Fanfic: As Crônicas da Cidade Maldita | Tema: Vampiros, Terror, Suspense,
Clube Last Kiss, Centro da Cidade — Atualidade
Andrew Goodman
Quando eu abri os olhos novamente, senti minha cabeça latejar como antes. Aquilo estava começando a irritar. Quantas vezes mais eu desmaiaria antes da noite acabar? Eu tentei me lembrar do que havia acontecido dessa vez, mas eu estava confuso. E de repente tudo voltou.
Eu estava saindo da sala de Jensen, nós havíamos tido uma briga feia, e eu havia desistido de tudo, desistido de tentar reconquistá-lo e formar um laço de amizade com meu filho que há quase quinze anos eu não via. Eu estava atravessando o corredor quando a porta se abriu com um estrondo e um homem... não, dois homens, lembrei, me atacaram e me jogaram no chão. Eu bati com a cabeça e...
Olhei para trás e vi a porta do escritório de Jensen aberta. A mulher que me ajudara estava caída no chão, de uma forma estranha. Levantei-me e corri até onde ela estava. Quando a virei para tentar ajudá-la eu vi o corte profundo em seu pescoço de um lado ao outro. Vi a perna de Jensen por trás da escrivaninha de trabalho, onde antes os papéis estavam empilhados — agora, todos estavam jogados por toda a sala e sobre a mobília, alguns sujos de respingos de sangue — e levantei-me, largando a menina, mas antes mesmo que eu pudesse sair do lugar, senti algo frio e duro encostar em minha nuca. Me retesei e me virei lentamente, com as mãos a mostra para cima. O cano da pistola apontava para meu rosto. Do outro lado, segurando o gatilho, havia uma mulher linda, na casa de seus quarenta anos e com aparência nervosa. Ela não tremia, mas parecia não querer estar ali.
— Quem é você? — Perguntou ela, incisiva e implacável.
— O que está acontecendo?
— Quem é você? — Perguntou novamente, ignorando minha pergunta — Responda logo!
— Por favor, o que está acontecendo?
Ela engatilhou a pistola com um clique na trava do canhão e chegou ainda mais perto de mim, pressionando o cano em minha testa com força. O medo deu lugar ao pânico e minha respiração se tornou sufocante e difícil. A expressão da mulher assumiu uma raiva doentia e psicótica.
— Vou perguntar pela última vez — Disse ela, entre os dentes cerrados — quem é você?
— Andrew... meu nome... meu nome é Andrew...
— O que você está fazendo aqui? — Ela me encarava constantemente, a arma ainda em minha testa — Você matou essas pessoas?
— Não! — Aquilo me pegou de surpresa, Jensen estava morto? Eu ainda não havia conseguido vê-lo. Senti um frio na barriga me acertar em cheio e meu estômago se embrulhou. Era como se uma bola de demolição me acertasse em cheio — Claro que não! Eu fui atacado pelos dois homens.
— Que homens?
— Eles invadiram o local e me atacaram...
— Foram eles quem mataram os dois? — Ela apontou com a cabeça para os dois corpos. Não consegui olhar para Jensen. Seu pé aparecendo por de trás da mesa de madeira.
— Eu não sei... Por favor... Meu filho...
— FORAM ELES QUE MATARAM?
— Eu não sei! Eles me atacaram e eu desmaiei...
Ela me olhou, uma expressão de impaciência surgindo em sua face. Ela abaixou a pistola e se virou de costas pra mim.
— Saia daqui agora!
Olhei espantado para ela. Quem era aquela mulher que estava me ameaçando e me dando ordens á sua vontade? Eu tinha noção de que era ela quem estava segurando a arma, mas eu havia passado toda a minha vida tentando realizar um único objetivo, e agora, ele estava aparentemente morto atrás de uma mesa nos fundos de um clube. Eu não tinha mais nada a perder, então não sairia dali sem lutar. Observei enquanto ela se abaixava na menina degolada e analisava o corte.
