Capítulo 020
Os olhos de Maite rolaram de um lado para outro do bilhete que encontrara em seu para brisa dois dias atrás. Queria ligar, mas não sabia o que esperar. Haviam várias possibilidades, ponderou ela. Podia se tratar de alguém rude, inflexível e até mesmo abusado. Tudo o que ela menos queria no momento eram problemas. Mais problemas.
Mas por outro lado era apenas o concerto de um carro. Marcariam em um lugar público, onde fosse seguro para ela e onde ele provavelmente não tivesse chances de tentar algo contra ela, se esse fosse o objetivo. Era isso, estava decidido. Ela ligaria para Mane afim de resolver o prejuízo que ele lhe causara.
- Alô? - uma voz masculina atendeu do outro lado, um tanto quanto indiferente, parecia ocupado, deduziu Maite.
- Olá, é o er - ela passou os olhos pelo bilhete - Mane quem está falando?
- Sou sim - respondeu ríspido - Poderia saber com quem falo?
- Aqui é Maite - disse séria, sem querer ser muito simpática - Você deixou o seu telefone no para brisa do meu carro a dois dias atrás - ela explicou - Não sei se você se recorda.
- Ah - disse ele em um estalar - Claro! Estava esperando sua ligação, mas você demorou tanto que quase pensei que não ligaria mais. Mas que bom que ligou! Assim podemos resolver tudo.
- Eu estive ocupada - ela confessou - Mas hoje estou de folga. Caso você não tenha compromisso podemos agendar pro fim da tarde, o que acha? - ele concordou fitando o relógio de ouro no pulso esquerdo.
- Você quer que eu passe te buscar? - ela negou.
- Eu prefiro encontrar você. Não será necessário - Mane achou graça. Ela parecia ter medo dele.
- Tudo bem, marcamos aonde?
- As cinco na Starbucks, fica bom pra você? - ele aceitou.
- Perfeito, estarei lá Maite.
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O clima entre os Herrera era totalmente comovente. Na noite anterior, depois de muita insistência da parte de Anahí, Alfonso aceitara que ela o substituísse no plantão noturno. Mesmo ela sabendo que teria que trabalhar praticamente 24 horas ininterruptas, sabia o quanto àquela situação era delicada para Alfonso e o quanto ele precisava de um momento para refletir.
Por outro lado, para Alfonso não fora nem um pouco fácil constatar aquela notícia com os próprios olhos. Por um só momento queria poder não saber o que aqueles números alterados no exame de Ísis significavam. Ela tinha leucemia. Leucemia. A palavra tratou de ecoar em seus ouvidos pela noite toda. Até ele levantar para beber água e se deparar com sua mãe preparando um chá na cozinha, e então aí, ele permitiu-se chorar.
Ísis não sabia o que estava acontecendo. Na verdade ela imaginava ter algo errado ao julgar pelas feições arrasadas do pai e da avó e a determinação de Alfonso de que iriam ao hospital no começo da tarde. Por um lado, mataria aula no colégio, o que não seria tão ruim, mas o que a deixava insegura era o motivo de faltar a escola.
Ela nunca confessara mas odiava hospitais. Não só pelo fato de prsticamente perder o pai todos os dias pra eles, não era isso. No entendimento de Ísis, hospitais eram lugares frios e completamente impessoais. Nenhuma pessoa era feliz estando ali. Claro que havia o caso das mulheres que davam a luz a bebês, mas elas entravam ali com dor o que se enquadrava muito mais nos motivos infelizes do que felizes. Pessoas morriam em hospitais, ficavam meses encima de leitos muitas vezes sem perspetiva nenhuma de ir pra casa. Não que ela fosse dramática ou pessimista, mas era absolutamente compreensível seus motivos para não querer estar ali.
Ela e a avó aguardavam em poltronas confortáveis, enquanto Alfonso buscava Anahí para agradecer o imenso favor da última noite. Ele sabia que devia estar sendo esgotante para ela.
