Fanfics Brasil - Capítulo 12 - O Velório As Crônicas da Cidade Maldita

Fanfic: As Crônicas da Cidade Maldita | Tema: Vampiros, Terror, Suspense,


Capítulo: Capítulo 12 - O Velório

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Residência dos Silver, Barricade — 1996


Elizabeth Silver


Assim que a sirene começou a ecoar pela cidade eu tratei de correr para dentro de casa. Tranquei a porta e agarrei uma cruz de prata que estava dentro de uma caixa aberta na sala de estar. Com a cruz nas mãos, corri para a cozinha e abri a porta que levava para o porão. O cheiro de mofo era forte ali, mas eu preisava me esconder. Tranquei a porta do porão e fui para um canto escuro. Fiquei ali por horas. Sentada no escuro, esperando o que aconteceria. Milhares de situações passando pela minha cabeça e em cada uma delas, a pergunta: “Onde está Jonathan?”. Eu tremia de frio. Ao longe, pela pequena janela que dava para o jardim dos fundos, eu ouvia a sirene tocar sem parar.


Uóóóóóóóóóóóóóm.


Entre os gritos da sirene, eu ouvia carros de polícia e muitos tiros. Por uma ou duas vezes, eu achei ter ouvindo gritos de pessoas, mas eu já não sabia mais o que eu realmente ouvia ou o que imaginava. Só havia uma coisa que era certa naquele momento: o medo. O medo por estar sozinha. O medo por não saber o que estava acontecendo. O medo por não saber onde meu marido estava. O medo de algumas daquelas coisas entrarem na minha casa. Eu não saberia o que fazer. Eu não saberia como enfrenta-los. E provavelmente seria meu fim.


Uóóóóóóóóóóóóóm.


A noite se arrastou. Os minutos pareciam horas. As horas pareciam dias. Quando a manhã finalmente chegou, e os primeiros raios de sol atravessaram a janela, eu ainda não havia conseguido pregar o olho. Ainda tremia e chorava incontrolavelmente, e nenhum sinal de Jonathan.


Fui até a porta que dava para a cozinha e coloquei o ouvido sobre ela. Não ouvi nada. Rodei a chave o mais silenciosamente que pude, e abaixei a maçaneta. A porta fez um estalo e eu prendi a respiração, e parei para escutar se algo havia se mexido. Nada. Puxei a porta que se abriu lentamente, rangendo baixinho sobre as dobradiças. A cozinha estava bem iluminada. Se um dos vampiros tivessem entrado ali, com certeza não teria sobrevivido naquele sol. Não era isso que as notícias diziam? O sol os feria, e os queimava até a morte. Então, ali não teria condição de nenhum deles sobreviver.


Corri para a janela e olhei para fora. A rua ainda estava deserta. Joguei a cruz de prata que havia agarrado na noite anterior em cima do balcão da cozinha, abri a porta da cozinha, que dava para os fundos da casa. Saí para a manhã clara e sem nuvens e dei a volta na casa, indo para a rua que eu deveria chamar de minha.


Uma cabeça surgiu em uma janela do segundo andar de uma casa, e minutos depois uma porta se abriu na casa ao lado, revelando uma senhora idosa e que ainda vestia camisola.


Era a senhora Todd. Olhei e acenei, indicando que estava tudo bem. A senhora veio até mim, ainda descalça e com um semblante de medo e preocupação, olhando para todos os lados.


— Será que eles ainda estão por aqui? — Perguntou ela, olhando para as árvores ao redor.


— Acredito que não. — Respondi, voltando meu olhar para o Muro que aparecia por sobre a casa onde eu morava — Mesmo a essa hora, o sol está muito forte. Não acho que eles aguentariam.


— É... acho que você tem razão.


Mais algumas portas se abriram e outras pessoas começaram a surgir pela rua. Em meia hora, toda a vizinhança estava reunida do lado de fora, especulando o que possa ter acontecido.


— O canal de TV local ainda está fora do ar. — Disse um homem que acabava de sair de dentro de uma casa, dois números abaixo da minha.


— A rádio também não diz nada. — Disse uma menina que vestia uma camisa do Led Zeppelin e calças rasgadas no joelho e carregava um walkman gigante pendurado na cintura. — Está tocando Everybody dos Backstreet Boys. Seria melhor que estivesse só na estática.


Em menos de dez minutos surgiram dezenas de especulações acerca do ocorrido na noite anterior, e logo depois, mais uma dezena de teorias da conspiração, envolvendo o governo e traições entre os militares. Uma ligeira desavença começou a surgir.


