se acomodara sob a cadeira de Anahí , tinha gostado também. A
julgar pela quantidade de vezes que Anahí lhe dera um pedacinho disso ou daquilo, ele devia
estar no paraíso dos gatos mimados.
Os irmãos mais velhos de Anahí seguiram para as próprias casas depois de comer; sendo
assim, a pressão aliviou. O irmão mais novo era como um filhote de cachorro cheio de energia.
O pai de cabelo grisalho e peito forte permanecera cordial, se não entusiasmado. Manteve um
jornal diante do nariz desde o instante em que finalizara sua refeição, então também não havia
pressão vindo dali. E a mãe de Anahí fora amigável desde o instante em que eles chegaram.
Então Alfonso poderia dizer que as coisas estavam indo muito bem. Na maior parte do tempo.
Era uma família muito boa… mas não completamente acolhedora, ele tinha que admitir.
Porque, em algum momento, todos disseram algo para deixar claro que Anahí pertencia àquele
lugar, com eles, e não a alguma cidade grande; e com nenhuma outra pessoa.
Ele entendeu o recado. Era sua a plaquinha “Nenhuma outra pessoa” em volta do pescoço.
Ainda assim, após dois dos irmãos terem ido embora, o pai se distrair e a mãe tagarelar sobre
a festa que ocorreria à noite, Alfonso começava a baixar a guarda.
Obviamente, cedo demais.
– Bem, Alfonso , onde exatamente você e Anahí se conheceram?
O olhar aguçado da sra. Portilla dizia que estava pronta para entrar em ação. A ação de fritar o
novo namorado.
Deu um branco na mente de Alfonso quando sua anfitriã se dirigiu a ele. Tentando
desesperadamente se lembrar do que eles tinham combinado – site de relacionamentos, encontro
às escuras? –, ele abriu a boca. Mas a resposta foi encurtada quando Anahí se adiantou:
– Nós nos conhecemos em uma festa.
Alfonso assentiu.
– Isso. Uma festa. – Criativo como era, ele embelezou um pouco: – Uma festa de Dia das
Bruxas.
O sr. Portilla espiou por sobre o jornal, a testa meio franzida.
– Pensei que Anahí tivesse dito que vocês estavam namorando fazia uns dois meses apenas.
Que vacilo! Droga!
– Bem, namorando, sim, mas nos conhecemos há mais tempo. – A mentira saiu fácil dos lábios
de Anahí .
Em outra situação, Alfonso acharia desanimador ver alguém inventar mentiras com tanta
facilidade. Em vez disso, porém, ele queria elogiá-la por ser tão astuta. O lampejo de humor nos
olhos de Anahí por causa do segredo que os dois compartilhavam foi inútil para divertir Alfonso .
Ela era boa nessa coisa de subterfúgio. Nenhuma das Bond girls teria conseguido ser mais
criativa.
Alfonso sufocou um suspiro, pensando na coisa de James Bond. Aquela piadinha surgira quase tão
cedo quanto a chegada dele. E de novo pelo menos uma vez por hora desde então.
Por que os americanos não conseguiam notar a diferença entre o sotaque inglês e o irlandês?
– Ser amiga da pessoa que você namora é uma ideia muito sábia – disse a sra. Portilla ,
assentindo em aprovação. – Mais cedo ou mais tarde aquela empolgação cega acaba, e é bom
estar com alguém de quem você realmente goste quando isso acontece.
O jornal sacudiu ligeiramente, e a voz do sr. Portilla emergiu de detrás do papel:
– Empolgação cega… Certo.
A julgar por seus suspiros longos e profundos sempre que o assunto das bodas vinha à tona, viase
que o sr. Portilla não era tão romântico quanto a esposa. Ele parecia do tipo que mantinha a
cabeça baixada e a boca fechada, sem dúvida acostumado a fazer aquilo depois de 35 anos de
casamento com uma mulher tão poderosa.