- Psiu - ele a chamou, enquanto ela entregava um pirulito a um menino pequeno de uns 5 anos de idade, ele deduziu. Ela então fez sinal para que ele aguardasse alguns segundos e ele assim o fez.
Anahí passou as últimas orientações aos pais do menino, que agradeceram a paciência e dedicação dela. Ela sorriu, quando recebera um beijo lambuzando o garoto em seu rosto. Um beijo cheio de carinho que era capaz de levar embora qualquer resquício de cansasso que ela pudesse ter.
- Como você está? - pediu ela com o olhar pesado assim que o paciente saiu da sala. Ele deu-lhe um pequeno beijo nos lábios constatando o cansasso no qual ela se encontrava.
- Depois da conversa que tive com a minha mãe, estou mais confiante - ela deu um meio sorriso acariciando a lateral do rosto dele - Me sinto tão culpado por você estar assim. Eu não queria que - ela levou um dedo aos lábios dele o calando.
- Está tudo bem - sorriu, mesmo que fraquinho - Essa não é a primeira vez que eu encaro um plantão de 24 horas doutor Herrera. E você não estava em condições de trabalhar, não seria justo com os seus pacientes - ele sorriu pra ela, com o carinho que aquela palavras tinham.
- Você é incrível - selou os lábios novamente com ela, que acariciou mais um tempo a maçã de seu rosto.
- Não sou não, apenas sou humana - brincou com ele - E nossa prioridade agora é a saúde da Ísis - Alfonso ficara emocionado com aquilo. Ela tratava Ísis com muito amor. Era evidente, e foi inevitável uma lágrima solitária escorrer pelo olho dele. Estava sendo tão difícil.
- Poncho - ela secou a lágrima delicadamente com a mão e o olhou com ternura - Vai ficar tudo bem, eu sei que vai. Você tem que aguentar firme. Não será fácil, isso nós sabemos, mas eu vou estar com você. Isis vai superar isso tudo, você vai ver - ela beijou onde a lágrima havia caído - Aliás, onde ela está?
- Está com a minha mãe esperando na oncologia.
- Você já contou a ela?
- Prefiro que Max o faça. Ele vai saber lidar com a situação muito melhor do que eu - ele explicou. Max era o chefe da oncologia do New York Hospital.
- Eu também creio que seja melhor. Você vai entrar com ela?
- Vou. Quero estar com ela quando Max der a notícia.
- Então acho melhor você ir, senão vai acabar se atrasando - ela constatou observando o relógio. Ele comentara que a consulta era as duas da tarde.
- Eu vou - ele pausou - Você vai vê-la? - Anahí mordeu o lábio inferior.
- Acha que, bem - pensou - Acha que ela gostaria de me ver? Mesmo depois de todas aquelas acusações?
- Acho que ela adoraria que você estivesse lá quando ela sair.
- Tudo bem, eu prometo que vou estar.
Os dois então se despediram e Alfonso segiu com Ísis a sala de Max. Assim que passou o corredor branco e relativamente estreito, ela pode observar a placa dourada em letras garrafais anexada a porta branca de madeira. Maximiano Smith, Chefe de Oncologia. Oncologia, oncologia, Ísis sabia que já tinha visto aquela palavra em algum lugar, claro, ela acabara de recordar. Era do filme "A culpa é das estrelas" que ela e a avó haviam visto a alguns meses atrás, quando ela ainda morava em Orange County. Mas o filme falava sobre câncer. Será que oncologia era um tipo de câncer? Ela não estava com câncer estava?
- Boa tarde Dr. Herrera - cumprimentou com um aperto de mãos - Boa tarde Ísis? Como está? - Ísis sussurrou algo quase inaudível. Ela ainda estava pensando na possibilidade de estar com câncer e aquilo a estava apavorando - Bom, antes de começarmos a consulta, gostaria que fizéssemos mais alguns exames, você pode passar na sala ao lado - dirigiu-se a Ísis - A enfermeira vai ajudá-la a se vestir. Você vai ter que tirar os piercings e os brincos, tudo bem? - ela acentiu - Assim que terminar voltamos a conversar.
