Fanfic: Lua das Fadas | Tema: Vondy-Adaptada
O mergulho na escuridão calou por alguns instantes os gritos, as
gargalhadas e o desespero.
Não sabe dizer por quanto tempo, mas foi
tempo o bastante para ir até em casa e ver Cacau esperando-a na porta. Viu
seu pai tocando o piano e sua mãe cantando a canção do Soldado e da
Rainha. Cacau latiu para ela, mas ninguém mais parecia vê-la.
Quis correr e
abraçá-los, dizer que teve um pesadelo terrível com criaturas que tiravam
tudo o que lhe era mais caro.
Mas quando tentou dizer algo, foi puxada para
trás. Foi sugada até o belo jardim bem cuidado de sua casa, onde encontrou
Chris. Ele parecia triste.
– Arrependida? – perguntou ele.
Não teve tempo para responder. Caiu novamente na escuridão e
quando chegou ao chão, acordou. Seu corpo estremeceu, como se tivesse
acabado de cair em si mesma. Então abriu os olhos e sentiu alguém afagarlhe delicadamente os cabelos. Estava no colo de alguém. Levantou-se e se deparou com o anjo.
– Olá... – disse ele, forçando um sorriso.
Chris estava recostado numa parede e tinha os olhos tão tristes
quanto os que vira em seu sonho. Dulceolhou em volta. Estavam numa
cela cuja única iluminação vinha de tochas acesas no corredor. Dulcenão
teve certeza, mas achou que as manchas brancas abandonadas nos cantos
eram ossos.
Ela voltou a olhar para o anjo, cujo ombro estava manchado de
sangue e tinha diversos arranhões pelos braços. Ele acariciou-lhe os
cabelos novamente.
– Me perdoe... – disse ele.
– Por quê?
– Porque eu falhei com você – respondeu. – Você fez tudo certo, mas
eu não pude ser um bom guia.
Dulce sentiu o pesar na voz dele. O pesar de quem sabe que não há
mais saída.
– Ainda não acabou, Chris... – disse ela, tentando disfarçar a voz
trêmula.
Ele recostou a cabeça na parede.
– Ninguém sai daqui, Bianca... Uma vez nas garras deles, não há... não
há mais nada...
Um movimento de passos se aproximando interrompeu a conversa.
Eles se levantaram e, em alguns segundos, três goblins apareceram para
abrir a porta da cela.
– Mas isso é que é sorte mesmo! O Rei ficará tão satisfeito que com
certeza será muito generoso conosco!
A porta se abriu e eles amarraram as mãos do anjo para trás.
– E a garota? – perguntou um deles.
– Ela não precisa! – respondeu o que parecia o comandante. – É só
uma humana.
Levaram os dois por corredores escuros e Dulceprestava atenção
na conversa. Diziam que era noite de festa e a festa duraria muitos dias,
porque tinham conseguido algo que ninguém achava ser possível.
“Certamente”, pensou ela, “devem estar se referindo a terem capturado um
anjo”.
Perguntou-se se Rafael poderia intervir, mas considerando que ele
não mexeu uma asa quando Chris teve o pescoço sob uma lâmina no Castelo
de Paralda, não poderia contar muito com isso. Chris permanecia com o olhar
baixo e não dizia uma palavra.
Foram empurrados para dentro de um grande salão repleto de
goblins de todos os tamanhos e formas.
Alguns pareciam animais, enquanto
outros eram simplesmente aberrações fugidas de pesadelos. Todos
gritaram quando eles entraram, batendo suas canecas em um festejo
assustador.
Diante deles, uma criatura de quase dois metros e enormes
asas negras estava sentada num trono. Seus pés eram de bode e ele possuía
chifres enormes. Seus dentes eram afiados como dentes de piranha e seu
nariz eram dois buracos no meio da cara.
Suas garras eram enormes e
Dulceachou que se existia um diabo, acabara de encontrá-lo.