Agora o sr. Portilla também parecia completamente distraído e alheio à conversa ao redor. Mas
Alfonso não tinha ilusão de que o pai de Anahí prestava atenção cuidadosa à filha e ao novo
namorado dela.
– Alfonso foi tão agradável e encantador que nos demos bem desde o instante em que nos
conhecemos – afirmou Anahí sustentando o olhar da mãe com inocência completa.
Ela não estava mentindo, de jeito algum. Eles tinham se dado bem de cara. Só que havia
acontecido cinco dias atrás, e não há oito meses.
Como vivera em meio às próprias meias-verdades e conhecera os benefícios da discrição,
Alfonso não pensou mal de Anahí . Só porque gostava da família dela até então, isso não significava
que não constatou exatamente as coisas sobre as quais fora advertido, desde o instante em que
seu irmão mais velho bateu-lhe na cabeça.
Eles eram bem unidos, superprotetores no último grau, e embora bem-educados, houve mais
de um cochicho sobre Alfonso ter “roubado” a garotinha deles. Como se ele tivesse algo a ver com
a saída dela de casa… há quanto tempo mesmo? Cinco anos atrás?
Os comentários incessantes sobre amigos, família e vizinhos e a presunção não muito sutil de
que Anahí estaria de volta quando terminasse sua “aventurazinha” começaram a irritar Alfonso
passadas duas horas. Ele simplesmente não conseguia imaginar como era para ela toda vez que
falava com qualquer um deles.
Não, Alfonso não a culpava pelas mentirinhas brancas. Se sua presença ali fosse capaz de pelo
menos alertá-los sobre a possibilidade de Anahí não voltar para casa – não no próximo ano, não
no seguinte nem no próximo século –, então ele estava muito feliz por fazê-lo.
– Como Anahí estava vestida? – perguntou Randy, o irmão caçula, um típico desengonçado de
20 anos, todo braços, pernas e boca, com uma cabeleira loira desgrenhada. Fez uma expressão
de desagrado ao sugerir: – Deixe-me adivinhar… Anahí , a Pequena Órfã? Era assim que eu
costumava chamá-la.
A sra. Portilla estava passando pela mesa para reabastecer um prato de waffles e fez uma pausa
no meio do caminho para dar uma bordoada na cabeça do filho com as costas da mão.
– E o que eu e seu pai seríamos se sua irmã fosse órfã? – Então ela fez o sinal da cruz e
murmurou uma prece antes de voltar ao fogão.
Alfonso não fez esforço algum para disfarçar seu sorriso.
– Na verdade, ela estava linda, Randy – afirmou Alfonso se perguntando se Anahí reconhecia a
malícia em seu tom. – Vestida de coelhinha.
Randy bufou.
– Certo, Anahí , uma coelhinha da Playboy?
Vendo a mãe de Anahí girar com espanto e o sr. Portilla baixar o jornal e franzir a testa, Alfonso
balançou a cabeça rapidamente.
– Céus, não! Anahí usava uma fantasia cor-de-rosa, grandona e peluda, com orelhas caídas e
bigodes pintados. – Ele piscou para ela. – Tão adorável…
O olhar dela prometia vingança. As palavras confirmaram:
– Ah, sim, e Alfonso se fantasiou de Fred Flinstone. Parecia bem machão como homem das
cavernas. Vocês não percebem a semelhança?
Homem das cavernas? Deus me livre! Mas era justo. Ele não podia esperar que ela o
descrevesse como um Zorro sensual ou um pirata perverso depois de ele pintar uma imagem tão
vívída de Anahí pulando para lá e para cá como o coelhinho da Páscoa.
– Isso soa bem másculo. – A sra. Portilla esboçou um sorriso quando retornou à mesa,
carregando um bule de café fresco. – Tem certeza de que não vai querer um pouco, Alfonso ?
– Alfonso bebe chá, mãe.
Boa memória.
– Mas Anahí bebe café o suficiente por nós dois. – Ele riu e lhe lançou um olhar íntimo. – É
preciso bastante para ela funcionar de manhã.