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Assim que terminou o almoço Anahí seguiu até o setor de Oncologia. Se tudo corresse como ela imaginava Ísis e Alfonso deveriam estar saindo em poucos minutos. Ela realmente estava insegura quanto a reação de Ísis. Ela queria tanto que se dessem bem e no entrando tinha tanto medo que todo o carinho que sentia fosse desprezado ou posto em dúvida.
Ela dirigiu-se ao balcão da ala oncológica afim de arrancar alguma informação, inutilmente. A única coisa que descobriu foi que a mulher de cabelo escuro sentada em uma das poltronas que estava ali era a avó da paciente e também estava aguardando notícias. Ela então mordeu o lábio indecisa, até que resolveu se aproximar. Que problema poderia haver nisso afinal?
- Olá - ela tentou ser simpática. Ruth tirou os olhos da revista e a olhou com um sorriso singelo. Belos olhos Anahí pode observar, lembravam muito os seus.
- Oi querida. Você deve ser Anahí, não? - a cardiologista se surpreendeu.
- Como você - Ruth a interrompeu.
- Está escrito no seu jaleco - claro, ela deduziu. Sempre esquecia da identificação no jaleco - Alfonso me disse que você se dispôs a substitui-lo ontem. Devo agradecer a você.
- Imagina só, não há necessidade alguma - ela explicou - Não fiz nada a mais do que minha obrigação.
- Mesmo assim. Ísis gosta muito de você - Anahí sorriu. Era bom se certificar disso - Ela falou sobre o passeio que tiveram. Não ligue pras bobagens que ela tenha dito - tocou-lhe as mãos - Ela é muito impulsiva, puxou bastante ao gênio do pai - as duas soltaram um riso cúmplice.
- Já pude perceber - Anahí brincou.
- Podes me chamar de Ruth - as duas pausaram a conversa - Estou a alguns minutos aguardando, Alfonso me explicou que iriam primeiro fazer alguns exames e depois voltariam ao consultório.
- Hmm. Provavelmente seja por isso que estão demorando - ela verificou o relógio constatando que estava extremamente atrasada para a ronda cirúrgica. Muhaad devia estar querendo matá-la - Ruth, eu infelizmente não vou poder esperar - ela suspirou - Será que você pode dizer a Ísis que estive aqui, caso eu não possa voltar? Diga que vou vê-la a noite, assim que sair do hospital - Ruth assentiu.
- Claro querida, pode ir tranquila - ela lhe sorriu - darei o seu recado.
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Maite olhava o IPhone sobre a mesa pela quinta vez. Ela já havia bebido um expresso e já estava quase desistindo quando viu um homem entrar pela Starbucks, que deduziu se tratar de Mane. Ele estava bem atrasado e ela com a paciência curtíssima e a cara de poucos amigos.
- Desculpa eu - ela o interrompeu, sem dar muita importância para as explicações.
- Eu só preciso resolver logo. Tenho um plantão noturno e minha cabeça parece querer explodir - ele achou graça quando ela levou a mão até a lateral da cabeça. Aquela atitude era definitivamente bem temperamental.
- Ótimo, vamos ser objetivos - ele chamou o garçom pedindo um mocaccino - Você já fez o orçamento?
- Tenho duas opções - entregou as folhas a ele - Fica a sua escolha.
Maite o observou enquanto lia com atenção os dados contidos naquelas folhas. Ele tinha olhos verdes amendoados, os cabelos de corte irregular davam um ar jovem, e o terno Hugo Boss com riscas finas faziam as vezes de sofisticação. Ele era atraente, teve que confessar. Até porque era inegável.
- Hmm - deu um gole no café voltando a atenção a ela - Qual desses dois você achou mais confiável? - ela pensou um pouco antes dar uma resposta.
- O segundo foi mais profissional, mas como o valor está um pouco mais alto acho que - ele a interrompeu.
