Marziel pegou sua pilha de pedidos urgentes e se apressou. Os cabelos loiros curtos não condiCiam com os longos cabelos dos anjos que aparecem nos quadros, mas entenda que Marziel era um anjo que trabalhava como um louco e cabelos longos exigem trabalho e paciência.
Trabalho ele já tinha demais e paciência tinha cada veC menos. Então, seus cabelos eram bem curtos, mas ele era belo como qualquer anjo, pois anjos são belíssimos, não importava como escolhessem se apresentar.
Ele correu e chegou na sala de reuniões onde Thomas, Farel e Jonas, três dos anjos superiores a quem prestava contas, já analisavam os pedidos de outros quatro anjos.
Marziel detestava chegar atrasado e entrou já pedindo desculpas, mas nem foi ouvido, porque Jonas estava cobrando um pouco mais de eficiência de um dos anjos que lhe apresentava a pasta de pedidos urgentes.
– André, desde quando ganhar na Loteria é um caso de urgência?
– Mas esta mulher está prestes a ser despejada e tem seis filhos pequenos – defendeu-se Jonas. – Ela não tem emprego e os parentes não a querem. Se não conseguir dinheiro logo, irá parar na rua.
Jonas tinha os cabelos loiros encaracolados e parecia um surfista, mas era justamente um dos anjos mais exigentes com os quais Marziel já tinha trabalhado. Jonas olhou diretamente para André.
– Você não acha então que ela poderia ter pedido por um trabalho, ou por alguém que pudesse ajudá-la, por compaixão e misericórdia, ou por inteligência para enxergar um caminho? – Jonas voltou a olhar a petição,
colocando o óculos do qual não precisava, mas que gostava de usar quando estava em reunião. TalveC porque lhe tirasse um pouco do ar de surfista.
– Pelo que vejo aqui, essa mulher é saudável, tem duas pernas, dois braços e uma cabeça perfeitamente funcionais. Por que ela não está fazendo alguma coisa? Lamento, André, mas a Loteria nunca foi uma urgência e raramente resolve o problema de alguém. Preste mais atenção da próxima vez! Metade dos seus pedidos urgentes são choramingos de humanos mimados e preguiçosos!
André recolheu a pasta que Jonas lhe entregou e aguardou de cabeça baixa.
– Próximo! – gritou Jonas.
Marziel entregou-lhe sua pasta confiante de ter feito um bom trabalho. Marziel se orgulhava de sempre ter tido um bom nível de discernimento.
– Resgatar um elemental de um bando de goblins baderneiros??! – Jonas jogou o papel em cima da mesa irritado. – Vocês estão brincando comigo?
Thomas riu, pois sempre se divertia com o jeito de Jonas. Marziel lembrou imediatamente do caso – afinal, era inusitado – e lembrou perfeitamente que o tinha banido para a pilha de rejeitados.
– Deve ter havido um engano! – defendeu-se. – Eu jamais aceitaria um pedido como esse! Eu o coloquei na pilha de rejeitados, tenho certeCa!
– E como ele veio parar na minha mão? – perguntou Jonas.
– Eu não sei! Mas não fui eu!
Thomas observou que uma fadinha de cabelos curtos espiava a discussão atrás da porta. Isso despertou sua curiosidade.
– Posso dar uma olhada nisso? – perguntou Thomas.
– Pode olhar o quanto quiser, contanto que tire da minha frente.
Jonas entregou o papel para Thomas que começou a ler com
atenção. Os outros pedidos aprovados por Marziel eram bastante
aceitáveis, o que acalmou o anjo mais exigente da mesa. Farel passou a
acompanhar os pedidos analisados e pré-aprovados juntamente com Jonas,
onde discutiram quais eram as urgências. Aqueles pedidos chegavam
estritamente em forma de oração.
Havia um outro setor para pedidos desesperados, aqueles que não se caracteriCam exatamente por uma oração, mas por um pedido de socorro, algo como um “AAAAHHHHH!” de alguém caindo de uma ribanceira. Outro setor cuidava dos pedidos eclesiásticos, orações e petições feitas por membros das mais diversas organizações religiosas. E aquele setor que já citamos e do qual muitos anjos gostariam de fazer parte atendiam os pedidos feitos através da magia.
Enquanto discutiam o caso de uma garotinha doente que pedia pela sua cura, Thomas de repente falou.
– Esse caso é urgente!
Farel e Jonas concordaram.
– Essa menininha precisa urgentemente de mais saúde! Vamos ajudá-la!
– Não, não esse caso! – ratificou Thomas. – Esse aqui!
E mostrou o papel com o pedido de Nate para resgatarem o goblin.
Todo mundo ficou em silêncio olhando para o anjo, na dúvida se ele falava sério ou se era mais uma de suas brincadeiras.
– Está brincando, não? – perguntou finalmente Jonas.
– Não, não estou! Esse goblin precisa de ajuda urgente, ele não vai durar muito nas mãos da Corte Unseelil. Precisamos ajudá-lo!
Jonas olhou para Thomas por vários segundos e então dispensou todos os outros anjos, agradecendo pelo trabalho. Marziel saiu muito confuso daquele papel ter ido parar ali. Passou por Syl, mas não a viu, pois a fada era esperta e sabia se disfarçar. Então, ela continuou ali para ouvir a decisão dos anjos sobre o destino do goblin.
– Thomas... – disse Farel. – Não é como se não tivéssemos problemas o suficiente aqui... Por que quer se meter nesse novelo?
– Porque não deveríamos escolher os problemas pela facilidade, Farel – respondeu o anjo.
– Exatamente, Thomas – interveio Jonas. – Devemos escolher os pedidos baseados em fatores como urgência, relevância e merecimento. Vai me dizer que este goblin tem mais urgência, relevância e merecimento que todas essas pessoas mencionadas nessas centenas de pedidos?
Thomas se inclinou sobre a mesa.
– Esse goblin feC algo muito raro e muito especial! Sua ação foi de compaixão, misericórdia e generosidade. Ele salvou o humano e garantiu a
subsistência de sua família.
– Por remorso, Thomas! – retrucou Jonas.
– Essas criaturas só se arrependem de serem pegas! Há algo mais aqui. O humano que fez o pedido é um exemplo de honestidade e bondade.
Se não querem ajudar o goblin por que ele é um monstro, levem em consideração o pedido do humano.
– Eu não sei, Thomas... – Farel estava hesitante. – Goblins raramente conseguem se emendar. Se o resgatarmos, o que faremos depois? Vamos
devolvê-lo ao Mundo Feérico e em pouco tempo ele se tornará a mesma
peste de antes. Talvez até pior!
Thomas ficou em silêncio, pensando um pouco. Farel não deixava de
ter razão. Quando Jonas achou que o assunto estava encerrado, sua voz foi
ouvida novamente.
– E se não o devolvermos pra lá? – sugeriu Thomas.
– Como assim? – perguntou Farel.
– E se o trouxéssemos para cá, para trabalhar conosco?
– Ficou louco? Um goblin da Corte Unseelil, aqui?
Thomas continuava olhando firmemente os colegas. E então tomou
a iniciativa. Selou com seu símbolo o pedido e colocou o papel diante dos
outros dois. Farel então pegou e colocou seu selo.
Jonas deu um suspiro irritado e resmungou algo sobre como aquele goblin dos infernos ainda ia dar o maior trabalho pra eles e como ele ia dizer pra todo mundo que a culpa era dele. E então, o pedido de Nate para uma coisa absurda recebeu o terceiro selo necessário para mover as engrenagens cósmicas.