Fanfics Brasil - Capítulo 2 - Um Lugar Pra Chamar de Lar O Medo de Olhar Para Trás

Fanfic: O Medo de Olhar Para Trás | Tema: Romance,


Capítulo: Capítulo 2 - Um Lugar Pra Chamar de Lar

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   Eu bati a porta do carro com força, quando saí. Andei decidido até o local onde Tyler estava. A praça estava vazia naquele dia. O céu nublado e escuro não era muito acolhedor para um passeio no parque, portanto, a maioria das pessoas estavam dentro de casa, assistindo televisão ou aproveitando para dar uma organizada nos quartos. Mas Tyler estava ali, com mais dois de seus amigos imprestáveis. Estavam sentados na parte alta do encosto do banco, Tyler com o capuz do casaco jogado por cima da cabeça. Nenhum dos três viu quando cheguei por trás e lancei um tapa do lado da orelha de Tyler. O garoto se desequilibrou e caiu do banco. Os dois amigos, assustado, se afastaram e me encararam, surpresos por me verem ali.


   — Pai! O que você está fazendo aqui?


   Ele nem se preocupou em largar o cigarro enrolado em sua mão.


   — Você é retardado, ou o quê? Tyler...


   — Que merda, pai!


   — “Que merda, pai?” — Repeti — Tá de sacanagem comigo, não é, Tyler? Você não pode estar falando sério...


   — É só maconha, pai, relaxa...


   Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Eu sentei no banco, cansado, a cabeça começando a doer. Segurei-a com minhas mãos e fiquei encarando meu pé. Tyler se livrou do que restou do cigarro, e os amigos aos poucos se afastaram, deixando-o sozinho ali, comigo.


   — Eu não sei mais o que fazer, Ty. — Falei, olhando para o outro lado.


   Naquele momento meu celular tocou. Coloquei a mão no bolso do casaco e o puxei para fora. Encarei o número por um tempo, antes de recusar a chamada.


   — Me desculpe, — Murmurei baixinho, quase que para mim mesmo — me desculpe, me desculpe, me desculpe. Eu juro que tentei, me desculpe...


   Tyler me ouviu, porém, e seu olhar adquiriu um ódio sombrio.


   — PARA COM ISSO! — Ele gritou, dando um soco em meu braço — PARA DE PEDIR DESCULPAS COMO SE ELA AINDA PUDESSE OUVÍ-LO!


   Ele foi embora, correndo atrás dos amigos, e me deixou sozinho ali. O banco se tornou um lar para mim. Continuei sentado por quase uma hora apenas imaginando como tudo poderia ter sido diferente. Tudo o que eu queria era um caminho bom pra seguir feliz. Uma estrada que pudesse me levar á algum tipo de felicidade.


   Voltei para casa sozinho naquela tarde. A parede de pedra estava fria e úmida, assim como o ambiente dentro da casa. Sentei-me no sofá e liguei a televisão, sem realmente prestar atenção no que estava passando. Fiquei apenas imaginando como tudo poderia ter sido diferente se algumas de minhas decisões tivessem sido diferentes.


   Naquela noite, quando Tyler chegou, não nos falamos. Ele foi direto para o quarto e se trancou batendo a porta atrás de mim. Eu havia feito a janta, mas ela ficou sobre a mesa, intocada. Guardei tudo na geladeira e mais uma vez meu celular tocou. O mesmo número de antes. Não fazia ideia de quem era. Não atendi novamente.


   Fiquei pensando, raciocinando uma forma de encarar essa situação. Não fazia a menor ideia de como iria me aproximar, abordar o assunto, o que falar. Eu estava completamente perdido ali. Precisava de ajuda.


   O celular tocou mais uma vez. O mesmo número que me ligara durante todo o dia, continuava a insitir. Ficar parado ali não ia adiantar nada, então, respondi á chamada:


   — Alô?


   — Erick? — Respondeu a voz do outro lado — Meu Deus, sua voz não mudou nada nesses últimos quinze anos...


   Era Isadora...


 


***


 


   Quinze anos haviam se passado desde a última vez que vi Isadora, no dia em que a deixei na casa da senhora Muller. Eu havia partido e nunca mais havia olhado para trás. E agora, depois de todo esse tempo, lá estava ela, parada diante da soleira de minha porta, uma mulher linda, em seus vinte e oito anos, elegante, cheia de postura e um olhar poderoso e forte. Vestia um terno bege e uma saia longa combinando e andava sobre um salto agulha marrom escuro que a deixava com um ar de promotora.


