O desespero....
Eu esfreguei os olhos e as lágrimas que teimavam em se acumular ali desceram por meu rosto já inchado de tanto chorar. Com os cotovelos apoiados na mesa da cozinha, enfiei o rosto nas mãos e assim fiquei, quieta,esperando que um milagre acontecesse e eu me livrasse de todos aqueles problemas. Mas eu sabia que nada seria tão fácil assim. Mais uma manhã se iniciava e eu já me desesperava sem saber oque fazer com aquela vida penosa que eu levava há um tempo longo demais.
Os problemas só se acumulavam e eu rezava ardentemente para que algo de bom ocorresse e alguma solução aparecesse. Mas meu tempo se esgotava e tudo piorava.Tentei me acalmar. Tudo ali dependia de mim e eu não podia me entregar à exaustão. Precisava pensar e encontrar uma solução. O meu prazo se esgotava rapidamente.
Assustei-me quando bateram na porta e ergui a cabeça, temerosa.Às sete horas da manhã, aquilo devia significar mais problemas. Rapidamente pensei no agiota que vinha aumentando suas ameaças e nas pessoas que eu devia e que poderiam estar vindo mais uma vez cobrar, inclusive o dono daquela casa. Eu estava com quase três meses de aluguel atrasado e ele vinha avisando que nos jogaria na rua.
- Anahi! – Chamou-me uma forte voz de mulher e eu relaxei um pouco. Era Benedita, minha vizinha e melhor amiga. A pessoa que mais me ajudava no mundo e em quem eu mais confiava.
Sequei bem o rosto com as mãos, respirei fundo e me levantei, saindo da cozinha apertada e indo até a porta de vidro e ferro da sala. Tentei aparentar tranquilidade ao destrancar a porta, mas assim que me viu, Benedita percebeu o meu estado e me abraçou com compaixão.- Chorando de novo, meu bem?
- Não. Acabei de acordar. Entre.
- Como vão as coisas?
- Bem. – Dei de ombros, trancando novamente a porta depois que ela entrou.
- Já tomou café?
- Ainda não. – Não disse que o pó de café já havia acabado há dias. –Sente-se um pouco.- Vim tomar café com você.
Benedita sorriu e mostrou a sacola de plástico que trazia em uma das mãos.Senti um misto de vergonha e agradecimento. Sem que eu pudesse impedir, lágrimas vieram aos meus olhos já vermelhos, mas eu disfarcei, impedindo que elas rolassem.
- Você não devia gastar desse jeito com a gente, Benedita.
- Deixe de besteira. Aqui só tem um pó de café, um leite, alguns pãezinhos e ovos. Eu não ia me convidar sem trazer nada, não é?
- Não sei como um dia vou poder agradecer tudo o que você faz por mim.
Benedita sabia dos problemas que me desesperavam. E sempre dava um jeito de aliviar o meu fardo.
– Venha, vou fazer um cafezinho.
- Como estão as coisas? – Ela se sentou no banquinho em volta da mesa com dificuldade. Tinha quase sessenta anos de idade e era bastante encurvada, sofrendo de dores na coluna devido à escoliose avançada. Enquanto pegava uma panelinha no armário descascado em um canto, lancei a ela um olhar preocupado.- Piorou da coluna, Benedita?
- Que nada! Tudo na mesma! Pelo menos os remédios não me deixam mais sentir dor.
Ela apoiou os braços sobre a mesa. Era pequena, um pouco gordinha e tinha uma brilhante pele negra quase sem rugas. Se não fossem os cabelos com fios brancos e o semblante de alguém que já passou por muita coisa na vida, ninguém acreditaria que ela já passara dos cinquenta anos de idade.
Enchi a panelinha com água e pus no fogão velho para ferver, rezando para que o gás durasse bastante e não acabasse, embora eu soubesse que isso devia estar prestes a acontecer. Resolvi não me preocupar com aquilo, pois só ficaria com mais um problema sem solução.
