Fanfics Brasil - Camila e DorsoTorto Coração de Ágata

Fanfic: Coração de Ágata | Tema: Segredos


Capítulo: Camila e DorsoTorto

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  - Como você se chama?


  O rapaz fez uma cara de interrogação.


  - O seu nome?


  Ele não podia responder. Não entendia outra língua que não fosse a dos gestos. Percebendo isso, a moça gesticulou a pergunta.


  - Camila. Ca-mi-la. - repetiu, apontando para si mesma. Ele fez que sim com a cabeça.


  Em seguida, ela apontou para ele. Finalmente compreendendo, DorsoTorto mostrou a corcunda.


  - Corcunda? Se dirigem á você como corcunda? Cor-cun-da?


  Ele fez que não com a cabeça.


  - Cos-tas? Lom-bo? Dor-so?


  Só nessa tentativa ele deu sinal de acerto.


  - Então chamam você de Dorso... E você não tem família? Fa-mí-lia?


  Não haveria uma boa ponte de comunicação entre os dois daquele jeito. Ela notou isso, e desistiu. Ainda tentou falar de outras coisas, sem sucesso. Só decifrou que ele não tinha casa, morando numa das edículas do cemitério. Ao se dar conta disso, a jovem se determinou a fazê-lo mudar de vida. Não tinha cabimento um ser humano passando aqueles maus bocados.


  Camila era muito altruísta. Estava decidida a dar novos ares ao rapaz.


  "Se papai ainda tiver aquela choça na fazenda, é lá que eu vou pôr esse coitado" - pensou consigo mesma.


 De fato, Zé Finório tinha em suas terras uma choça tão velha, que ninguém mais ia lá para fazer nada. Seria o lugar perfeito para esconder o aleijado.


  Era um bom caminho até chegarem ao tal mocambo, mas enfim chegaram. O pobre não podia se conter de deslumbramento ao saber que era ali que iria residir. Eram quatro paredes de pau-a-pique cobertas por um telhado de palha, mas não poderia haver melhor para quem passou a vida inteira numa necrópole.


  Deixando-o sozinho ali, ela voltou para casa correndo. Na sala, encontrou o pai lendo um jornal. Sem levantar os olhos da folha, flou em tom severo.


  - Onde esteve, mocinha, que demorou tanto tempo?


  - Fui visitar o túmulo de mamãe. Não encontrei nada. É incrível como vocês deixaram o cemitério chegar naquelas ruínas.


  - Mas o que é isso, criatura? - ele levantou-se da poltrona como que impelido por uma mola. O jornal caiu no chão. - Aquilo ali está abandonado!


  Naquele instante, Zé notou no corpo da filha as feridas causadas pelos espinhos. Pegando em seu braço, para vê-las melhor, questionou, atordoado:


  - O que aconteceu?


  - Caí num espinheiro. O lugar está que mais parece uma selva!


  - Mas era só o que me faltava! Mal chega de viagem já vai sair na rua assim com essas marcas, parecendo uma doente!


  - Eu não tive culpa! Como vocês foram abandonar assim o campo-santo?


  - Já estava velho, cheio, nós fizemos outro! Ou você acha que a cidade iria se manter intacta, do jeito que você deixou quando saiu? Sua mãe está lá no novo, junto com todos os outros mortos mais recentes!


  Ela não respondeu. Apenas subiu a escadaria apressada, em direção ao seu quarto.


  - Aonde você vai?


  - Pegar algumas coisas para colocar na sepultura dela.


  - Não vai nem tratar dos machucados?


  - Não precisa, eu estou ótima!


  Enquanto Zé Finório dava o endereço do novo cemitério, Camila foi escondida em seu guarda-roupa e pegou uma roupa já velha e surrada. Ainda juntou um estojo de barbear, escova e creme dental, tesoura, pente, espelho e uma tesourinha de unha. Juntou tudo num embornal e desceu.


  - O que é tudo isso? - ele perguntou, já sentado novamente e apanhando o jornal do chão.


  - Velas, flores, um terço... Thau, pai, a sua bênção. - ela respondeu, correndo em direção á porta, sem nem olhar para trás.


  - Espere aí.


  A voz pesada a fez cessar.


  - Quando você estava lá naquela área descuidada... Não encontrou ninguém?


  - Ninguém.


  - Mesmo? Tem certeza?


  - Ora, quem eu poderia encontrar por aquelas bandas?


  - Está certo - ele concordou, abaixando o rosto. - Vá com Deus.


  A moçoila voltou á choça onde deixara o aziago e o encontrou ainda maravilhado com tudo aquilo. Tirou o espelho do embornal e fê-lo refletir a imagem dele.


  Era a primeira vez DorsoTorto via a própria imagem. E tão apovorado ficou com aquele monstro que aparecia no espelho, que deu-lhe um murro. A força empregada foi tanta, que o vidro se partiu em mil pedaços, voando pelos ares como vespas. A mulher percebeu o medo que ele sentira, e ficou mais empolgada ainda para começar o "tratamento de beleza".


  Primeiro, com a tesoura, cortou-lhe os maiores chumaços da barba. Depois, com o barbeador e o creme, terminou  o serviço, deixando-lhe de cara completamente lisa. Como sabia cortar cabelos, também fez isso, deixando cair por terra toda aquela juba acumulada por tanto tempo. Findo o processo, encheu uma caneca com água e escovou-lhe os dentes. Ainda, com a tesourinha, aparou as vinte "garras" das mãos e os pés. Mas com muito custo. Primeiro foi preciso quebrar as pontas que, de tão grandes, já estavam começando a se retorcer.


  Como se toda aquela mudança não bastasse, ela ainda levou-o ao igarapé, e deu-lhe um banho tão bem dado como ele nunca recebera. Estava lindo no final do processo, devidamente vestido, embora os trjes lhe causassem um grande desconforto, por estar acostumado a andar nu.


  DorsoTorto, se não fosse o aleijão da coluna, seria lindo. Os olhos acastanhados, no rosto bem feito, lhe davam uma ótima aparência. Os cabelos não eram escuro de todo, mas "achocolatados". Apesar da deformação, tinha um bom físico.


  Camila ainda tentou fazê-lo se erguer mais, e conseguiu. Agora só era preciso ensiná-lo a andar apenas com os dois pés, falar e se instruir. Ela pegou o maior caco do espelho, e deu para ele se mirar.


  A primeira reação do aziago foi cobrir os olhos, tremendo. Mas, pouco a pouco, foi abrindo, desconfiado. Ao, finalmente, ver aquele rosto tão belo ficou emocionado. Olhou para si mesmo, olhou para ela, e sem pensar duas vezes nem titubear, agarrou-a, dando-lhe um beijo quente e forte.


  Não foi o primeiro que ela recebia, mas foi o melhor que já tinha provado, o que a fez querer repetir.



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Autor(a): jorge_terrano

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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  Estava Camila, um dia, dobrando a esquina para voltar á sua casa. Vinha da feira, e trazia nos braços uma cesta repleta de frutas e legumes. De repente, talvez por descuido, ou por mero destino, esbarrou em Renato, seu antigo namorado. Ele a reconheceu imediatamente, ela demorou mais.   - Camila? - e, como para que concordar consigo mesmo. - Camila ...


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