Dulce não respondeu. Tentou, mas acabou soluçando e começou a chorar. Chris voltou a abraçá-la e ficaram assim por algum tempo.
- Nunca mais faça isso, está bem? - disse ele, num tom mais calmo - Tudo aqui é muito traiçoeiro. Nem todos gostam de humanos.
Ela se acalmou e os soluços diminuíram o ritmo. Afastou-se dele, secando as lágrimas. Sentia-se muito envergonhada de ter se colocado em perigo e de ter desabado como uma garotinha.
- Promete? - insistiu ele.
Ela o olhou nos olhos e concordou com a cabeça. Voltaram para onde tinham deixado as coisas e ele lhe deu um pouco da água que tinha na mochila. Recolheram tudo e se puseram novamente a andar. Não demorou muito para que ele tentasse puxar conversa.
- Você quase me matou de susto... - disse ele.
- Eu sinto muito...
Ele pensou em dizer mais alguma coisa, algo como foi estúpido seguir uma ilusão, como ela podia ter morrido por nada, e mais um monte de outras coisas, mas ao olhar para a menina cabisbaixa, desistiu.
- Eu sei que foi burrice... - disse Dulce.
- Então por que fez?
Dulce parou um pouco.
- Sabe porque estou indo atrás de Anahí?
- Porque é sua melhor amiga...
- É. E também a única. É a minha única amiga. Eu não tenho muitos amigos, Chris. Meu mundo ficou vazio sem Anahí. No final, estou indo buscá-la porque sou egoísta. Quero que ela volte para o meu mundo.
Ele não disse nada.
- Você já teve alguém assim? - perguntou ela - Alguém que preenchesse o seu mundo?
- Não... - respondeu ele - Gostaria de ter tido. Mas esse é um dos motivos pelos quais os encantados invejam os humanos. Amar é um talento tipicamente humano.
Voltaram a andar, pois não podiam perder tempo, mas Dulce ficou curiosa.
- Como assim?
- Por que você acha que alguns seres aqui amam tanto os humanos e outros os odeiam tanto a ponto de matá-los com requintes de crueldade?
- Não faço ideia.
- Pelo mesmo motivo. Todos gostariam de ser humanos.
- Jura??! Pois, sincersmente, ter asas e poderes mágicos me parece muito mais interessante do que prestar o Vestibular!
Ele riu.
- Se vocêa soubessem o que têm!... O que todos os seres em várias dimensões gostariam de ter. Anjos, fadas, goblins, espíritos de todo o tipo, todos gostariam de viver as experiências que só os humanos compartilham. Amar do jeito que vocês amam, viver paixões, realizar grandes feitos, escrever grandes obras, compor grandes sinfonias, tocar canções imortais que encantam o próprio Deus, dançar, correr, se superar, sentir, criar!...
E até nas tragédias vocês têm essa oportunidade fantástica de exercer a compaixão, a solidariedade, o amor incondicional, a criatividade! Alguns dos seres de outras dimensões, como anjos, dragões e fadas, possuem algumas dessas coisas, mas não todas juntas! Vocês humanos têm escolhas, podem viver uma aventura nova a cada dia de suas vidas, podem mudar o mundo e se tornarem deuses! Posso lhe garantir que todos aqui gostariam de ser humanos...
Dulce estava tão espantada que parou de andar. Chris parou com ela. Os olhos dele brilhavam como ela nunca viu.
- E vocês ainda têm sorvete! - finalizou ele.
- Nossa! - disse ela, rindo - Eu nunca imaginei que ser humano fosse tão interessante.
- Infelizmente, a maioria dos humanos também não... Sabe? Eu daria as minhas asas se pudesse ter as suas...
Voltaram a andar e o clima estava fresco e ameno. A conversa voltou a dar o ritmo da caminhada e ele explicou pra ela o que sabia daquele mundo. Era um mundo grande. Ainda havia muita coisa que ele não conhecia. Mas o que ele sabia já era o bastante para fazer os olhos dela brilharem de entusiasmo e curiosidade. E ele gostava disso.
O dia ainda estava claro quando chegaram ao fim da floresta e encontraram os três caminhos que Angelique tinha dito.
O céu era de um anil a perder de vista e havia montanhas muito distantes pintadas de azul num tom mais escuro. Os três caminhos eram de terra, feitos pela grande frequência de uso. Dulce pegou o papel.
- Ela disse para pegarmos o do meio - disse.
- Então, o do meio será.
Começaram a andar, continuando a animada conversa. Não lembraram - e Dulce não tivera tempo de anotar - que Angelique tinha lhes dito para não prosseguirem depois de saírem da floresta, para pararem e esperarem o sol se pôr e prosseguirem apenas no dia seguinte.
O dia ainda estava claro e eles não tinham relógio. A informação ficou então perdida na floresta que ficou pra trás.