- E a Manuela?
- Está dormindo. – Sem querer sorri, ao falar de minha filhinha de quase três anos de idade. Aproximei-me da mesa e olhei para as coisas que Benedita trouxera e espalhara sobre a mesa. Controlei-me para não chorar ao ver a caixinha de leite.
– Obrigada, Benedita.
A senhora balançou a cabeça, compadecida. Sabia que provavelmente eu não tinha dinheiro nenhum e que Manuela estava sem leite.
- Gostaria de ver você resolver todos os seus problemas, Anahi. É tão jovem para passar por tudo isso!
- Tudo vai acabar dando certo. – Falei com um otimismo que eu não sentia. – Vou fazer uns ovos mexidos pra gente.
- Eu só quero café puro.
- Eu também. – Os ovos poderiam ficar para o almoço, pensei.
- Mas vai comer pão agora, não é? Está tão magra que daqui a pouco sai voando por aí.
- Vou, sim. – Sorri para ela com carinho e voltei a pia para pôr pó de café no coador. A água já fervia e eu despejei-a sobre o pó. O cheiro bom de café fez meu estômago roncar e eu percebi que não comia nada há quase vinte e quatro horas.
- Como está o Lucas?
- Na mesma. Ainda não acordou.
- E as crises?
- Melhoraram. – Respondi, embora não fosse bem verdade. Ele não havia dormido quase a noite toda, agitado. Fora um custo controlá-lo. Benedita não disse nada e eu agradeci. Sabia que ela era contra eu deixar o meu marido doente em casa. Várias vezes opinara que tudo seria mais fácil para mim se eu o internasse. Mas eu prometera a Lucas cuidar dele. E era o que me esforçava para fazer.
Pus o café pronto na garrafa térmica e trouxe para a mesa. Peguei dois copos vazios de geleia, uma faca e sentei-me em frente Benedita. Amargarina havia acabado. Restava-nos comer o pão a seco ou molhá-lo no café. Despejei o líquido quente e doce nos dois copos.
- Coma pão, Benedita.
- Não, já comi em casa. Obrigada. – Observou-me molhar o pão no café e comer um pedaço. – Já pensou o que vai fazer agora que o seguro desemprego acabou?
- Tenho que arrumar trabalho. Está difícil conseguir.
- Eu sei. Mas como vai trabalhar com o Lucas em casa? Posso olhá-lo, mas...
- Você já me ajuda muito tomando conta da Manuela, Benedita. Não tem condições de olhar também o Lucas, principalmente quando ele fica violento. É preciso força para contê-lo, virá-lo sempre na cama, limpá-lo.
- Eu sei. Anahi, não há outra solução. Você precisa interná-lo.
Tomei um gole do café, sabendo que ela tinha razão, mas procurando adiar a solução. Eu fora mandada embora do meu último trabalho por causa de faltas. Quando Lucas tinha crises no hospital, eu saía correndo para cuidar dele. Mas não fora só isso. O meu chefe até concordou em ser mais flexível, quando lhe contei meu problema, mas em troca eu teria que ser boazinha com ele.
Sorri sem vontade ao lembrar como eu o xinguei e como ele me mandou embora. O desgraçado aproveitador. Lucas havia implorado mais de uma vez, quando ainda tinha consciência das coisas, que eu não o largasse no hospital.
Ao ver as feridas no corpo dele, por ficar largado na cama sempre na mesma posição e encontrá-lo várias vezes sujo, além de muito magro, sem comer, eu o tirei do hospital.
Cuidava dele o melhor possível durante aqueles meses em que estava desempregada e recebia o seguro desemprego. Mas eu precisava trabalhar, para sustentar a casa e pagar todas as minhas dívidas. Estava desesperada, com medo e com raiva de mim mesma por ter que levá-lonovamente para um hospital, onde ninguém se incomodaria se ele estava com fome, frio, sujo ou com feridas. Eu prometera cuidar dele, mas como poderia honrar a minha promessa?