Anahí arregalou os olhos. Ele recuou na hora.
– Se eu telefonar para ela antes de Anahí ter bebido a segunda xícara do dia… É como se eu
estivesse falando com uma sonâmbula.
– Boa – murmurou Anahí quando a mãe se virou para pegar o açucareiro.
Quando a sra. Portilla voltou, colocando uma colher cheia de açúcar em sua xícara, comentou,
casualmente:
– Sabe, Anahí , tem algo que ando querendo perguntar.
Seu tom desinteressado não enganava Alfonso nem um pouco. Ele se preparou para o que quer
que estivesse vindo em sua direção, já percebendo que a sra. Portilla era muito mais intuitiva que
qualquer um do membros masculinos da família.
– Tenho certeza de que você havia dito que o nome de seu namorado era outro quando o
mencionou ao telefone.
Ao lado dele, Anahí enrijeceu na cadeira. Alfonso esticou o braço e pôs a mão na perna nua dela,
o toque íntimo escondido das vistas pela toalha de mesa. Essa era com ele.
– Temos apelidos bonitinhos um para o outro. – Alfonso meneou a cabeça. – Talvez seja disso que
você se lembra.
A mãe dela não pareceu convencida.
– Qual é o de Anahí ? – Randy quis saber.
Anahí baixou a mão para cobrir a mão de Alfonso em sua perna, apertando-a. O olhar repentino
dela prometia vingança extra. Alfonso sentia que se dissesse à família que a chamava de Coelhinha
ou Orelhinha – que, por mais enjoativos que soassem, faziam sentido, considerando as
circunstâncias como eles supostamente se conheceram –, ela o coroaria com um prato de
presunto congelado.
E se ele a chamasse de Rabinho de Algodão, seria o pai dela a coroá-lo.
– Eu a chamo céadsearc – murmurou ele. Querendo reassegurar a Anahí que estava tudo
bem, não resistiu e levou a mão dela à boca, beijando seus dedos. – Significa “amor”, “querida”.
O sr. Portilla se escondeu detrás do jornal outra vez. O irmão de 20 anos riu com típico desdém
juvenil reservado a qualquer coisa que tivesse o menor traço de pieguice.
Mas a mãe? Ela olhou para as mãos entrelaçadas, obviamente notando o olhar grato e caloroso
de Anahí , e o olhar carinhoso que Alfonso não conseguia conter.
– Que adorável…
E, ao ouvir o comentário da sra. Portilla , Alfonso soube que conquistava a pessoa mais importante
da casa.
Ele baixou a mão para o tampo da mesa, mantendo os dedos enredados nos de Anahí .
– Ela é.
A sra. Portilla sorriu-lhe, assentindo de leve. Em seguida, desviou o olhar. Antes, porém, Alfonso
juraria ter visto umidade em seus olhos. No entanto, tinha que estar enganado. As mães não
queriam que suas filhas encontrassem um homem que realmente se importassem com elas?
Talvez. Mas, nesse caso, com uma mãe que desejava que a filha desistisse de seus sonhos e
voltasse para casa… talvez não.
– E então, feiosa, qual é o seu para ele?
Anahí torceu o nariz para o irmão caçula.
– É Jaque.
– Jaque?!
– Sim. Já que você não tem nada a ver com isso, caia fora e vá fazer algumas flexões ou coisa
assim, antes que sobrecarregue seu cérebro com toda essa conversa de adultos.
– Não posso. Tenho que me arrumar para o jogo.
Alfonso sentiu Anahí enrijecer, mesmo antes de dizer qualquer coisa. Ele ergueu suas defesas
imediatamente.
– Não, Randy .
– Ah, sim, Anahí , é sábado.
Ela se virou para encarar o irmão.
– Randy , temos ocupações suficientes com os preparativos da festa desta noite.
– Não é necessário, querida. – A sra. Portilla serviu-se de mais um waffle, então colocou outro
no prato do sr. Portilla .