— Eu não vou sair daqui até descobrir o que está acontecendo.
Ela parou o que estava fazendo. Se levantou e me olhou. Eu podia ver as chamas em seus olhos. Olhos de alguém que sofrera a vida inteira. Olhos de alguém que odiava falar como falava, agir como agia, fazer o que fazia e ser o que era. E eu sabia como usar aquilo a meu favor. Meu trabalho com os maiores criminosos de Raven Hill me ensinou alguns truques, e eu não era considerado o melhor sem motivo nenhum. Mas ela não ia deixar aquilo barato. Na cabeça dela, eu era a pobre vítima que estava na hora errada e no lugar errado, e eu deveria estar confuso, com medo ou ambos. Não que eu não estivesse, afinal dois homens me atacaram e mataram meu filho e a assistente, mas eu já havia visto coisa pior com todos os bandidos que eu defendera. Eu havia protegido assassinos, traficantes, pedófilos e estupradores, e uma vez, há seis anos atrás, uma pessoa com as quatro qualidades ao mesmo tempo. Então nada podia me derrubar com facilidade, principalmente uma mulher com uma raiva e personalidade difícil. E então bolei minha estratégia: eu ia descobrir quem havia matado meu filho.
— Você sairá por aquela porta, irá embora deste local e não abrirá sua boca para ninguém. Está entendido? — Ela me ameaçou, mas eu não me abalei. Mas não deixei que ela percebesse isso. Ao invés de me manter forte, fingi tremer e aparentei um choque que não sentia. E então forcei lágrimas a saírem dos meus olhos.
— Eu só quero descobrir o que aconteceu... com eles. — Eu precisava descobrir qual era o sofrimento que eu estava encarando de frente. Eu sabia que ela tinha um, seus olhos me diziam isso, mas qual era? Com tantos anos de carreira lidando com a escória da cidade, eu havia entendido que as pessoas que matam sempre tem um ponto fraco, e eles sempre são os mesmos: filhos, cônjuges e pais. Eu precisava descobrir qual deles era a dor dela — Nós estávamos comemorando o aniversário dele — Apontei com a cabeça para a mesa onde Jensen estava caído atrás — Meu filho... ele estava fazendo vinte e três anos hoje. Um garoto tão bom, trabalhador... — Ela não deixou se abater. Droga, pensei.
— Não quero saber o que você estava fazendo aqui — Ela me disse com olhos ainda em chamas.
— Você não entenderia. — Respondi, entre as lágrimas fingidas — Uma pessoa como você não deve ser capaz de amar.
Ela ficou em silêncio. Acertei em cheio, existe alguém.
— Eu vou embora — Falei, utilizando minha última cartada disponível — Apenas deixe eu me despedir de minha esposa.
Vi quando seus punhos cerraram com firmeza, as unhas cravando em sua própria mão. Me abaixei perto do corpo da menina morta, e coloquei a cabeça sobre seus seios. Seria até excitante se não fosse tão mórbido. Senti a mulher me observando pelas costas e por um momento ouvi sua respiração ficar mais pesada do que antes, como se respirasse fundo. Fingi chorar sobre o corpo de minha falsa esposa e pedi “desculpas por não poder protege-la”. Levantei-me, encerrando minha encenação e quando a mulher, a arma ainda em sua mão, apontada para o chão, chegou um pouco mais perto de mim eu me virei rapidamente e lancei meu punho cerrado sobre seu rosto. No último segundo antes de minha mão acertá-la, ela tentou se proteger, virando o rosto para o lado. Meu soco acertou sua têmpora com força e ela caiu no chão completamente desacordada.