- Não, não ligue pra isso - sinalizou enquanto buscava um talão de cheques e posissionava de maneira que o facilitasse preenchê-lo - Quero que seu carro fique perfeito. Eu pago o melhor e você fica me devendo um almoço, quando você tiver mais tempo, acho uma troca justa - ele disse enquanto preenchia atentamente a folha. Maite achou graça. Além de gato ele tinha atitude, e aquilo diante da atual situação dela, contava muitos pontos.
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- Bom - Max observava novamente os exames de Isis que estavam sobre sua grande mesa de vidro - Pedi que repetissemos os exames pois gostaria de ter certeza antes de me dirigir a você e antes de encontrar a melhor forma de podermos tratar isso com sucesso e rapidez - ele se dirigia a Ísis - Pelo seu histórico hospitalar pude constatar que você teve uma significativa perda de peso. Essa perda repentina e assentuada acarretou em uma anemia de caráter bastante profundo, por isso você apresentou tantas manchas semelhantes a ematomas, porém indolores pelo corpo. Essa anemia se agravou muito rapidamente, principalmente pela falta de nutrientes - ele pausou - Pelos resultado dos seus exames e pelos seus sintomas, você está com leucemia Ísis.
- Eu estou com câncer? - o silêncio pairou por alguns segundos. Alfonso preferiu não intervir.
- Podemos dizer que sim. Você tem um câncer no sangue, popularmente falando. Leucemia é uma doença nos glóbulos brancos - ela pareceu tentar absorver aquilo. Céus ela tinha câncer, aquilo não era bom. Na verdade não era nada bom.
- Você quer dizer que eu vou ter que andar com um tubo pendurado, vou perder todo o meu cabelo e minha vida vai praticamente acabar? Porque se for isso pode economizar tempo. Eu ja sei o que acontece com quem tem câncer - Max acharia graça não fosse uma situação extremamente delicada.
- O tubo ao qual você se refere é o cateter, ele serve pra a aplicação dos remédios durante a quimioterapia - ele explicou - No seu caso não será necessário. Vamos primeiro tentar a medicação via oral, o que dispensa o uso de um cateter. Quanto ao seu cabelo há muitos casos em que eles caem muito pouco, ficando quase imperceptível. Vai depender muito do seu organismos e das células boas que serão atingidas durante o tratamento. E quanto a sua vida acabar, os pacientes diagnosticados com leucemia levam uma vida normal. Com alguns cuidados, é claro, mas nada que demande muito esforço.
- Eu vou sentir dor? - ela pediu, Alfonso viu o medo estampado nos olhos dela. Logo Ísis que nunca temia nada nem a ninguém.
- A primeira etapa do tratamento será completamente indolor. Você pode sentir algum tipo de enjoo ou dor de cabeça, não vou mentir - ele confessou - Mas serão eventos raros e de curta duração.
- Será que - ela olhou de Alfonso para Max e vice versa - Será que você pode deixar eu e o meu pai a sós por alguns minutos?
- É claro que sim - ele levantou - Vocês podem ficar a vontade e qual que coisa eu estarei ali fora, sim? - ele sinalizou para Alfonso. Sabia o quanto momentos assim eram delicados e íntimos.
E pela primeira vez Ísis se abraçou ao pai e se deixou chorar. Ali ela não precisava mais ser aquela garota excêntrica e ríspida. Ela era tão e somente uma adolescente com medo de tudo o que estava por vir.
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Bom diaaaaa meu povo!! Cadê vocês sumidos? Não postei ontem porque minha tendinite me judiou valendo "/
Me redimi postando um capítulo grandão pra vocês se divertirem, sei que é uma fase complicadinha e meio bad, mas tudo se solucionará e algumas outras revelações vão surgir. É pra quem quer que a Annie ajude a Ísis, quem sabe isso não acontece indiretamente?? Hahahaha adoro deixar vocês curiosas.
Não deixem de comentar, vou viajar mas continuarei postando.
Beijocaaaaasss las amo