– Ora, ora, ora, vejam quem voltou pra casa...
A criatura se levantou e, com um simples gesto de mão, o silêncio se
fez imediatamente. Ele andou até os dois, mas parecia especialmente
interessado no anjo. Segurou seu rosto e o obrigou a olhar para ele.
– E então, irmãozinho? É hora de prestar contas para a família que
você deixou pra trás...
Dulceolhava para eles sem entender. O rei percebeu a confusão da
garota e soltou o rosto de Chris.
– O quê? Não contou para sua amiguinha quem você realmente é?
O anjo não respondeu. Ao invés disso, continuou olhando para o
chão.
– Tudo bem, irmãozinho. Deixe que eu conto então.
A criatura se voltou para Bianca. Sua voz era rouca e penetrante,
assustadora porque era também muito convincente.
– Sabe esse rostinho bonito, menina? É tudo mentira! Uma máscara,
eu diria! O anjo que está do seu lado não passa de uma farsa. Ele era um de
nós! Meu irmão, na verdade! Matou muita gente em nossas rondas
noturnas...
Dulce esperava que Chris dissesse alguma coisa, qualquer coisa. Se
ele dissesse naquele momento que era mentira, ela acreditaria. Só
precisava que ele dissesse algo. Mas ele continuava calado e via em seu
rosto a vergonha que cada palavra do rei provocava em sua alma.
– Sabe qual era a especialidade dele? Arrancar asas de fadas e deixálas
para morrer! Ah, esse safado era bom nisso!
Todos riram, enquanto Chris fechou os olhos, assolado por um
passado que não estava pronto para reencontrar. O rei, seu irmão, agarrou
seu rosto de novo e obrigou-o a olhar para Bianca.
– Qual o problema, anjo? O gato comeu sua língua? Olhe pra ela e
diga quem você é! Vamos! Diga!
Ele não disse nada, mas lágrimas desceram pelo seu rosto. A criatura
então o esbofeteou e foi tão forte que quase o derrubou.
– Você acha que nós esquecemos quem você é? Acha que pode
mudar de casca e se esconder pra sempre de nós?
O ser continuou a esbofeteá-lo, aumentando as gargalhadas e gritos
das centenas de criaturas monstruosas que tudo assistiam.
– Pare, pare, pare, por favor, pare... – Dulcenão conseguia projetar
sua voz, então era como um sussurro. As lágrimas desciam em seu rosto e
sua voz a estava traindo.
A criatura continuou atacando Chris, até que ele caiu. O rei surrou-o e
outros se juntaram ao espancamento. Então, Dulceconseguiu sair do chão
e se enfiou no meio dos monstros, socando e empurrando, gritando para
que parassem.
A surpresa de sua reação fez com que as criaturas parassem e o
silêncio se instalou novamente. Dulce se colocou entre o rapaz caído no
chão e as criaturas. Não tinha armas, não tinha nem mesmo força física
contra aqueles monstros. Não tinha chance.
– Então... Você ainda o defende, mesmo sabendo que ele é um
monstro? – perguntou o rei.
– Vejo muitos monstros aqui... – respondeu ela, rouca, a respiração
descontrolada. – Ele não é um deles.
O rei ficou parado. Ninguém se moveu ou emitiu qualquer som, à
espera de sua decisão.
– Uma humana e um anjo... – disse ele, finalmente. – Já temos o
pagamento do próximo Dízimo... E até lá, vamos nos divertir um bocado...
Levem-nos!
Um goblin agarrou Bianca, que se debateu por instinto e porque não
queria sair de perto de Chris. Outro goblin agarrou o rapaz e o obrigou a
andar. Foram guiados a uma outra cela, bem maior, na direção contrária de
onde vieram. Empurraram Dulcepara dentro e então, desamarraram o
Chris e o chutaram. Ele caiu de quatro dentro da cela e ouviu as risadas dos
goblins, enquanto trancavam a porta.