Peguei a arma de sua mão, travei e coloquei na parte de trás do cós da calça, escondendo-o sob a jaqueta de couro marrom que eu vestia. Fui até a escrivaninha atrás de mim e abri uma das gavetas. Só havia papel. Abri a segunda escrivaninha e achei um rolo de fita durex quase cheio com uma ponta dobrada onde ela terminava. Peguei a fita e enrolei os pés e as mãos da mulher desacordada, deixando-a completamente imobilizada. Depois coloquei uns três pedaços tapando sua boca.
Eu não poderia sair carregando ela para fora através do clube. Eu não teria como explicar para os seguranças porque eu estava carregando uma mulher desacordada e amordaçada nos ombros e porque eu havia deixado dois cadáveres para trás. Olhei ao redor e vi uma janela no canto da sala, atrás de uma das muitas estantes que haviam no local. Peguei a mulher e a levei até perto. Ela era magra e não muito alta, portanto não pesava muito e não foi difícil carrega-la até lá. Abri a janela e vi que dava para um beco deserto ao lado da entrada do clube. Joguei a mulher pela janela, empurrando-a dentro de uma lixeira. Antes de sair pelo mesmo local, porém, fui até onde o corpo de Jensen estava, pela primeira vez prestando atenção nele desde que eu acordara do ataque.
Fiquei encarando o rosto do rapaz que eu procurava por tantos anos. Seu rosto jovem e bonito me lembrava um pouco a mim mesmo em minha juventude. Ele tinha mais ou menos a mesma idade que eu tinha quando cometi o grande erro de abandoná-lo e á sua mãe. Eu passei tanto tempo tentando encontra-lo e agora ele estava morto. Eu não sabia o que aquilo significava, mas parecia que o Universo estava fazendo de tudo para eu pagar pelos meus pecados. Como se me dissesse que o fato de eu tê-los abandonado havia resultado na morte deles, e agora eu teria que viver com isso em minha consciência. Eu não sabia o que havia acontecido á mãe dele, e talvez nunca soubesse, mas eu sabia que ela estava morta, e, talvez, se eu tivesse ficado ao lado dela, eu poderia ter impedido a morte dela. Talvez eu teria arranjado um outro ramo de emprego para Jensen que evitaria ele ter sido assassinado hoje. Eram tantos “se” que eu não sabia mais o que pensar. Então preferi sair do local e esquecer tudo o que eu havia passado ali. Eu precisava seguir em frente.
— Desculpe... — Falei para o corpo dele, mesmo sabendo que ele não ouviria. Ou ouviria? E então saí pela janela, sem esperar pela resposta.
Quando saí no beco, a mulher ainda estava desacordada, jogada sobre os sacos de lixo preto, dentro da enorme lixeira. Eu caí sobre ela, sem me preocupar se ela havia se machucado, afinal ela havia apontado uma arma pra mim, então que se dane se ela havia se machucado ou não. Não a peguei logo que saí. Antes fui até o fim do beco e olhei ao redor. A fila de entrada da boate estava quase vazia, com exceção de umas três pessoas que continuavam tentando entrar. Olhei para o relógio. Já havia passado de uma hora da manhã. A lua cheia brilhava no alto do céu. O segurança não pareceu perceber minha presença saindo do beco, então fui até o carro, liguei e estacionei no beco. Abri o porta malas e joguei o corpo desacordado da mulher amordaçada dentro dele. Eu estava sequestrando a mulher que tentara me matar poucos minutos antes. Aquilo seria considerado crime ou legítima defesa? Não importava mais, porque eu sabia que havia me tornado a escória que eu protegera por tantos anos, mas o problema é que não havia ninguém lá para me proteger se algo desse errado.
Demorou menos de dez minutos para eu chegar onde queria. Um galpão abandonado ao lado de uma fábrica fechada a essa hora da madrugada. Parei o carro perto da porta do galpão e abri o porta mala. A mulher havia acordado e estava com os olhos arregalados pelo medo misturados com um ódio quase mortal. Eu podia sentir o pelotão de fuzilamento que havia dentro deles apontando para mim, e se ela pudesse fazer isso com os olhos, eu estaria definitivamente morto àquela altura. Senti um pouco do prazer da vingança naquilo.
