Foi uma decisão da qual esperava não se arrepender. Teve a chance de mudar tudo, e percebeu, com certo pânico, que não queria apagar tudo o
que acontecera. Por mais dolorosa que tivesse sido a morte de Chris, não quis abrir mão de tê-lo tido em sua vida. Sentiu-se egoísta, mas assumiu seu lado humano e aumentou as apostas. Se estivesse errada, perderia tudo.
Por isso, escolheu não impedir que a amiga desaparecesse. Não tinha o direito de impedir Anahíde seguir seu caminho.
A partir daquele dia, mudou-se para o porão.
Sabia que o porão, que ia ser um estúdio de pintura em alguma época numa dessas obras que não saem do planejamento, nunca era usado por ninguém, tendo se transformado num depósito de móveis velhos e coisas em caixas que ninguém tinha tempo para saber o que era. Também conhecia os horários e sabia quando a casa estaria vazia. Sabia também onde guardavam as chaves reservas e que não sentiriam falta delas tão cedo.
Assim, depois da ventania, saiu por algum tempo, pois sabia que a polícia iria revistar cada canto daquela casa. Pegou a chave reserva e ficou
no quintal do vizinho que estava viajando. Sabia pular muros e não foi difícil. O pior foi se livrar de Cacau que tinha que latir o mais alto que podia
sempre que via qualquer coisa. Quando a polícia se foi, Dulce usou a chave novamente e foi para o porão.
Tomou um banho de madrugada, com todo o cuidado do mundo, e usou algumas roupas velhas que estavam em caixas, esperando uma triagem para se encaminharem para a doação. Pegou um monte de comida na geladeira e então, de cabeça mais fria e banho tomado, sentou-se no sofá velho e traçou seu plano. Precisava enviar pistas para si mesma, pois sabia que precisaria de ajuda. Então, começou pegando o livro que Ariane lhe dera. Pegou-o nas mãos.
– Meu amigo, você não é uma coincidência, você é um paradoxo!
Envelopou o livro e mandou-o para si mesma. Sabia que precisaria dele. Aproveitou quando não havia ninguém em casa para dar uma olhada
em seu quarto e pegar algumas roupas melhores. Levou a pequena mochila consigo e colocou-a em cima da mesa, enquanto procurava algo para vestir.
Foi quando achou a mesma mochila dentro do guarda-roupa. Assim que se virou com a mochila nas mãos, algo bizarro aconteceu. As duas mochilas se fundiram em uma só. Dulce abriu e percebeu que o conteúdo era a soma das duas bolsas. Perguntou-se se isso aconteceria também com pessoas...
Durante a semana, foi colocando seu plano em andamento. Pegou dinheiro em sua gaveta, um dinheiro que estava guardando para uma
viagem sonhada, e usou-o para encomendar uma música com um grupo de índios que sempre cantava no caminho dela.
Contratou um conjunto de mexicanos também, porque sabia que teria que ser insistente. Ambos cantariam Blue Moon, e sabia que isso a levaria ao dia certo. Jogou uma pedra em sua própria janela e pagou o carro da pamonha para dizer que fadas gostam de doces e coisas brilhantes. Infelizmente, o cara perdeu o papel e se limitou a dizer que Fadas gostam de Pamonha. Quanto à Mãe Tetéia, essa tinha sido realmente uma peça do destino, pois ela nunca plantara essa dica.
Por fim, escreveu a mais importante pista. Escreveu que Chris morreria se ficasse lá mais tempo. Explicou com detalhes. Dobrou o papel e
colocou dentro do bolso do short que ela sabia que iria pegar. Aquilo seria o suficiente para evitar a tragédia que coroou o fim de sua aventura. Tinha
que ser...
Quando havia pessoas na casa, Dulce se limitava a ouvir as vozes... Seu coração estava apertado de saudades. Mas sabia que era preciso ter
paciência. Seria apenas uma semana.
E conforme o esperado, no domingo, quando ouviu a porta da cozinha se fechar, Dulce apareceu vinda do porão, dando um susto em
Cacau, que ficou muito confusa, olhando ora para a porta, de onde jurara ter visto Dulce acabar de sair, ora para sua dona que surgia no lado
oposto, vindo do porão. Ao receber um carinho, Cacau se esqueceu de seu dilema. Com cuidado, Dulce subiu as escadas lentamente. Entrou em seu
quarto e deitou-se em sua cama.
