– Então caia, ué! – respondeu Chris, não se intimidando.
Uma perna caiu do nada bem na frente deles. Dulce gritou e não conseguia parar de gritar. Chris tentou acalmá-la, alarmado com a fragilidade dela naquela situação. Obrigou-a a olhar pra ele. Ela tinha lágrimas nos olhos e estava pálida. Continuavam sentados contra a parede e a perna decepada estava ali, física, diante deles.
– Dulce, olhe pra mim, olhe pra mim! Ouça! Você enfrentou um gigante!
–Não enfrentei, não! – respondeu ela, começando a chorar. – Eu corri e se não fosse você ele ia me esmagar como uma barata no canto da cozinha ou uma daquelas francesinhas em cima de mesa de boteco!
– Não, você foi corajosa lá! Eu vi! Então me escute. Confie em mim, não vou deixar nada te acontecer, entendeu? Apenas fique calma.
A menina respirou rápido algumas vezes, olhando para ele. Então,limpou as lágrimas do rosto e tentou se acalmar.
Acreditaram que a perna fosse uma ilusão que desapareceria em alguns segundos, mas ela continuava lá. Uma perna humana, decepada e morta. E nua. Uma visão horrível. Não demorou muito, a voz voltou.
– Eu vou cair!
– Então caia! – respondeu firmemente Chris.
E um braço caiu diante deles. Dulce tentou não gritar, mas não conseguiu. Fechou os olhos e tentou se controlar.
– Eu vou cair!
– Pode cair! Eu não ligo! – respondeu o rapaz.
Outra perna caiu. Dulce tinha fechado os olhos e só tremia ao ouvir o som de um pedaço de corpo caindo.
– Eu vou cair!
– Pois caia!
E dessa vez, caiu o outro braço. Demorou um pouco até que a voz voltasse. Os pedaços de corpo continuaram ali, a um metro deles. Dulce abriu os olhos e voltou a fechá-los novamente ao ter a horrível visão.
– Eu vou cair!
– Caia de uma vez, homem! – respondeu Chris.
E dessa vez caiu um tronco sem membros, fazendo um som surdo ao tocar a madeira do chão.
Algum tempo se passou onde apenas o vento, seu assobio assombroso e as janelas batendo foram ouvidos. O lugar estava gelado e as velas estavam acabando.
– EU VOU CAIR!
Dessa vez, a voz gritou e mesmo Chris não pôde evitar tremer, denunciando para Bianca que ele também estava com medo. No entanto, não mudou sua resposta.
– Então caia!
E uma cabeça caiu diante deles. A cabeça tinha os olhos esbugalhados com o susto da morte e olhava fixamente para eles.
Então, algo inesperado aconteceu.
Uma moeda caiu. Era uma moeda de ouro. Logo depois, caiu outra. E mais outra. E uma chuva de moedas de ouro se fez, cobrindo o corpo com uma montanha de ouro. Então, caíram joias, pedras preciosas e todo tipo de fortuna e tesouro. Por último, uma chave de ferro escurecido e sem valor caiu e ficou sobre a pilha.
Dulce estava olhando desde que a primeira moeda caiu e agora estava mais espantada do que assustada. Ainda assim, não conseguia se mover. Chris se levantou, e ela ficou sentada no chão. Ele foi até o alto da pilha, que já tinha quase a sua altura, e pegou a chave. Então, voltou para o seu lugar ao lado dela e sentou-se.
A pilha de ouro se moveu. Dulce se encolheu, agarrando-se a ele.
Debaixo da pilha de tesouro surgiu então um homem. Não aos pedaços, não nu, não morto. Era, com certeza, o mesmo homem, só que agora ricamente vestido e penteado. Olhou atentamente para eles.
– Podiam pegar o que quisessem... – disse.
– Só queremos a chave, obrigado – respondeu educadamente Chris.
O homem sorriu.
– Nunca houve alguém de coragem para passar a noite nesse castelo. Nem alguém de honra para não roubar. Vocês serão os primeiros a saírem vivos daqui. Não se preocupem. Por hoje, vocês serão meus hóspedes.
O homem bateu palmas três vezes e então todo o castelo em ruínas se transformou. Um enorme lustre de cristal se acendeu e sua luz cobriu todo o ambiente, transformando decadência em luxo, abandono em beleza, fazendo as marcas do tempo desaparecerem. Pessoas apareceram, bem vestidas, belas, observando-os com curiosidade. Zac e Bianca se
levantaram, espantados.
O homem, o senhor daquele castelo, chamou um criado e disse-lhe para lhes dar o melhor quarto. Perguntou se estavam com fome. Bem, até estavam, mas depois daquilo tudo, tinham perdido o apetite. O homem sorriu e compreendeu. Então, o criado os guiou escadas acima até um luxuoso quarto com uma cama tão grande que Dulce calculou que só a cama era o seu quarto inteiro.
Não sentia mais medo. Tudo parecia real e seguro.
– Durmam o quanto quiserem – disse o criado. – Descansem. Amanhã, serviremos o café da manhã.
Havia roupas de dormir confortáveis e muito bonitas e o quarto tinha tapetes macios e quadros de belas paisagens e flores nas paredes. Um banheiro com banheira e produtos de beleza fazia parte do quarto e a cama era macia, com travesseiros limpos e perfumados.
– Estou confusa... – disse Dulce.
– Eu também.
– E aí? Devemos ficar? – perguntou ela.
– Não vejo porque não... Sim, acho que podemos confiar... Além do mais, parece bem melhor do que lá fora.
Tomaram banho e colocaram suas roupas de dormir. Se enfiaram debaixo dos cobertores e dormiram, deixando a luz de um abajur acesa.