O silêncio do inicio da caminhada na floresta era perturbador. Vez por outra, Chris olhava Dulce de rabo de olho e se deparava com aquele olhar apertadinho de reprovação. Para evitar isso, ele passou a olharunicamente para frente e falar sobre assuntos irrelevantes
- O clima aqui é muito bom!
Ela não respondeu.
- Apesar das súbitas quedas de temperatura de vez em quando... - murmurou ele.
- Se eu não chegasse a tempo, você a teria beijado!
Chris a olhou confuso.
- E daí?! As três regras não se aplicam a mim. Eu não sou humano.
- Então isso quer dizer que pode sair beijando qualquer uma por aí?
- É! Algum problema? E afinal, por que está tão aborrecida com isso?
Dulce pegou sua mochila e bateu com ela nelevárias vezes. Então, saiu marchando na frente.
- O que está acontecendo?! - perguntou ele cada vez mais confuso.
Dulce estava, sim, furiosa. O problema é que não tinha motivos para estar. Então achou um!
- E se ela fosse uma vampira ou coisa assim? E se ela te transformasse em um bode, ou em um sapo, ou te teleportasse para longe de mim? Você se arriscou à toa!
Ele pareceu compreender.
- Desculpe - disse por fim - Não foi porque eu quis. Você deve ter notado que eu estava sob um encanto. Aliás, você também!
Dulce ficou vermelha como uma maçã.
- E se não fossem as três regras, teria adorado beijá-la tanto quanto eu!
- Tá bom! Fim de caso! Não vamos mais falar disso!
- Foi você quem começou!
Voltaram a andar, cada um em seu passo, sem nada dizer. Caminharam por horas, até que Dulce se cansou. Dentro da floresta, não tinham como saber que horas eram. Dulce só sabia dizer que estava com fome. Sentou-se e pegou seu pão com queijo.
- Quando eu voltar, nunca mais vou comer um sandíche de queijo... Nem bebe suco de pêssego...
Dulce viu um vulto entre as árvores. Colocou o último pedaço de sanduíche na boca e se levantou. Deu um passo e pôde ver quem era.
Aproveitando que a menina estava comendo, Chris deu uma volta para verificar os arredores. Não vendo nada de suspeito, voltou para onde Dulce estava. Encontrou a canga estendida no chão e a bolsa.
- Dulce?
-...-
Dulce não acreditava no que estava vendo. Ali, diante dela, estava Anahí.
- Anahí? É você?
Anahí, ou o que quer que fosse, virou-se e saiu. Dulce a seguiu, chamando seu nome. Correu na direção da amiga até que a viu parada a apenas alguns passos. Anahí lhe sorriu e a chamou com um aceno. Dulce deu um passo e então parou. Algo não estava certo. Anahí estava com a mesma roupa que usava quando desapareceu.
A essa altura, já não estaria usando outra roupa? E por que ela não falava? Anahí insistiu em chamá-la com um movimento de mãos. Dessa vez, Dulce não se moveu. Analisou o lugar. Não viu nenhum perigo imediato. Era um caminho de apenas alguns passos.
- Você é Anahí? - perguntou Dulce, desconfiada.
- Claro que sou! - respondeu a outra - Quem mais eu haveria de ser além de eu mesma?
Dulce respirou aliviada.
- Anahí! Que bom encontrá-la! Eu já estava com medo de nunca mais te ver!
- Eu também! Me dê um abraço!
Dulce levantou o pé direito lentamente.
- Dulce, pare!!!
Chris estava a alguns passos dela e parecia muito assustado.
- Chris! Veja, é Anahí!
- Não, não é! É um goblin!
Dulce olhou de novo e viu Anahí fazer novamente o movimento com as mãos, como se a estivesse apressando.
- Vamos, Dulce! Sou eu! Venha até aqui!
- Dulce, não se mexa! - insistiu Chris, tentando se aproximar com muito cuidado.
Dulce estava confusa. Chris agia como se ela estivesse em perigo mortal, mas ela não via nada de perigoso ao seu redor.
- Não acredite nele, Dulce! - voltou Anahí, vendo o anjo se aproximar - Venha até aqui! Ele só quer nos separar! Enquanto andar com ele, jamais vai me achar!
O anjo ergueu sua mão direita na direção do ser que dizia ser Anahí e recitou um encantamento.
- Criatura mentirosa, eu evoco a luz divina!
Que nesse minuto, nesse instante, nessa hora,
A verdade que tudo ilumina
Cubra a ti e as tuas mentiras AGORA!
Ao ouvir o encantamento do anjo, a criatura então deixou de ser Anahí. Gritou e se contorceu e então se transformou em um ser grotesco, com um nariz enorme e sobrancelhas gigantescas. E, então, simplesmente virou uma fumaça preta e desapareceu. Desapareceu também o chão e Dulce viu, apavorada que estava na ponta de um precipício. Qualquer movimento a levaria à morte.
A simples visão do abismo fez com que Dulce se desequilibrasse. Chris deu um salto e a pegou, antes que caísse, puxando-a de volta para a segurança. Abraçou-a, respirando aliviado. Então, sacudiu-a pelos ombros com olhos furiosos.
- O que pensa que está fazendo?!