Mas tudo isso foi interrompido pelo som de motores andando pelas ruas. Olhamos para o cruzamento que nossa rua fazia com outra, mais movimentada, alguns metros de onde estávamos. Um caminhão militar com a traseira coberta por uma lona preta parou na esquina e dezenas de pessoas começaram a sair por trás. Todos vestidos com roupas de soldados. Alguns poucos feridos. Todos com cara de cansados e vitoriosos.


Algumas das pessoas que estavam comigo saíram correndo e abraçaram os soldados que chegavam depois da noite de luta na cidade. Aos poucos, todas as famílias se reuniram com seus parentes militares. Eu olhei em volta para ver se Jonathan estava entre eles. Nenhum sinal dele até então. Um segundo caminhão parou atrás do primeiro e mais pessoas saíram dele. Novamente a correria de outras famílias e a comoção do reencontro após o medo de não reverem mais as pessoas que amavam.


Nenhum sinal de Jonathan. Assim como eu, a senhora Todd não foi ao encontro de ninguém. Uma sensação estranha começou a me atingir e um olhar torto aqui e um comentário cochichado ali, sempre acompanhados de uma expressão de piedade, não ajudaram nada. A senhora ao meu lado começou a chorar incontrolavelmente. Eu evitei olhar. Sabia o que aquilo significava.


Corri para dentro de casa novamente. Bati a porta da cozinha atrás de mim e fui para o quarto. As lágrimas rolavam pelo meu rosto. Sentei no pé da cama, e coloquei a mão no rosto, apoiando o braço no joelho.


Jonathan estava morto. Eu sabia disso. Sabia o que tudo aquilo significava. Eu nunca mais veria meu marido novamente. Eu chorava incontrolavelmente. A manhã se arrastou mais que o dia, e mesmo com a sensação ruim na boca do estômago, eu não parava de espiar pela janela, na esperança de ainda ver Jonathan andando pelo jardim de nossa casa, que ele ainda não conhecera. Vê-lo atravessando o gramado, até a porta da frente, abrindo-a e olhando minha cara de aflição e sorrindo, me chamando de medrosa como ele sempre fazia, e lançando aquele olhar torto que eu tanto amava. Depois me abraçando e me dando um beijo.


Mas isso não aconteceu.


Ao invés disso, dois homens apareceram, ambos vestidos com o uniforme do exército, por volta de quatro horas da tarde. A campainha tocou e eu corri para atender. Um era alto e com boa aparência. O outro, bem mais baixo, e não tão bonito. O mais baixo olhou para mim e perguntou:


— Senhora Silver? Elizabeth Silver?


— Sim, sou eu.


— Eu sou o Tenente Corby e esse é o Tenente Jeremiah. Trazemos notícias de seu marido.


O velório foi na manhã seguinte. O cemitério de Raven Hill, que ficava próximo ao lago, era um lugar tranquilo e respeitoso aos seus habitantes. Houve uma homenagem a todos os mortos da noite anterior. Trajava um vestido preto longo, e estava sentada na segunda fila de cadeiras reservadas para as viúvas. A palavra me atingiu como um soco no estômago. Uma semana de casada e eu era uma viúva. Haviam cerca de quarenta caixões no memorial, todos cobertos com uma bandeira dos Estados Unidos. Duas fileiras de soldados faziam um caminho até os caixões e seguravam rifles nos braços.


. Eu havia visto quando a senhora, minha vizinha, chegou de táxi e sentou-se umas três fileiras atrás de mim. Eu não tive coragem de ir falar com ela. Quando uma das viúvas acabou de fazer um discurso, os soldados começaram a sua homenagem, sob as ordens dos gritos de um comandante. Tiros foram dados para o alto, em homenagem aos soldados mortos e os caixões, aos poucos, foram descendo em suas respectivas lápides.


Meia hora depois, eu era uma das poucas pessoas que continuavam ali. Eu fiquei encarando a lápide diante de mim:


Johnathan Elliot Silver


21/08/1964 – 19/09/1996


Amado marido e filho.


Honrado soldado.


Eterno herói


As lágrimas escorriam por meus olhos continuamente. Eu não conseguia me mover, e até respirar parecia difícil naquele momento. Era como se meu corpo não sentisse mais vontade de viver. Senti quando alguém se aproximou por trás de mim e me virei para olhar quem era. Havia um senhor na casa dos sessenta anos, vestia um terno preto e com olhos vermelhos e olheiras profundas marejados de lágrimas e estava encarando a lápide de meu marido de cabeça baixa.


— Francis! — Falei, surpresa com a presença de meu sogro ali — Não sabia que o senhor estava aqui!