Chris não ergueu os olhos. Continuou parado, reunindo forças para se
levantar, até que sentiu que pequenas mãos o ajudavam.
Ele olhou para ela,
envergonhado, mas ela apenas lhe sorriu e disse que estava tudo bem.
Ajudou-o a se sentar contra a parede da cela. Ela pegou seu lenço e
começou a limpar o sangue do rosto dele. Não lhe fez nenhuma pergunta.
Cuidando dos ferimentos dele, Dulcelembrou que ela mesma tinha se
ferido bastante em virtude de sua luta nos céus contra a Corte, mas que
acordara sem nenhum arranhão.
– Você me curou, não foi?
Ele tentou sorrir.
– Você estava um caco...
– Por que não faz isso em você mesmo? – perguntou ela.
– Porque não posso... Só funciona com os outros.
– Que nem conselho...
– Que nem conselho...
Ficaram em silêncio e ela terminou. O rosto dele ainda estava
vermelho e machucado, mas nenhum ferimento parecia tão profundo
quanto o que ele deixava transparecer em seus olhos.
– Ele tem razão... – disse ele finalmente.
Olhou para ela fixamente.
– Eu sou um monstro...
Há muito tempo, a Corte Unseelil raptou um jovem do mundo dos
homens. Já haviam pago o Dízimo para o Inferno, então não foi por isso que
o pegaram. Foi por diversão. A diversão dos membros da Corte sempre teve
a ver com dor e humilhação. E foi o que fizeram. Torturaram e humilharam
o rapaz e deleitaram-se com sua dor. Isso durou dias, semanas, até que um
dia ele fugiu. Claro que nenhum humano ou qualquer outra criatura que
fosse tomada prisioneira da Corte jamais conseguira escapar. Exceto esse
rapaz. Ele fora a exceção. Ele fora o erro que a Corte Unseelil jamais
perdoaria.
Chris contava a história para Dulceem voz baixa e triste. Não era
algo que gostasse de lembrar.
– Esse rapaz... – continuou ele. – Nós fizemos atrocidades com ele e,
a cada noite, quando o devolvíamos para a cela, ele implorava para saber de
seus pais e de seu filho pequeno. Era eu quem o levava para a cela. Ele
nunca implorou pela própria vida. Nunca. Mas toda noite, me pedia para
cuidar de sua família. Que tipo de pessoa louca pede para um monstro
como eu para tomar conta da família?
– Alguém que vê mais longe... – respondeu Bianca. – Você o ajudou,
não foi?
Chris anuiu com a cabeça.
– Não sei o que me deu. Só sei que um dia, eu simplesmente o levei
de volta. Quando o raptamos, ele tinha água e comida, pois estava numa
viagem para outra cidade para conseguir trabalho. Ele comia essas coisas
apenas, como você. Os pais eram idosos e doentes, a esposa morrera e o
deixara com uma criança pequena. Ele só se importava em voltar para eles.
Então, eu o devolvi pra família. E lhe dei um saco de moedas de ouro do rei,
nosso pai. Ele tinha uma montanha, e estou falando literalmente, uma
montanha de moedas como aquelas. Não ia sentir falta de um saco.
– Mas sentiu.
– Sentiu. Eu sabia que iam atrás de mim, então fugi. Passei anos me
escondendo nos charcos e pântanos, até que me encontraram.
A expressão dele mudou e ficou muito sombria e distante.
– Como eu lhes tirei a diversão, “roubando” o humano deles, me
colocaram em seu lugar... Passei por tudo o que costumava fazer com os
humanos. Fizeram isso por semanas, até que achei que era melhor morrer.