Tinha que dar certo. Tinha que dar... Seu pai e sua mãe não entenderam quando ela desceu correndo as escadas e encontrou com eles na cozinha com os olhos cheios d’água. Abraçou sua mãe e depois seu pai, tentando não chorar.
– O que houve? – perguntou seu pai.
Dulce não respondeu. Preferiu dizer com um gesto de mão que não era nada.
– Marcel chega hoje! Ele vem almoçar com o Marcos – disse sua mãe.
Dulce sentou-se à mesa, dando o biscoito para Cacau, como sempre fizera. Sua mãe colocou um sanduíche de queijo em seu prato. Dulce
perguntou se poderia comer outra coisa, e então se levantou e fez um ovo mexido com pão. Naquele domingo, curtiu embriagada a companhia das
pessoas que achou ter perdido. E não se arrependeu nem por um minuto.
Tinha dado certo.
Seu dia foi perfeito. Tinha certeza que tinha conseguido. Seu plano funcionara! Tinha certeza agora que Chris não morreria. Mandaria-o voltar
com ela, ou pediriam escolta das pessoas da cidade. Fariam alguma coisa, dariam um jeito. Entrou na Internet para fazer a última coisa de sua lista.
Escreveu um e-mail para Suzane Vega, a cantora que escrevera a canção do soldado e da rainha. E lhe pediu para escrever um final mais feliz.
Em seu quarto, pensava empolgada nas possibilidades. Quando abriu o armário para pegar seus pijamas, porém, viu um papel dobrado no
chão. O coração parou por um segundo. Abaixou-se e o pegou.
Quando o abriu, sentiu as pernas tremerem e precisou se sentar na cama. As lágrimas subiram e ela chorou dolorosamente,amassando o papel onde escrevera como Chris iria morrer para que ela soubesse como impedir.
Talvez não se possa ter tudo. Talvez a vida seja assim mesmo. Quem tem dinheiro, não tem amor, quem tem amor, não tem amigos, quem tem
amigos, não tem dinheiro... Talvez a vida fosse para ser vivida pela metade, porque recebemos tudo pela metade. Talvez a divindade estivesse tentando nos ensinar uma lição, a de que não se pode ter tudo. É uma triste lição para se ensinar e para aprender. E Dulce lutava contra essa ideia. Não acreditava que a divindade quisesse ensinar uma lição assim. Talvez só precisasse esperar e confiar um pouco mais.
Os dias se passavam e começaram a se tornar iguais. A tristeza faz isso. Transforma dias coloridos em um único tom de cinza. Sua mãe tentou
conversar com ela, sem sucesso. Seu pai estranhou seu gosto por duas únicas canções que ouvia sem parar. Blue Moon e The Queen and The
Soldier. Dulce tentava disfarçar, mas a tristeza estava cada vez mais presente, como se a possuísse aos poucos e por completo, e era cada vez
mais difícil fingir que estava tudo bem.
E o pior é que não tinha com quem falar. Como explicar que sentia falta de alguém que viveu com ela algo que ninguém poderia saber, num
mundo que ninguém acredita que exista, numa época que ainda não aconteceu?
Depois da tristeza, se tornou amarga. Tentava disfarçar quando estava com a família. Mas tudo perdera a cor e o sabor. A escola tinha gosto
de papel. Alguns dias depois, o lugar de Anahífoi tomado por um outro aluno novo e Dulce não relutou. Passava seus dias olhando através do
quadro, imaginando, lembrando... Sofrendo. Lamentando. Um caderno a ajudava a passar as longas horas de agonia na escola. Nele, desenhava o que vira e vivera num mundo encantado.
Um dia, chegou em casa, arrastando os pés como se tivesse um piano amarrado nela, e ouviu uma música vinda da sala. Passou pelo
corredor e recostou-se na parede, vendo seus pais dançando ao som de Por Una Cabeza, de Carlos Gardel, do filme Perfume de Mulher. Não era a
primeira vez que via essa cena. Seus pais estavam sempre fazendo algo juntos.
Às vezes, liam em silêncio. Às vezes, falavam pelos cotovelos. Às vezes, discutiam. E, às vezes, dançavam à meia-luz. Dulce fitou-os longamente, lembrando tudo o que vivera com aquelas duas pessoas e como ela tinha tido sorte. Viu seu pai, um moreno galante de cabelos negros e brilhantes na altura do pescoço, a barba sempre impecavelmente perfeita, inclinando sedutoramente sua mãe, que tinha os cabelos soltos a quase encostar no chão, num movimento gracioso e confiante.
