Fanfic: As Crônicas da Cidade Maldita | Tema: Vampiros, Terror, Suspense,
Arredores de Raven Hill – Atualidade
Ryan Folley
Tentei abrir os olhos. Nunca senti tanta dor na minha vida.
A sensação que tive era a de que uma pessoa apertava meus olhos com uma força impiedosa, como se quisesse afundá-los para dentro de meu crânio. Senti as lágrimas inundarem o canal lacrimal e escorrerem pelo meu rosto, passando perto de minhas orelhas. Eu estava deitado sobre algo muito macio e confortável, mas que cheirava a mofo. Mais uma vez tentei abrir os olhos e dessa vez, mesmo que entre muitas lágrimas e dores agudas na vista eu consegui enxergar alguma coisa, entre as piscadelas constantes de minhas pálpebras.
Estava muito escuro. Não havia luzes em lugar algum, e isso facilitou para que eu não sentisse tanta dor. Talvez, se houvesse luz, as dores seriam piores. Vi um teto de madeira corrida, onde manchas de umidade e mofo, e muitas rachaduras indicavam que estava em um lugar há muito abandonado. Mas onde? Olhei ao redor, eu estava deitado sobre uma cama antiga, em um colchão embolorado e grande. Havia um guarda-roupa há um canto e uma penteadeira ao lado, com um banco coberto por uma almofada vermelha. Todo o quarto e móveis tinham um estilo renascentista europeu incomum. Em uma das quinas, um grande anjo de gesso me encarava. Senti um calafrio correr a espinha e os pelos do braço e da nuca se eriçarem. Que lugar era aquele?
Tentei me levantar, mas ao primeiro movimento pude sentir todo o meu corpo doer. Cada junta, músculo e osso doíam de forma horrível, como se eu tivesse levado uma surra. Mas eu não lembrava o que havia acontecido.
Sentei-me com dificuldade na beirada da cama. Coloquei a cabeça sobre as mãos e limpei meu rosto. A dor na vista aos poucos melhorava, mas ainda ardia. Sequei os olhos cheios de lágrimas e tentei me lembrar. Como eu havia ido para ali? Onde era ali? Tentei puxar algo na memória, mas só o que veio foi uma dor de cabeça alucinante. Coloquei a mão na cabeça tentando parar a dor. Senti minha garganta seca queimar e percebi que há muito tempo não comia ou bebia nada. A única coisa que consegui fazer, então, foi gritar.
— Não adianta — Disse uma voz atrás de mim — Ninguém irá te ouvir.
Me virei assustado. Havia um homem sentado sobre um banco, ao lado da cama, debaixo de uma janela aberta, onde uma cortina vermelha, velha, rasgada e mofada, voava com o vento que entrava pela noite escura e sem lua. Era um homem estranhamente pálido e com aparência cadavérica, mas estranhamente atraente. Tinha cabelos pretos cortados na altura dos ombros, num estilo britânico-renascentista. Ao vê-lo ali, tomei um susto grande e me joguei para o outro lado do quarto, para me afastar o máximo que podia do homem desconhecido que, aparentemente, estava me observando desde antes que eu acordasse. Tropecei no tapete e caí no chão de madeira. O homem nem se mexeu, apenas começou a rir.
— Quem é você? — Perguntei — Onde estou?
— Não se lembra de nada, Ryan?
Tentei me lembrar mais uma vez. Novamente a dor lancinante atingiu minhas têmporas, dessa vez ainda mais forte que na anterior, e comecei a gritar. As memórias simplesmente não vinham. Eu não me lembrava de nada. O homem ria cada vez mais.
— Não tente se lembrar, isso irá te levar a loucura.
Não respondi, apenas encarei aquele sujeito com raiva crescente dentro de mim.
— Quem é você? — Repeti.
— Pode me chamar de Varo.
— O que quer de mim? Onde estou?
— Muitas perguntas. Uma de cada vez, por favor, isso já é chato o suficiente sem você me encher de perguntas. — Ele se levantou da cadeira e foi até uma mesa do outro lado do quarto, onde havia uma garrafa de vidro, cheia de vinho, e duas taças de metal, aparentando ser prata — Aceita uma bebida?
