Fanfic: Bem Comportada (Adaptada) | Tema: Vondy

Ela olhou para o envelope com sua escrita e mordeu o lábio.

- O senhor não está aqui por minha causa. Veio à procura de Lollie.

- Foi a luxúria contida em seu desafio que me trouxe aqui, suas palavras me tentaram.

Dulce se esforçou para dar uma justificativa plausível. – Não, não fui eu... Eu só tenho uma boa caligrafia. As meninas me dizem o que querem que eu escreva, e eu escrevo.

Ele se sentou e tirou o chicotinho do bolso.

- Eu não gosto de ouvir mentiras. Você usou de um falso pretexto para me fazer vir até aqui. Essa foi sua primeira mentira. Você me disse que não escreveu essas cartas. Essa foi a segunda. Não me venha com uma terceira.

Dulce sentiu o sangue pulsar em seus ouvidos ao olhar para aquele diabólico instrumento de tortura. De cenho fechado, lorde Prescott fixou os olhos nela, penetrantes e inquisidores, deixando-a petrificada por um momento. Ocorreu-lhe que ele era muito, muito mais forte do que ela, e estavam muito distante do salão para que alguém ouvisse, caso gritasse.

- Escrevo as cartas – ela declarou.

- Por quê?

- Para atrair ao clube homens que possam pagar.

- Como você conhece esses homens?

Ela foi até uma pequena cômoda junto à parede e abriu uma gaveta, tirando de dentro um livro que entregou a ele.

Ele examinou a lombada do livro. Era um catálogo de DeBrett, de 1813, sobre nobres e cavalheiros.

- O que você faz... Escreve para todos esses homens, um por um?

Dulce assentiu com a cabeça.

- Estou na letra “H”.

Um sorriso brincou nos lábios dele e, de maneira inesperada, suavizou sua expressão.

- Entendo. Então os homens cujos nomes vão de I a Z estão, por enquanto, com sua pureza moral preservada.

Dulce sentiu-se incomodada.

- Somente os convido a vir. Não os faço vir.

Ele soltou uma gargalhada.

- Não, essa obrigação você deixa para as outras cortesãs.

Ele se levantou, provocando um rangido na cama, e Dulce foi encostar-se na parede. Ele caminhou até a cômoda e abriu novamente a gaveta.

Não olhe aí dentro. Dulce queria impedi-lo, empurrá-lo, mas isso a obrigaria a tocá-lo.

Ele levantou as sobrancelhas, surpreso ao ver os títulos dos livros que ela guardava em segredo.

- Satiricon. – Fitou-a, como se tentasse captar a reação dela. Ela procurou parecer indiferente, mas sua respiração ofegante a traiu. – Fanny Hill-Memórias de uma Prostituta... A Arte de Amar... Tom Jones – Tirou um volume que não tinha mais a capa e o abriu. – Memórias de um Amante Francês.

Dulce não agüentou a intromissão dele, bisbilhotando em sua coleção erótica, principalmente naquele livro.

- Pode me devolver esse livro, por favor?

- Só um momento. – Ele levou o livro até a escrivaninha onde estava o candelabro e se sentou na cadeira. – Interessante.

Passado um minuto, ela voltou a pedir.

- Pode me devolver o livro agora?

Ele a olhou de canto e voltou a atenção para o livro.

- Você o terá quando eu terminar de vê-lo.

Dulce engoliu em seco. Era uma agonia ver um estranho folhear seu livro erótico preferido. Essa humilhação era pior do que ter de suportar o sorriso malicioso do vendedor quando o comprara muito tempo atrás.

- O que significam esses corações ao lado de alguns parágrafos?

Ah, não! Ele as viu. A verdade zumbiu em sua cabeça como vespas zangadas. Dulce lutou contra o impulso de mentir novamente, mas a ameaça no olhar velado a impediu.

- Coisas que eu gostaria de experimentar.

Ele a fitou por um longo momento, com uma expressão entre curiosa e divertida no rosto.

- Sei, e por que não experimenta?