Algo a deixou triste. Não soube o que, até que se lembrou do que escrevera no papel amarelo e amarrara no balão vermelho. Enquanto
Anahí pediu para ter o que Dulce tinha, esta pedira para ter o que os pais encontraram: um amor de verdade. Parece que todos conseguiram realizar
seu desejo. O que sentia por Chris não parou quando ele deu seu último suspiro. Nada se apagou. Pelo contrário, tudo ganhou mais importância.
Então, ela encontrara um amor de verdade, desses que são para vida inteira, quando seu par é também seu cúmplice, parceiro, consorte e
comparsa, aquela pessoa que você gostaria de ter ao seu lado em qualquer lugar, em qualquer momento. Ela encontrara. E perdera.
As lágrimas rolaram por seu rosto e ela voltou pelo corredor de onde viera, segurando os soluços. Sentou-se no degrau da entrada da casa e
chorou. Alguém pousou suavemente a mão em seu ombro. Virou-se e viu sua mãe com seu sorriso gentil. Ela sentou-se ao seu lado.
– O que houve, Dulce? – perguntou ela com voz suave.
Dulce olhou para o nada, os ombros caídos, cansada de lamentar sua perda e se perguntando se conseguiria algum dia se recuperar.
– Você está gostando de alguém, não está? – perguntou sua mãe.
Dulce olhou para a Lua cheia sobre elas. O céu não se comparava com as milhares de estrelas e cometas do céu do Mundo das Fadas. Parecia
opaco e esmaecido. Como ela.
– Ele partiu... – disse finalmente. – Eu nunca terei o que você e o pai têm, porque tive e perdi.
A mãe pareceu pensar um pouco. Dulce achou que ela falaria sobre o quanto ela era jovem, e que tinha a vida toda pela frente, e que a pessoa
certa apareceria, blá blá blá. Porém, sua mãe foi numa direção diferente.
– Você acredita em milagres?
– Não mais.
– Entendo... Você sabia que seu pai era um padre?
Dulce olhou-a surpresa. Sabia de piadas que falavam sobre essa vocação para a Igreja de seu pai, mas nunca achou que passassem disso.
– Pois quando eu o conheci, ele era totalmente inacessível, não só por ser padre, mas por um monte de outros fatores. Tudo indicava que
jamais poderíamos viver um amor de verdade. E aqui estamos nós. Não pense que não tivemos momentos difíceis, em que acreditamos que nem
um milagre nos salvaria.
Dulce estava surpresa, mas ainda infeliz. Seja lá qual tivesse sido o obstáculo para o amor de seus pais, certamente não envolvia a morte de
um deles. Mesmo assim, recostou a cabeça no ombro da mãe e ali se acalentou.
– Querida, confie um pouco mais!... Muitas coisas incríveis acontecem o tempo todo...
Era um domingo e algumas colegas de classe tinham lhe feito um convite para ir ao cinema. Sua mãe insistiu tanto para que ela aceitasse que
não quis desapontá-la. Dulce costumava passar muito tempo em seu quarto, ouvindo música e rabiscando. Nunca tivera nenhum talento para
desenho, mas, estranhamente, quando voltou, sentiu necessidade de fazer alguma coisa e pegou-se desenhando como nunca o fizera. Tinha um
caderno que se tornara seu companheiro, onde registrava coisas que tinha medo de esquecer, pessoas, rostos, sorrisos, dragões, amigos que pareciam viver agora apenas dentro de suas lembranças. Por mais que doesse, não queria esquecer.
“Muitas coisas incríveis acontecem o tempo todo...”
Lembrou-se das palavras de sua mãe e parou um pouco o desenho.
Folheou o caderno e viu todas as coisas incríveis que vivera. Ela tinha razão. Coisas incríveis acontecem o tempo todo e ela era a última pessoa a
ir contra aquela máxima. Lembrou que Chris foi salvo da horda dos goblins, antes de virar um anjo, por causa de uma oração. Talvez funcionasse de
novo. Foi até a janela aberta onde uma brisa fresca balançava as cortinas finas de quarto de menina e fechou os olhos. Então, conversou com Deus,
com a Deusa, com o Universo, com a Força Superior que sabia existir e tinha aqueles estranhos caminhos e planos que ela não compreendia.
Algumas pessoas podem não concordar que aquilo foi uma oração.
Não tinha palavras mágicas, nem nada retirado de um livro. Foram palavras banhadas em lágrimas e repletas de sentimento. Em alguns pontos, um pouco de cobrança e frustração. Falou com Rafael e lhe disse que ele estava lhe devendo essa, porque nunca sequer apareceu para tentar ajudar.