Não respondi. Ele me encarou, com um sorriso entrecortado na cara, de quem achava aquele momento muito engraçado, mas ao mesmo tempo como se já tivesse passado por aquilo várias vezes, o que eu não duvidava nem um pouco. Ele encheu uma das taças com o vinho, que era mais viscoso e espesso que o comum. Tinha um cheiro adocicado e forte que inundou o ambiente. Minha garganta começou a coçar e a sede começou a intensificar. Varo me encarou e sorriu, bebericando o conteúdo da taça.
— Não? Tudo bem. — Ele se dirigiu até onde eu estava caído. Estendeu a mão para mim, para me ajudar a me levantar.
— O que você quer de mim?
— Quero te ajudar.
— Você só pode estar de sacanagem. — Me levantei sem a ajuda dele. O sorriso ainda na cara daquele homem que fazia meu ódio crescer cada vez mais. Ele puxou a mão de volta e deu de ombros.
— Não tente se lembrar de nada, isso só irá fazer você sentir dor. — Varo repetiu — Aos poucos o que tiver que vir, virá. Não se preocupe. Você está em um lugar seguro.
— Eu quero respostas.
Varo ficou me encarando. Levou a taça de vinho até a boca e acabou de beber o resto. Ainda sem falar nada, foi até a mesa com a garrafa de vidro e tornou a encher a taça, dessa vez enchendo a segunda e trazendo até a mim.
— Beba um pouco, fará você se sentir melhor.
Ele me estendeu a taça e algo muito estranho aconteceu. No momento em que chegou perto de mim, pude sentir o cheiro adocicado e forte, ainda mais intensamente. Por um momento era como se nada mais existisse, apenas o conteúdo daquela taça. Levei o líquido à boca, instintivamente, mesmo que subconscientemente ainda tentasse entender o porquê de minha repentina fascinação. O líquido morno tocou meus lábios e o ingeri. Não era exatamente gostoso, mas era exótico e estranho e por alguns segundos senti como se quisesse passar o resto da minha vida bebendo aquele líquido. O fluido descia pela minha garganta e aquecia meu corpo. Senti quando passou pela traqueia, e chegou ao meu estômago. O líquido dançava dentro de mim e quando acabei de beber, o gosto ferroso em minha língua, larguei a taça. Meu corpo estava em êxtase. Era uma sensação maravilhosa e ao mesmo tempo apavorante. Nunca havia experimentado nada igual aquilo. Meu corpo havia parado de doer e eu sentia uma estranha força me dominar. Então meus joelhos fraquejaram e eu caí, vomitando sobre o carpete do quarto. Varo ria incontrolavelmente.
— O que era isso? — Perguntei.
— Sangue.
Ainda agachado sobre a poça de vômito que se formava no tapete, encarei Varo e comecei a rir, involuntariamente. Eu não sabia se ria, por achar graça ou por ter entrado em pânico com a resposta. Sangue?
— O que quer dizer com “sangue”?
Varo fez uma careta, como se não tivesse entendido a pergunta.
— Faltou a escola demais. Sangue é aquilo que corre nas veias da gente, quando a gente se machuca ele escorre...
— EU SEI O QUE É! QUERO SABER PORQUE VOCÊ ME DEU SANGUE PARA BEBER? — Eu estava em pânico, definitivamente.
— Porque é isso que bebemos.
E então tudo fez sentido. O cheiro, a fascinação pelo líquido, o êxtase em bebê-lo. Isso só podia significar uma coisa.
— Você é um... — Comecei, mas não consegui concluir. A palavra simplesmente não saía em meus lábios.
— Sim. — Ele respondeu, o sorriso estampado na cara — E você também.
— Não. — Me arrastei para a parede mais próxima e abracei os joelhos, com medo de imaginar que aquilo pudesse ser verdade. Eu só conseguia negar. Minha mente negava pra mim, mas os gostos do sangue e do vômito na boca me provavam que era verdade e não apenas um pesadelo qualquer. — Não pode ser. Não, não, não, não... — Comecei a chorar incontrolavelmente, negando o tempo todo.
Varo parou de rir. Veio até mim, lentamente, e estendeu a mão. Pela primeira vez ele não parecia achar graça na situação.
— Eu sei exatamente o que você está sentindo. — Dei um tapa na mão dele e me afastei ainda mais. — Não vou machucá-lo. Nós somos irmãos agora.
— NUNCA SEREI IRMÃO DE UM VAMPIRO. DE UM MONSTRO COMO VOCÊS, DE UMA CRIATURA DEMONÍACA! — Eu gritava entre as lágrimas.