— Você não vai fazer um barulho, está entendendo? — Perguntei. Ela balançou a cabeça positivamente.
Peguei seu corpo e o joguei sobre os ombros. Levei-a para dentro do galpão e coloquei-o sobre uma cadeira. A fita era mais resistente do que eu pensei que fosse. Mas eu não podia arriscar. No canto do galpão haviam algumas cordas. Peguei e amarrei suas pernas na perna da cadeira e suas mãos por trás. Apertei bem o nó e ouvi quando ela suspirou de dor, quando a corda queimou sua pele nos pulsos. Não afrouxei nem um pouco. Depois que ela estava bem amarrada na cadeira tirei as fitas de sua boca. Olhei fundo em seus olhos e falei:
— Nós vamos ter uma conversinha, está bem? — Eu vi que o medo e ódio havia se transformado em uma fúria avassaladora — Vamos começar pelo seu nome.
Ela não respondeu. Apenas cuspiu em meu rosto. Senti a saliva atingir meu olho direito e escorrer em minha face. Sequei com as costas da mão e olhei para ela. Lhe dei um sorriso e lancei um tapa em seu rosto com toda a raiva que podia sentir. Eu havia aprendido com os melhores.
— Não quero ter de fazer isso de novo. — Falei, ela me encarando — Não sou uma pessoa ruim. Não estou do lado dos vilões. Pelo menos não dessa vez. Não me faça ter de bater em você de novo. Você vai colaborar?
Ela começou a rir.
— É pra eu acreditar nessa babaquice toda? — Ela me perguntou — Agora você vai fazer o papel do policial bom e do policial mau? Você esqueceu de uma coisa: você está sozinho aqui, e eu sei que você não é nem um pouco um policial bom.
— Não! — Respondi — Não sou nenhum dos dois. Eu não quero ser o policial bom nem o policial mau. Apenas quero descobrir quem matou meu filho.
— Ele não era seu filho. Você falou aquilo para eu baixar a guarda e poder me atacar.
— Sim, mas ele realmente era meu filho.
Ela me estudou por um momento.
— Eu não acredito em você. Um pai que perde o filho daquela maneira, jamais agiria da forma como você está agindo.
Eu tentei entender o que ela dizia. E era verdade. Eu estava sendo frio com a morte de Jensen, mas que culpa eu tinha disso? Eu não conhecia o garoto e fui atacado poucos minutos depois da morte dele. Eu apenas deixei meu instinto de sobrevivência agir e pra eu sobreviver não poderia deixar a emoção me dominar.
— É mais complicado do que você imagina. — Falei, mais pra mim mesmo do que pra ela. — Mas eu quero saber por que você apareceu lá poucos minutos depois de aqueles caras terem matado ele. Quem é você?
— Eu não sei de que caras está falando. Quando eu cheguei lá só haviam vocês três. Achei que você também estivesse morto. Quando ouvi você acordar me escondi e esperei pra ver o que você faria.
Por isso ela me pegou de surpresa quando entrei na sala. Quando acordei eu estava confuso. Ela poderia ter passado por mim que eu não teria prestado atenção.
— Eu fui atacado junto com eles. Eles deviam ter achado que eu também estava morto, ou eu não era importante pra eles. — Falei, tentando entender o que estava acontecendo — Mas quem eram eles?
Ela me encarou. Também não parecia saber a resposta.
— Qual seu nome? — Perguntei outra vez.
Ela me estudou mais um pouco e seu olhar de raiva desapareceu lentamente. Ela suspirou e pareceu desistir de ficar contra mim. Ela pareceu entender que estávamos do mesmo lado ali.
— Eu me chamo Elizabeth — Ela respondeu — Elizabeth Silver.
Autor(a): raphaelaguiar91
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