Quando abriu os olhos, sentia-se melhor, mas nada lhe pareceu diferente.
Sua mãe bateu na porta levemente e entrou, avisando que iria se atrasar para o cinema e seu pai lhe daria uma carona. Arrumou-se sem vontade e
colocou o caderno, o lápis e a borracha, seus fiéis companheiros, dentro da bolsa. No carro, seu pai puxou conversa.
– Pensei em sairmos amanhã, o que acha?
– Não tem trabalho? – perguntou ela, sem muito interesse.
– É feriado, desligada... Pensei em fazermos um piquenique na
Floresta da Tijuca. Dessa vez, seu tio Marcel disse que também iria.
Dulce não respondeu. Ao invés disso, olhou pela janela, onde pessoas passeavam com seus cachorros e crianças brincavam numa praça.
– E então?
– Então o quê?
– Vem conosco amanhã?
– Vou.
Seu pai deu um suspiro quando o sinal ficou vermelho e eles esperavam. Um menino de uns seis anos atravessava a rua e olhou para
Dulce. Deu-lhe um grande sorriso e lhe mostrou o brinquedo que carregava orgulhoso, um dragão púrpura e violeta. Dulce o acompanhou
até que o sinal abrisse e ela o perdesse de vista.
Pouco depois, seu pai estacionava para deixá-la na frente do shopping.
– Me avise que eu venho de buscar.
– OK.
Ela já ia sair quando ele a puxou pelo braço levemente. Ela esperou que ele falasse, mas as palavras pareciam ter fugido.
– Eu queria poder ajudar – disse por fim. – Ver você triste me parte o coração e eu queria poder ajudar. Mas, meu anjo, não faço a menor ideia de
como. Então, se você puder ajudar seu velho pai e dizer o que eu posso fazer, por favor, diga.
Dulce sorriu gentilmente, grata pela atenção que nem sempre percebia que recebia. Então se inclinou e abraçou o pai, dando-lhe um beijo carinhoso no rosto.
– Eu aviso.
E saiu do carro. Acenou para ele enquanto partia. Parou na frente das grandes portas de vidro onde pessoas entravam e saíam, falando sem
ouvir, comprando sem precisar, mas parecendo infinitamente mais felizes do que ela. Não sentiu vontade de entrar. Então, simplesmente virou-se e
andou na outra direção. Ligou para as amigas – na verdade, colegas que se comoveram com sua tristeza e tentavam introduzi-la sem muito sucesso ao grupo – e avisou que não iria. Não queria que elas ligassem para sua casa e preocupassem todo mundo.
Caminhou calmamente, sem rumo, até que parou numa encruzilhada. Olhou para todas as opções e não sabia para onde ir. Foi quando uma pena branca flutuou diante dela. Provavelmente de algum pombo, mas para Dulce era um pouco mais do que isso. A pena se ergueu novamente e dançou com o vento na direção da praça. Dulce a seguiu, atravessando as ruas com cuidado, até chegar na mesma pracinha que vira antes. Um cachorro grande, um collie, pulou nela para lhe fazer festinha, como se já a conhecesse. Ela o acariciou e o dono o chamou, pedindo desculpas caso ela tenha se assustado.
– Quem se assusta com um collie?... – murmurou Dulce, vendo-os se afastarem.
Perdera a pena de vista. Caminhou pela praça, vendo amorosamente as enormes árvores e as crianças nos brinquedos. Achou um banco vazio e
sentou-se. Amigos de idade jogavam damas. Um casal de velhinhos passeava de mãos dadas. Uma criança perdera o balão vermelho que subira
aos céus. Pegou o caderno onde os desenhos lhe faziam companhia. Começou a rabiscar. Nuvens, olhos, asas, castelos... Uma pena branca
flutuou novamente diante de seu nariz, e dessa vez pousou graciosamente em cima do caderno. Dulce parou. Pegou a pena e sentiu tanta saudade
que achou que ia gritar.
Mas não gritou. Simplesmente, ficou ali parada. Por vezes, pensava se estava louca. Se tinha inventado tudo aquilo, se tinha
sonhado e agora achava que o sonho era a realidade. Então, abria o baú no porão e olhava para o vestido lilás, agora lavado, com o qual dançara com ele. Levou horas para retirar as manchas de sangue, e pode-se dizer que o lavou com lágrimas, pois queria lembrar dele apenas na dança, não na morte. Também via a foto quase destruída que a acompanhou por toda a viagem. Era só o que tinha, mas era o bastante para lembrá-la que não
estava louca.
