Fanfic: Coração de Ágata | Tema: Segredos

  Lá longe, no alto da estrada, apontava Zé Finório, carregando, aturdidamente, um maço de papéis. Vez por outra um deles voava para trás, e para pegá-lo, o homem derrubava todos os outros, num hilário descompasso.

  Ele era alto e magro. Sempre saía vestido com um de seus seis ternos, todos de cores claras, e com um chapéu homburg combinando. O da vez era um verde-menta horrível. Com essa primeira descrição, todos podem pensar que o tipo se trata de uma figura cômica. Mas não é. Muito pelo contrário.

  Finório era um dos "donos" de Tambirema. Mandava muito mais do que o próprio prefeito, que era apenas um capacho seu. Ostentava, aprumado no nariz, um óculos de lentes redondas e aro fino. De expressão sisuda, as sobrancelhas se dobravam num gesto de reprovação ao falar com alguém. E, quando o fazia, era curto e severo. A face, ele sempre trazia cinzenta e carrancuda.

  Tinha um bigode grosso, de pontas enroladas, e barba indecisa. Uma hora a deixava cheia, outra hora só perdoava um mísero cavanhaque debruçado no queixo ou raspava tudo de uma vez. Os cabelos, antes de forte negrume, já começavam a agrisalhar.

  Naquele momento estava se dirigindo á prefeitura. Os papéis, prendera debaixo do braço com firmeza. Ao chegar ao local, foi logo abrindo a porta do gabinete do prefeito e despejando tudo em sua mesa.

  - Estão todos aí. - disse, enxugando, com as costas das mãos, o suor que escorria da testa. - Contados. Agora nunca mais faço isso!

  Juca Pereira gaguejou. Sabia que o homem não estava num bom dia.

  - M-m-mas, p-por que não? - falou, armando um sorrizinho amarelo.

  - Está louco, homem? Essa montanha de documentos aí é problema seu! Eu só fui pegar no fax dos correios por que o daqui estava quebrado e quis lhe dar esse favor. Ah, se eu soubesse que seriam tantos assim. Se arrependimento matasse...

  Já ia dando as costas e saindo, quando fez meia volta.

  - Outra coisa. O meu ITR vai ter que atrasar mais um mês.

  - O quê? - o outro levantou-se, num ímpeto de coragem.

  Zé coçou a cabeça.

  - É... A safra sai agora, e pelo visto não me tira do vermelho. Se eu pagar, afundo mais ainda. Mas na próxima eu vou usar um adubo novo que dizem que é tiro e queda. Se tudo der certo mesmo, eu quito todos os atrasados, até com juros, se for o caso.

  - Mas isso é uma...

  Juca não teve tempo de terminar a frase. Zé Finório tirou os óculos, revelando um olhar sombrio.

  - ...Uma beleza! - contornou. - É a chance que eu estava pedindo a Deus para lhe cobir esse favor do fax. Pode ficar despreocupado.

  - Tanto melhor. - disse ele, pondo um ponto final na conversa e se retirando.

  O prefeito, do auto de seu cargo solene, só pode tremer-se nas pernas. Esperou o receado desaparecer porta afora para murmurar baixinho, ainda com medo de que ele escutasse.

  - Paga mês que vem, pois sim! Essa mesma lorota eu ouvi mês passado!