— Eu vi você sentada na segunda fileira. Não quis interromper seu luto com minha presença.


— O luto é tão meu quanto seu. — Falei, enquanto o abraçava amigavelmente. — Ele era seu filho!


— Ele era seu marido!


Olhei para Francis. Eu sabia que ele e Jonathan tinham um relacionamento conturbado, mas mesmo assim, eu via o sofrimento nos olhos dele. Por mais que eles tivessem problemas no passado, Francis ainda era um pai que havia perdido seu filho, e essa era uma dor que nenhum pai deveria sentir. Era naturalmente errado. E diante de uma lápide, uma briga de família ganhava a real importância que tinha para uma pessoa que amava: nenhuma.


— Ele te amava muito, Francis! — Ele não disse nada. Apenas me encarou. — Da última vez que conversamos sobre você, ele me disse que gostaria de se perdoar com você por tudo, ter uma conversa de pai e filho, e te dar um abraço apertado. — Francis desviou o olhar e encarou os próprios pés. — Ele te amava muito, mesmo com tudo o que aconteceu entre vocês. Ele não deixou que o passado afetasse o que ele sentia por você.


Francis não respondeu.


— Durante nossa lua de mel ele me disse que viu você sentado no fundo da igreja. Ele ficou tão alegre que você estava lá. Foi tão bom ver aquele sorriso no rosto dele.


Francis se assustou com a revelação. Ele havia entrado escondido no meio da cerimônia sem chamar a atenção, para que o filho não o visse, mas Jonathan o viu e fingiu que não, e só me contou quando voltávamos para casa, após o casamento.


— Porque está me contando isso? — Perguntou ele, mudando a voz para um tom um pouco mais agressivo.


— Achei que gostaria de saber. — Respondi, surpresa com a resposta.


— E tornar tudo muito mais difícil de superar?


Olhei chocada para Francis.


— Sabe porque você e Francis nunca deram certo? — Respondi, voltando meu olhar para o túmulo, e sentindo uma raiva tomar posse de mim — Por que você é o filho da puta mais egoísta que eu conheço. — Aquelas palavras surpreenderam até a mim. — Seu filho foi morto e tudo o que você consegue pensar é em como vai superar isso? Sempre você em primeiro lugar, Francis. Por isso Jonathan se afastou. Ele temia ser igual a você! E ainda assim ele te amava...


Francis me olhou assustado e eu vi quando os olhos dele se encheram de lágrimas. Ele tornou a encarar os pés, mas não disse nada. Apenas se virou e saiu de perto do túmulo, andando em direção aos portões do cemitério.


Fiquei olhando Francis ir embora. Uma raiva me dominando pelo egoísmo dele, e outra me socando por eu afastar a única família de Jonathan de perto de mim. Voltei meus olhos para o túmulo de meu marido, e comecei a chorar, pedindo desculpas. Fiquei ali por um bom tempo ainda.


Cerca de meia hora depois, eu era a única que ainda estava no cemitério. Me levantei e me virei para ir embora. Quando cheguei no portão do cemitério, um táxi estava me esperando para me levar até em casa. Mas antes que eu pudesse entrar no veículo, alguém colocou uma mão sobre meu ombro. Me virei. Havia um homem alto, vestindo um terno preto me encarando.


— Você é Elizabeth Silver?


— Sim — Respondi.


O homem sorriu simpaticamente, e não disse nada. Apenas me estendeu um envelope pardo, e agradeceu, sem se apresentar e sem dizer mais nada, virou-se e foi embora.


Fiquei encarando aquele homem pelas costas, sem entender muito bem o que tinha acontecido. Entrei no banco de trás do táxi e disse o endereço da casa de Barricade. O táxi começou a andar e então olhei para o envelope em minhas mãos. Na frente havia as inicias E.S. escritas à caneta. Abri o envelope e puxei uma folha de papel ofício. Era uma carta, curta e direta:


“Se quiser que seu marido retorne vivo,


me encontre no seu antigo apartamento, ao


pôr do sol desta sexta feira.”


Não havia assinatura abaixo, muito menos data ou qualquer coisa do tipo. Senti meu estômago embrulhar e se retorcer dentro de minha barriga. Olhei dentro do envelope e vi que havia um outro pedaço de papel, menor que a carta dessa vez. Era uma foto de Jonathan deitado numa cama. Um tubo de respiração saindo de dentro de sua garganta. Seus olhos fechado como se ele estivesse em um hospital ou algo do gênero. Olhei a data da foto, a um canto. Era daquele mesmo dia, cinco horas mais cedo.


Jonathan estava vivo.



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Autor(a): raphaelaguiar91

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