Varo não respondeu nada. Apenas se abaixou e sentou na parede assim como eu estava.
— O que está fazendo? — Perguntei.
— Eu só quero conversar.
— E porque eu iria conversar com você?
Ele não respondeu novamente. Apenas ficamos sentados. Eu encarando Varo, com ódio e medo estampado no rosto. Varo encarando o teto, com a cabeça encostada na parede e as pernas puxadas sendo abraçadas pelos braços musculosos.
— Você precisa aceitar o que lhe aconteceu. Eu sei que não escolheu essa vida, mas precisa aceitar.
— Aceitar ser um assassino, parasita e ter a alma sentenciada ao Inferno para sempre. Dispenso, obrigado.
— Pense pelo lado positivo. — Disse ele. Seu tom de voz havia mudado. Ele assumira um lado piedoso e compreensivo, e aquilo me deixou ainda mais irritado.
— Lado positivo em ser sentenciado ao Inferno?
— Quando nascemos, a única coisa que temos certeza é a de que vamos morrer. Isso é inegável. É um destino inescapável. Não temos para onde correr. As pessoas temem a morte, quando na verdade deveriam entender que a vida é que é sofrida. É na morte que nossa alma descansa, e iremos passar o resto da eternidade com ela ao nosso lado. Deveríamos aprender uma maneira de amá-la, não de temê-la. — Varo parecia introspectivo. Como se falasse mais para si mesmo do que para mim. — A maioria das pessoas trabalha, luta e busca alcançar coisas que deseja, tenta realizar sonhos, cria metas e objetivos na vida, mas para quê, se tudo isso um dia vai acabar? Eu demorei muito para entender, mas eu entendi: conforto.
— Conforto? — Perguntei, sem entender onde ele queria chegar com aquilo.
— Sim — Respondeu — Conforto. As pessoas buscam o conforto o tempo todo. Um bom emprego que os paguem bem, para terem dinheiro e poderem comprar confortos. Uma meta que os deixe em situação confortável na vida. Um sonho que o deixará confortável consigo mesmo, com aquilo que ama. É disso que se trata a vida humana: conforto. E na morte não é diferente. Depois de muito tempo eu entendi que as pessoas não temem a morte, elas temem morrer sem conforto. Seja o de uma família ao lado, ou de um lugar confortável para morrer, as pessoas só querem morrer confortáveis, em paz consigo mesmas. Outras pessoas passam a vida buscando o prazer, e, quase sempre se abdicam do conforto na morte. A morte chega para elas de forma aterradora, quando elas não estão preparadas ainda, e o medo ganha.
— E onde isso se encaixa como o “lado positivo” de ser um... — Engasguei com a palavra novamente — um de vocês?
Varo me encarou. O sorriso reaparecendo no rosto.
— Nós não precisamos nos preocupar com isso mais. Nós não iremos morrer, então não precisamos buscar o conforto na morte. Podemos nos prender aos prazeres da vida. A todos os tipos de prazeres.
O que ele queria dizer com isso? Ele veio até mim e estendeu a mão para que eu me levantasse. Era a terceira vez nos últimos vinte minutos que ele fazia isso, e dessa vez eu aceitei. Ele me levantou do chão e foi até a porta. Abriu e me convidou para sair do quarto. Saímos e me deparei com uma enorme casa de estilo renascentista europeu assim como o quarto. Estávamos no segundo andar, e o corredor de fora era aberto dando para uma enorme escadaria de mármore branco e preto, tomado pela poeira e pelo tempo. No andar de baixo havia uma sala bem organizada, com móveis velhos.
— Você vive aqui?
— Não. — Respondeu Varo, descendo a escadaria — Aqui é onde trazemos os recém-transformados. — Quando chegamos ao pé da escada no primeiro andar, olhei para cima e vi que a mansão tinha três andares. Em todos os lados da casa, portas se abriam. Nos três andares. Duplas saíam de todas elas, quase que ao mesmo tempo. Eram dezenas de vampiros, e dezenas de recém-transformados. — Conheça seus mais novos irmãos, Ryan.
— São todos recém-transformados, como eu?
— Sim, são — Respondeu Varo — E todos vocês têm um propósito com os prazeres da vida.
— Qual propósito? — Perguntei, começando a sentir medo novamente.
— A guerra — Respondeu Varo, com aquele sorriso que só ele tinha — Nós vamos invadir e tomar Raven Hill.
Autor(a): raphaelaguiar91
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