Pedi piedade ao rei, meu pai. Isso só piorou. Não há compaixão nele. Ou em
meu irmão. E então, numa noite, tinham acabado de me devolver à cela
depois de mais uma noite de tortura inimaginável. Eu nem conseguia me
levantar mais. Foi quando uma luz apareceu. Era um anjo. Ele disse que o
humano que eu salvara tinha pedido que intercedessem por mim. Então ele
me levou para um outro lugar. Trataram meus ferimentos e comecei a
trabalhar com eles. Durante cem anos, fui um elemental que realizava
pequenas tarefas para ajudar os humanos, sempre sob as ordens dos anjos.
Até que um dia Rafael disse que já estava na hora de ganhar asas.
– E você virou um anjo... Isso foi lindo!...
Chris se levantou, incomodado, ignorando o corpo dolorido da surra.
–Pois eu não acho que tenha merecido! – disse ele, olhando para ela
com olhos duros. – Sabe quando você fez o ritual e eu a mandei esperar? Eu
estava pedindo para que outro fosse em meu lugar, porque eu não queria
voltar pra cá. Era minha primeira missão e eu já estava tentando me
esquivar. Sabe quando eu era só uma voz na sua cabeça? Era pra ter
deixado de ser uma voz assim que você pisou nessas terras, mas eu era
egoísta demais pra pensar em alguém antes de mim e arrisquei sua vida só
pra me proteger! Sabe o círculo encantado em que você caiu? Eu poderia
ter interferido muito antes, mas não tive coragem! Eu curei Eileen, mas
sabe quantas iguais a ela eu destruí? Eles têm razão! Eu ainda sou o mesmo
monstro, só estou numa casca mais bonita!
Dulcese levantou e foi até ele.
– Você defendeu a vila – disse ela. – Você fez inúmeras coisas
fantásticas antes disso, mas você arriscou sua vida pela vila e por mim. E
monstros não fazem isso.
Ela tocou delicadamente o rosto dele com suas mãos, obrigando-o a
olhar para ela.
– Pra mim, você é um anjo. Ganhou suas asas no momento em que
salvou aquele rapaz. Nada que eles digam vai mudar isso.
Os olhos dele se encheram d’água. Ela se comoveu com as lágrimas
banhando o rosto ferido e então ele buscou um ombro amigo, que
prontamente encontrou. Abraçaram-se e ela ficou quieta, enquanto ouvia
os soluços afogados em seus cabelos.
Autor(a): vondynatica
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A situação estava exatamente como aquela cela: fria, úmida e aparentemente sem saída. As perspectivas eram negras e Chris parecia ter desistido. Enquanto Dulce tentava pensar em alguma forma de saírem dali, o anjo de asas recolhidas se mantinha sentado contra a parede, com os olhos perdidos na derrota.   ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 49
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vondy_170 Postado em 25/01/2017 - 05:00:54
Livro 2 - Continuação- https://fanfics.com.br/fanfic/55332/o-trono-sem-rei-vondy-adaptada
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vondy_170 Postado em 25/01/2017 - 04:55:32
Livro 2 - Continuação https://fanfics.com.br/fanfic/55332/o-trono-sem-rei-vondy-adaptada Livro 3 - Continuação https://fanfics.com.br/fanfic/55691/a-cancao-dos-quatro-ventos-vondy-adaptada
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candy1896 Postado em 03/12/2016 - 21:58:10
CONTINUA
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candy1896 Postado em 13/11/2016 - 21:12:15
Continua
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mky Postado em 20/07/2016 - 15:58:32
Continua
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tay_Vondy Postado em 16/07/2016 - 18:13:00
Continua
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pacheco_vondy Postado em 15/07/2016 - 16:09:45
Pena que não rolou beijo!!!
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pacheco_vondy Postado em 15/07/2016 - 15:13:56
Fudeu!! Se correr o Jack pega e Se ficar o Jack come!!
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pacheco_vondy Postado em 07/07/2016 - 21:00:45
Continuaaa!!!
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pacheco_vondy Postado em 05/07/2016 - 21:47:10
Bom, pelo visto eu ganhei esse capítulo completo, como um presente por ser leitora nova!!!mesmo q não intencionalmente!!!