   — Meu Deus do céu, não posso acreditar no que meus olhos vêem. — Ela sorriu e me abraçou. Há muito tempo eu não era abraçado por Isadora e seu cheiro entrou em minhas narinas e lembrei da menina doce e carinhosa que minha irmã era quando jovem — É mesmo você, Erick?


   — Acho que sim. Pelo menos é assim que as pessoas me chamam.


   Ela riu e a convidei que entrasse. Passamos longos minutos conversando sobre o tempo perdido. Descobri que Isadora havia sido cuidada pela senhora Muller, até que o traste do meu pai pediu que a vizinha devolvesse a criança. A senhora Muller entrou com um processo pela guarda dela, e logo a Assistência Social comprovou que meu pai não tinha condição de cuidar de uma criança como Isadora. A senhora Muller ganhou o processo e Isadora passou a viver com ela. Segundo Isadora ela foi uma mãe para a menina. Havia criado-a muito bem, e deu tudo o que ela precisava. Um pouco atrasada pelo tempo perdido em que morávamos com nosso pai, Isadora formou-se com louvou no Ensino Médio e logo passou para a faculdade local onde estudou Serviço Social. Já no seu primeiro ano, Isadora formou um grupo de auxílio a menores abandonados e mal tratados pelos pais. Aquilo me emocionou. Ela lutava para que ninguém passasse pela mesma coisa que nós passamos. E no caso dela, duas vezes, graças a mim.


   — E quanto a você, irmãozinho? O que tem feito esse tempo todo?


   Eu não queria falar do passado. Não suportava a ideia de voltar a ele.


   — Ah, você sabe, andando de um lado para o outro, nunca fico muito tempo no mesmo lugar. Arranjo pequenos trabalhos aqui e ali, e tento dar o melhor para o Ty, por mas isso está ficando cada vez mais difícil.


   — O que isso quer dizer?


   — Tyler tem se envolvido com coisas... perigosas.


   — Drogas?


   Afirmei com a cabeça, sem olhar para ela diretamente. Apenas lembrava de todos os problemas que tivemos até agora.


   — Não sei mais o que fazer, Isa.


   — Talvez você precise de um novo ambiente. Levá-lo a algum lugar seguro. — Ela olhou para mim, e disse com cuidado as palavras seguintes. — Talvez você precise leva-lo para casa.


   Eu olhei para ela. Senti o pulso acelerar e a garganta fechar. Até mesmo respirar ficou difícil pra mim naquele momento. A ideia de voltar para aquele lugar me incomodava quase instintivamente.


   — Estamos em casa, Isa. Esse é nosso lugar, é aqui que vivemos e tentamos fazer a vida dar certo.


   Ela me olhou, como se eu tivesse acabado de falar uma grande estupidez.


   — E olha como você têm sido bem sucedido até agora, Erick. Não tem emprego, seu filho está envolvido com drogas...


   — Você não sabe pelo que ele têm passado...


   — Claro que não, porquê você afastou ele de mim e não me deixou nem mesmo conhecer meu sobrinho, não é? Ah sim, logo depois de ter me abandonado com aquele merda que chamamos de pai.


   Eu senti a raiva e a dor de meus atos me dominarem. Era um monstro que vivia dentro de mim, e que por muitos anos me destruiu por dentro. Durante anos eu travei uma batalha épica contra ele e finalmente, depois de muitas lágrimas escondidas eu finalmente consegui vencer. E por muitos anos ele se manteve adormecido, na parte mais escura e esquecida de minha lembrança. Mas agora ele despertava novamente, trazendo toda a dor e sofrimento que eu vivi de volta.


   — Isadora, me desculpa... — Eu senti as lágrimas se formarem no canto dos olhos, e minha voz ficou embargada pelo choro. — Eu não queria... Eu... Não sabia como... Eu... precisava...


   — Ei, Erick... Está tudo bem. Eu tive uma ótima infância com a senhora Muller. Ela foi uma verdadeira mãe para mim.


   — Me desculpa por ter te abandonado... Eu simplesmente não sabia o que fazer. Eu precisava sair de lá.