Ele nem mesmo largou o jornal, meramente pegou a calda sem prestar atenção, encharcou o
waffle e cortou um pedaço usando a lateral do garfo.
– Está tudo pronto. Você e Alfonso podem aproveitar, tranquilos.
– Não poderemos aproveitar se os três patetas causarem uma concussão em Alfonso .
– Hum… – Alfonso arqueou uma sobrancelha. – Do que exatamente estamos falando aqui?
– Do jogo. – Randy se esticou por sobre a mesa, pegou uma boa quantidade de bacon e se
levantou. – Todo sábado, às 15h, depois da ordenha e das entregas, quem estiver por aqui se
encontra no campinho lá atrás para jogar futebol americano. Fazemos isso todos os verões. –
Enfiou comida na boca e falou assim mesmo: – É divertido.
– É violento – retrucou Anahí . – Quantas viagens sabáticas esta família precisa fazer ao
hospital para essa tradição idiota acabar?
O pai sussurrou:
– Não vou pagar mais contas do dentista, rapazinho. Se você perder mais algum dente, irá
mastigar sua comida com dentadura bem antes dos 90 anos.
Deus do céu, perder um dente em um jogo doméstico amigável em uma tarde de sábado? Não
era surpresa alguma que os irmãos mais velhos de Anahí tivessem ido embora. Foram para casa
vestir suas armaduras e colocar seus capacetes para bater na cabeça dele, em vez de usar apenas
as costas das mãos.
– Todo mundo está esperando que você jogue – disse Randy, ignorando a irmã e o pai. – Você
sabe jogar, certo? Quero dizer, eu sei que não se joga futebol americano na Inglaterra. Ei, lá o
futebol é outra coisa, certo? O que é idiota; por que não chamam de outra coisa, já que existe o
nosso futebol?
Com a cabeça doendo um pouco por causa da lógica confusa do rapazinho, Alfonso começou
pelo básico:
– Sou irlandês – explicou ele. De novo. – E só posso especular que faz sentido que um jogo que
envolva seu pé e uma bola tenha o nome futebol, visto que o futebol nasceu na Inglaterra, e “pé”
em inglês é “foot”, e bola é “ball”. Football. Futebol. Ao contrário desse futebol americano que
vocês jogam, que envolve principalmente passar, lançar e carregar a bola com as mãos, e que
tem todas essas almofadas de proteção e tempo limite constante.
Anahí bufou, e Alfonso jurou ter ouvido uma risadinha vinda de trás do jornal.
Randy nem mesmo pareceu notar que sua lógica estava sendo questionada.
– Mas você sabe jogar? Ou só jogar a versão inglesa para mariquinhas?
Alfonso não devia ter permitido que um moleque de 20 anos conseguisse irritá-lo. Mas seu espírito
competitivo estava crescendo.
– Você já ouviu falar em rúgbi?
Randy semicerrou os olhos.
– É aquele jogo no qual os caras fazem um círculo e se abraçam para decidir quem fica com
a bola?
Alfonso vociferou uma risada, lembrando-se das muitas lesões, contusões e fraturas que sofrera
na época da faculdade.
– Sim, esse mesmo.
– Você não precisa fazer isso – murmurou Anahí .
– Vai ser divertido – afirmou Alfonso . Vendo um brilho de preocupação no rosto dela,
acrescentou logo: – Vou ficar bem.
A reação dela o surpreendeu completamente. Inclinando-se para mais perto, Anahí sussurrou:
– Não é com você que estou preocupada. Você me disse que deixou muitos homens
inconscientes no campo, lembra? Se causar uma concussão em um de meus irmãos, acabará
dormindo no celeiro esta noite.
Nenhum dos dois percebera que os demais haviam escutado. Não até uma daquelas risadinhas
secas emergir de detrás do jornal. E o sr. Portilla , que parecia não ter muito apreço pela tradição
das tardes de sábado, falou:
– Aposto 20 pratas no irlandês.