Fanfics Brasil - O Confronto Coração de Ágata

Fanfic: Coração de Ágata | Tema: Segredos


Capítulo: O Confronto

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  A casa de Laurinda tinha a faixada num cor-de-rosa desbotado, de paredes muito limpas e cômodos bem cuidados. Na sala, um antigo conjunto de sofás, de madeira tão velha quanto a dona, mas resistentes e lustrosos. Ao lado, encostada num canto, ficava uma pequena mesinha, coberta por uma toalha grossa, de renda, onde descansavam alguns porta-retratos e bibelôs, além de um vasinho de cerâmica com margaridas, tão singelo, que parecia concentrar em si toda a beleza do local.


  Ela morava tão distante, numa das vielas mais afastadas da cidade, de estrada de terra, que era quase impossível alguém recordar-se da sua existência. Não tinha mais ninguém, assim como não era ninguém para o mundo. Terminada toda a explicação, levantou-se, muito cortês, e foi na pequena cozinha, de teto baixo e ar abafado, preparar um chá. Chá apenas, pois não tinha nenhuma mistura para acompanhar.


  Quando voltou, com a bandeja de xícaras cirandadas em torno do bule fumegante nos braços, já não encontrou mais os inusitados conviados. Haviam saído, sem ao menos se despedir.


  Camila subiu a rua em passos rápidos, contra o vento que balançava seus cabelos e fazia vibrar seu vestido. Ia certeira, implacável, irredutível, como uma bala. Ia sisuda, de lábios fechados, os dentes tão apertados na boca a ponto de doer. O sol lambia seu rosto num beijo luminoso e morno de cair de tarde. Quem entrasse em sua cabeça naquele momento só encontraria pensamentos desconexos que alternavam entre mil possibilidades. Renato a seguia á distância, temeroso do que estava por vir.


  Ela chegou em casa fervendo de ódio, abriu a porta batendo-a com toda a força e embrenhou-se pelos quartos gritando pelo pai. Um vizinho, que tinha se assustado com todo aquele escândalo gritou, do outro lado do muro:


  - Ele foi para a gazeta!


  - Na gazeta, não é? Pois bem!


  Lá foi aquele furacão em forma de mulher chispando como um raio em direção ao local indicado. Subiu as escadarias do prédio tão rapidamente, que por um triz não tropeçou e rolou abaixo. Com a mesma fúria transbordante adentrou no recinto, fazendo voar os papéis que deitavam sobre a mesa, levando ao chão canetas, mata-borrões e o que mais havia.


  - Mas o que é isso? - Zé Finório levantou-se da cadeira, já com a ação instintiva de tirar as cintas para dar uma boa "lição" em quem estivesse fazendo aquilo. - Camila?


  - Guarde o seu espanto para o que eu vou falar agora, Lourenço. Nunca mais ousarei te chamar de pai, e quanto menos olhar na tua cara daqui por diante, melhor.


  - O que aconteceu, menina?


  Era incrível. Talvez pela primeira vez o homem estivesse recuando num confronto. Ele estava tão acostumado em pisar em todos sem ser pisado por ninguém, que agora, quando encontrou um adversário mais forte e decidido, ficou sem saber o que fazer.


  - Safado! Canalha! Enganou minha mãe até a morte, me enganou esses anos todos!


  - Do que você está falando?


  - De DorsoTorto!


  As pernas de José tremeram de tal modo, que ele só não caiu por que se apoiou na mesa.


  - Como?... Quando?...


  Ele começou a apalpar o casaco (o mesmo que estava usando naquele dia do confronto musical), e encontrou o bolso interno vazio. A certidão escondida lá desaparecera!


  - Ah, sua filha da...


  - Termine! Vamos, termine essa frase agora, aí eu digo que você é macho!


  - Saia daqui agora. Me espere em casa. Vamos, agora! É uma ordem!!!


  - Quero ver o que você faz se eu não sair.


  - Eu já disse, é uma ORDEM!


  - EU - NÃO - VOU!!!


  Veio o tapa, das mãos pesadas do velho. Ressoou, retumbante, para quem quisesse ouvir. Quente e profunda marca na cara e na alma de Camila.


  A resposta da moça não poderia ter sido melhor. Não veio em forma de palavra, mas de gesto. Uma bela cuspida, de jato tão espesso e abundante, que se configurou no banho mais inesquecível da vida de Zé Finório, empapando-o completamente.


  E a chave de ouro foi dada quando ela se aproximou de seu ouvido, dizendo, numa voz tão doce quanto diabólica.


  - Seu bosta!


  Renato não tinha a mínima vontade de acompanhar o desenrolar da cena. Esperava do lado de fora, as unhas já em carne viva de tanto serem roídas em aflição. De repente, ela saiu, mais austera do que nunca.


  - Aonde vai?


  - Fazer as minhas malas. Vou embora com meu amor para nunca mais por os pés nessa porcaria de Tambirema!


  - Amor?...


  - Se te interessa, Renato, eu tenho um caso com DorsoTorto. Sim, o meu meio-irmão. Tenebroso não é? O destino me pregou uma peça enorme.


  Incrivelmente, ele se recuperou logo daquela revelação, e enquanto a seguia, perguntou.


  - O que você vai fazer?


  - Vou levá-lo para Recife. Ensiná-lo, educá-lo, até mesmo adestrá-lo, se você preferir assim. E vamos viver juntos, apenas como dois bons irmãos, como se nada tivesse acontecido.


  Chegou em seu quarto soltando fogo pelos olhos, tirou a mala que já empoeirara em cima do guarda-roupa e nela jogou todas as vestes que tinha, sem nem tirá-las do cabide. Fez tudo tão rápido, que em menos de quinze minutos já estava pronta para partir. Tinha tempo de pegar o último ônibus. Foi até o cemitério.


  O aziago estava, como costumeiramente fazia, se que ninguém soubesse, chorando no túmulo do Padre Haniel. Sempre que derramava suas lágrimas na sepultura dele, tinha a visão do bom senhor, que lhe aparecia como fantasma e he passava uma sensação de paz e conforto tão grande, que ele por um minuto esquecia toda a tristeza de sua vida. O espírito rezava fervorosamente para o aleijado, e depois desaparecia no ar, como uma fumaça. Naquele dia, quando a visão terminou, Dorso se recolheu na edícula em que residia, e dormiu.


  Finório fora informado dos planos de sua filha por um de seus capachos que escutara a conversa, e teve uma ideia para por um ponto final, marcado a sangue, naquela historia toda. Pegou um atalho pela mata, e chegou na necrópole antes da jovem. Começou a gritar pelo corcunda, fazendo barulho para chamar-lhe a atenção.


  DorsoTorto despertou de sobressalto, e decidiu ir ver quem estava fazendo tanta baderna. Correu pelas sepulturas no seu desajeitado passo símio, apoiando-se nas mãos, balançando o corpo arqueado e disforme. Quando encontrou Zé, este sacou de trás do paletó uma arma e, sem piedade nenhuma, fez mira para sua cabeça.


  Dali a pouco, um bando de corvos cipresteiros revoava atordoado, pêgo de surpresa pelo barulho de um tiro.



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Autor(a): jorge_terrano

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  Renato olhava repetidamente para o calendário, e fazia contas nos dedos. Errava, começava tudo de novo. Juca Pereira, percebendo aquela aflição, indagou:   - O que há, filho? Parece até que vai tirar o pai... Que vai me tirar da forca!   Dizendo isso, deu uma gostosa risada. O rapaz, porém, esboçou ap ...


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