   — Eu sei, Erick. Senti raiva de você por muito tempo, depois que me deixou com a senhora Muller, mas eu cresci e entendi isso. Eu te entendo perfeitamente. Eu teria feito o mesmo.


   Eu olhei para ele e dei um meio sorriso, agradecido. Ela havia se tornado uma mulher, e eu havia perdido isso tudo. Eu queria me reconectar, no fundo queria, mas sabia que para isso eu teria que voltar para aquele lugar.


   — É hora de voltar, Erick.


   — Eu não vou voltar. Não quero ter que olhar para aquele homem novamente. Eu não suportaria a ideia disso.


   — Você não vai precisar, Erick. Ele morreu.


 


***


 


   Quando Tyler chegou em casa naquele dia, ele estranhou a mulher na casa. Eu apresentei ele á sua tia e ele ficou surpreso.


   — Eu tenho uma tia? Porque você nunca me falou dela antes?


   Criei coragem para responder aquela pergunta.


   — Porque isso incluiria relembrar um passado que eu luto pra esquecer.


   Isadora me olhou e viu que eu fiquei abalado com a simples menção ao meu passado. Incrível como tantos anos depois uma ferida ainda podia doer tanto.


   — É um prazer te conhecer, tia Isadora.


   Instintivamente, eu e Isadora caímos na gargalhada. Tyler ficou nos olhando, sem entender o motivo da graça.


   — Eu nunca pensei que fosse ouvir essas palavras um dia. — Disse Isadora — Mas também é um prazer te conhecer, sobrinho.


   Eu ri novamente, e disse:


   — Vou preparar uma janta pra gente, ok? Tyler, pode me fazer um favor? Vá ao mercado e compre algumas coisas que estão faltando?


   — Claro, sem problema. — Ele ainda parecia irritado quando falava diretamente comigo, mas pelo menos ele sabia a hora de discutir e a hora de fingir que estava tudo bem. Eu fiquei grato por isso, não queria que ele fizesse uma cena na frente de Isadora, não depois de tanto tempo. Ele pegou dinheiro na minha carteira e eu entreguei uma lista com alguns itens que eu precisava para preparar a janta. Saiu logo em seguida me deixando novamente sozinho com Isadora.


   — Ele parece um bom menino.


   — Ele é. Não sei porque foi se envolver com essas porcarias.


   Isadora me olhou.


   — Eu vejo isso o tempo todo, Erick. Acredite ou não, aquele lugar cresceu todos esses anos e os problemas vieram junto. Eu participo de uma ONG que ajuda famílias carentes, temos patrocinadores de todo o país e isso nos ajuda a melhorar as condições e oportunidades da família. Em muitas delas existem jovens envolvidos com drogas e tentamos ajuda-los a sair dessa, se recuperar. Sempre que perguntamos eles dizem a mesma coisa, que entraram nessa pra fugir dos problemas.


   — O que um garoto de quinze anos pode ter de problema, Isa?


   — O mundo, Erick. O mundo é um grande problema pra eles. Cada dia que passa eles estão mais perto da independência, de ter que encarar o mundo de perto, e acredite ou não, isso é muito assustador. Muitas dessas crianças tem medo de perguntar ou de se sentirem excluídos e ter que enfrentar tudo isso sozinho, e se eles não tiverem uma família que os ajudem, eles irão recorrer aos amigos, e isso pode ser um problema. Os amigos tampouco sabem o que fazer.


   “Erick, a droga pode ser libertadora. Por dez ou vinte minutos, talvez menos, eles se sentem livre de toda essa pressão, de todo esse medo e desse monstro que os assombra chamado “mundo”. Por isso muitos deles se viciam, porque sempre que eles usam eles não precisam temer isso. E isso pode ser reconfortante.”


   Eu nunca havia pensado daquela maneira. Achava que a droga era apenas uma brincadeira, mas era muito mais do que isso. Era uma válvula de escape, uma forma de fugir da vida. Eu não poderia deixar Erick cair nessa.


   — Eu não sei o que fazer para ajuá-lo, Isa.


   — Eu sei, Erick. Eu posso ajuda-lo, tenho recursos para isso. Mas eu não posso fazer isso com ele aqui.