Dulce pressentiu o perigo. Não o físico de estar a um braço de distância de um homem sádico, mas uma ameaça ainda maior, do tipo exercida por um homem intuitivo que assumia a autoridade de testar seu coração.

Ele fechou o livro.

- Duvido que Madame se importasse. Pelo contrário, creio que ela a encorajaria. Por que você não trouxe homens aqui para satisfazer sua curiosidade?

- Sou apenas uma criada. Não é minha função entreter clientes.

- Isto aqui é um bordel, não um convento. O que a impede?

Não é óbvio? Por que você me obriga a dizer?

- Pode me devolver o livro agora? – Ela estendeu a mão, com os olhos grudados na capa. Mas, como o danado não se mexeu, ela o encarou.

E desejou que não o tivesse feito. O olhar dele era de uma compreensão tão profunda que ela quase desmontou de humilhação.

Se o atrevido lhe dissesse qualquer coisa agradável, ela gritaria. Não queria que ninguém tivesse pena dela. Queria ser amada, valorizada, procurada. Queria que os homens a perseguissem, que escrevessem cartas de amor para ela, e não o contrário.

Depois de um momento, ele perguntou.

- Foi um belo salto do H, para Prescott. Por que você chegou ao meu nome tão rápido?

A sensação de coração apertado mudou.

- Eu... – Ela se lembrou da missão que tinha de fazê-lo falar sobre seu relacionamento com Saviñón´s da Rua Fulson, mas as palavras certas não lhe ocorriam. Como conseguiria desarmá-lo se ela mesma estava tão pouco à vontade? – Eu... – Aquilo era uma tortura. Não poderia ser honesta, tampouco poderia mentir. – Eu gostaria que o senhor fosse embora.

Fez-se um silêncio tenso entre os dois. Ele apenas a fitava, sem qualquer expressão. Ela o havia ofendido. Ele estava zangado. Madame ouviria queixas dele. Haveria represálias.

- Muito bem. – Ele se levantou e se dirigiu ao travesseiro dela, onde havia deixado o chicotinho. Pegou-o, e o coração de Dulce teve um sobressalto. – Eu vou. Por ora. Mas você e eu temos um assunto inacabado. Você irá à minha residência amanhã à noite, por volta das dezenove horas. Continuaremos a nossa conversa de maneira mais confortável. Pelo menos para mim – concluiu, recolocando o chicotinho no bolso.

Dulce teve um sobressalto.

- Mas não prefere que Lollie vá? Ou Charlotte ou Evie?

Ele esboçou um sorriso irônico.

- Na verdade, é só você que eu quero.

Ela congelou. Por que ele haveria de querê-la em vez de mulheres mais bonitas e experientes?

- Aqui está meu cartão. Combinarei com Madame Fynch para que você chegue pontualmente às sete. Quanto a isto – disse, levantando o livro – creio que você não se importa se eu o levar emprestado.

- Para ser sincera, me importo sim. – Deixá-lo ler aquele livro em particular, com todas as suas marcações, equivalia a mostrar seu diário a ele.

- Bem, uma vez que nossa reunião esta noite não foi nada conclusiva, tive esperança de que você não se importaria que eu encontrasse o prazer nessas páginas. A menos, é claro, que queira demonstrar suas passagens favoritas para mim aqui.

Ela sacudiu a cabeça.

- Muito bem, você o terá de volta amanhã. Às sete, então. Não me decepcione.

Dulce sentiu um grande alívio de que ele finalmente estivesse indo embora. No entanto, aqueles olhos cor de mel continuavam fixos nela. Com um sorriso maroto no rosto, ele ergueu-lhe o rosto e o acariciou. O gesto delicado e íntimo provocou nela uma incrível reação. Foi como se ele enxergasse além de todas as barreiras que ela havia erguido contra o mundo e, com um único toque, as tivesse desmoronado. Alguma coisa brotou dentro de Dulce, algo que ela não conseguia dar nome, mas era uma sensação que havia muito tempo não experimentava. Esperança, talvez.

E com isso, ele se foi.

Bom, por enquanto é isso... Comentem se puderem, beijos!