Só estava triste...
– Com licença, posso me sentar aqui?
– Dulce concordou com a cabeça sem olhar. Continuou olhando para a pena em sua mão. O som de crianças a fez olhar além da pena. Viu
meninas brincando e os pombos brigando por algumas pipocas da carrocinha próxima. Uma das crianças no carrossel lhe chamou a atenção.
Levantou a cabeça e tentou ver melhor. Jurou ter visto Eileen e seus cabelos dourados. Mas quando olhou melhor, era apenas uma criança.
Algo caiu aos seus pés e ela se inclinou por instinto para pegar. Ao mesmo tempo, a pessoa que sentara ao seu lado fez o mesmo e ambos
acabaram pegando ao mesmo tempo uma caneta vermelha. Enquanto fez isso, soltou sem querer a pena que voou para longe
– Obrigado! – disse a pessoa ao seu lado.
Dulce ainda estava olhando para a pena, lamentando tê-la soltado.
– Arrependida? – perguntou novamente seu companheiro de banco de praça.
Dulce não conseguiu responder. O coração parou por um momento e então ela finalmente olhou para quem estava ao seu lado. O rapaz
apontou para o caderno.
– Arrependida de ter vindo para cá buscar inspiração? – explicou-se ele. – Você não está desenhando...
Ela lhe entregou a caneta vermelha, sem conseguir deixar de olhar.
Era ele. Tinha certeza. Os mesmos olhos, o mesmo cabelo, o mesmo sorriso. No entanto, ele olhava para ela como se a estivesse vendo pela primeira vez. Tinha uma camiseta vermelha e um blusão aberto leve por cima e tinha um livro nas mãos.
– O que você desenha? – perguntou ele, percebendo que a moça continuava o encarando.
– Hum?
O rapaz apontou para o caderno.
– Só rabisco... – respondeu ela.
– Posso ver?
Ela entregou, esquecendo que no caderno também tinha desenhos de Chris. Será que ele lembrava? Será que ele se reconheceria? E se ele fosse
só um rapaz normal e não um anjo e achasse que ela era uma “personal stalker”?
Ele olhou tudo com atenção e não pareceu notar que alguns desenhos realmente se pareciam com ele.
– Você acredita nessas coisas? – perguntou ele. – Fadas, duendes, anjos?
– Coisas incríveis acontecem o tempo todo – respondeu ela, sem deixar de olhá-lo, desejando que ele a reconhecesse.
Ele lhe entregou o caderno.
– Você desenha bem. Tem muita imaginação.
E voltou a sua leitura. A moça continuou encarando, começando a deixá-lo desconfortável. Dulce percebeu e desviou o olhar. Olhou seus
desenhos. Então sorriu, fechando-o. Voltou a olhar para o rapaz lendo ao seu lado.
– Eu nunca o vi por aqui...
– Na verdade, acabei de chegar na cidade, ainda não conheço nada, então estou meio perdido...
Ele se virou para ela com um sorriso.
– Não me entenda mal, mas você poderia ser minha guia? Eu realmente não conheço nada por aqui!
Ela abriu um grande sorriso.
– Eu adoraria!...
Ele lhe estendeu a mão num cumprimento.
– Prazer, meu nome é Christopher.
– Christopher?
– É, eu sei,* Senhor dos anéis, Os vingadores, rende muita piada... A escola foi um inferno...
– Eu sou Dulce.
Eles sorriram e ele pareceu reconhecer algo nela que não conseguia identificar.
– Nós já nos vimos antes? – perguntou ele, genuinamente intrigado.
– Quem sabe? – respondeu ela com um sorriso. – É um mundo pequeno... Pequeno e cheio de coisas incríveis!
Ele sorriu e fechou o livro. Ela o convidou para comer alguma coisa e ele aceitou. Levantaram-se e caminharam sob os fachos de luz que
atravessavam as copas das árvores naquela tarde tranquila.
– O que você gostaria de comer? – perguntou ela.
– Sei lá... Você gosta de sanduíche de queijo? – perguntou ele.
– Gosto – respondeu ela, sorrindo. – Mas prefiro bolinhos!
* Ele diz isso, pois os nomes reais dos atores, que fizeram personagens nos filmes citados (Senhor dos Anéis, Os Vingadores), é Christopher.
FIM! *-*