   Mais uma vez, Isadora me colocava em cheque, e mais uma vez a vida me colocava diante de um impasse: voltar significaria encarar meu passado e tudo o que eu lutei tanto para esquecer. Mas também significaria ajudar Tyler, não deixar que ele se autodestruísse.


   — E para onde eu iria? Não posso voltar para aquela casa.


   Ela abriu a bolsa e me entregou um envelope que tirou de dentro. Eu abri o envelope e tirei uma folha de papel que estava dentro. Era um cheque no valor de cem mil dólares.


   — O que é isso, Isadora?


   — Metade do valor da casa. Eu a vendi logo depois que papai morreu. Eu já não morava lá mesmo, e tampouco queria voltar para lá. Esse dinheiro é seu. É mais do que suficiente para você recomeçar lá, Erick. Você precisa voltar, irmãozinho.


   Eu fiquei encarando o cheque. Em seguida olhei para Isadora. Isadora me disse que morava em um apartamento no centro da cidade. Havia um outro apartamento do lado do seu que estava desocupado e que se eu quisesse poderia voltar a trabalhar na oficina onde trabalhava durante a adolescência. Tyler poderia ajuda-la na ONG e ela poderia observar ele de perto e ajuda-lo o tempo todo, mostrando a realidade para ele. Ele viveria a realidade e ela ajudaria a evitar que ele tivesse a mesma.


   E por um momento tudo aquilo parecia perfeito.


   Tyler chegou logo depois. Ele trazia várias bolsas de mercado com o material que eu pedi. Enquanto eu preparava a janta, ele sentou-se no sofá com a tia e os dois passaram muito tempo conversando juntos. Tyler parecia genuinamente feliz. Mas sempre que olhava pra mim, eu podia notar o olhar de reprovação que ele me dava. Aquilo me feriu, mas ver os dois tão bem, me fez pensar novamente na ideia de voltar pra casa. E pela primeira vez, eu me flagrei pensando naquele lugar como casa.


   Preparei a minha cama para que Isadora dormisse, e peguei um lençol e um travesseiro e fui me deitar no sofá da sala. Eu encarava o ventilador de teto, e meu olho acompanhava a rotação da hélice, quando ouvi uma voz atrás de mim.


   — Tia Isadora me contou que ela convidou você pra ir pra cidade dela. — Eu me levantei e sentei-me no sofá, liberando espaço para que ele se sentasse ao meu lado. — Então... está considerando a possibilidade?


   — Você gostaria que fôssemos?


   — A minha opinião interessa, agora? — Perguntou ele, irritado.


   — Ela sempre interessou, Ty. Na realidade, ela sempre foi a única que importou nessa família.


   — Que família? Sempre fomos só nós dois. Pulando de lugar em lugar, de cidade em cidade. Nunca tive tempo de fazer amigos, porque quando começava a ter, era hora de nos mudarmos. Nunca namorei por isso. Nunca tive um lugar pra chamar de lar. E você ainda diz que minha opinião importa?


   Aquilo me atingiu em cheio. Eu nunca tinha pensado daquela maneira.


   — Você não chama esse lugar de casa?


   — Até quando nos mudarmos de novo? Eu prefiro nem me dar o trabalho. Assim é menos coisa que eu perco depois, quando nos mudarmos de novo.


   — Tyler... me desculpe. Eu não sabia...


   — Claro que você não sabia. Você acha que você é a única pessoa com problemas, não é?


   — Eu sempre lutei para ser um bom pai, Ty. Sempre tentei te dar o melhor. — Ele não me respondeu. Apenas ficou me encarando — Sabe, voltar será muito difícil pra mim. Mas se você quiser, eu estou disposto a fazer isso, por você.


   — Eu gostei da tia Isadora, e ter ela por perto vai ser legal. Mas eu só quero ir se você me prometer que não iremos mais embora.


   Eu olhei para ele. Olhei em seus olhos e pude ver, pela primeira vez em tantos anos, um brilho de esperança, quase uma felicidade dentro dele.


   — Eu prometo, meu filho. Será nossa última mudança.


   Ele sorriu e pela primeira vez em muito tempo, ele me abraçou. Na manhã seguinte, quando Isadora acordou, nossas malas estavam prontas para a mudança e Tyler encaixotava algumas coisas importantes que precisaríamos levar pra casa.



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Autor(a): raphaelaguiar91

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