Alguns dias depois estou sentado no escritório de Peter. Aguardamos a chegada de Willian Hardy por quase vinte minutos. O homem já fugiu
desse encontro por duas vezes nos últimos dias.
— Que horas você marcou com ele? — pergunto impaciente.
— Às duas horas.
— Então ele está atrasado — reclamo sem olhar para o relógio em meu pulso.
— Seja mais paciente — Peter murmura. — O trânsito da cidade não colabora muito.
— E sobre Perla? — pergunto mais para ocupar o tempo do que por estar interessado nela.
De acordo com os relatórios que recebo diariamente, Perla está relativamente calma. No momento está passando uns dias no campo
com a família. Depois do episódio do hotel em Vermont não a vi, nem falei com ela. Até onde eu sei, ela também não entrou em contato com
Luma e nunca mais foi em minha casa. Embora, não esperaria outra atitude em relação à Luma.
— Sabe a prostituta que estava chantageando Perla? Foi paga por outra pessoa para chantageá-la. — Peter me arranca dos meus
devaneios — A prostituta alega que a pessoa que o cliente nunca mostrou o rosto. Ia lhe contar assim que saíssemos daqui.
— Como isso é possível? — pergunto intrigado.
— De acordo com ela, o homem usa uma máscara o tempo todo. — ele responde. — No começo achou esquisito, mas acabou se
acostumando, pensou que fosse algum tipo de fetiche.
— No entanto, o que ele quer é esconder o próprio rosto — concluo — Deve ser alguém conhecido de Perla, com certeza.
— Ou seu.
— Você acha?
Ele me mostra algumas fotos no IPhone, esse homem possui fotos íntimas de Perla. Nas fotos ela está acompanhada por alguns
homens, em vários tipos de jogos sexuais. Peter conseguiu com que a prostituta entregasse as fotos e as destruiu, mas salvou essas por
precaução.
— De acordo com a mulher eram apenas cópias usadas para chantagear Perla. As originais estão com esse homem misterioso — ele
continua.
Alguns minutos depois a secretária de Peter aparece na porta.
— Sr. Stone, o Sr. Hardy está aqui.
— Mande-o entrar, por favor — ele ordena.
Levanto-me rapidamente e fixo meu olhar na porta. Um jovem magro usando camisa preta e calça jeans aparece em seguida. Seu cabelo
é castanho escuro assim como os olhos. Reconheço-o imediatamente das fotos que vi recentemente.
— Como vai, William? Sente-se, por favor — Peter indica uma cadeira próxima de onde eu estou. Observo-o sentar e prefiro continuar em
pé.
— Você sabe por que está aqui, não é? — a voz de Peter soa atrás do homem. — Também pode sair daqui diretamente para a cadeia,
caso não resolva colaborar.
— E por que ainda não fizeram isso? — ele resmunga. — Será porque Sr. Herrera tem muita sujeira para esconder?
— Não tenho medo de enfrentar o meu passado — giro a cadeira dele de frente para mim. — Então não me provoque!
Realmente não tenho medo do passado. As pessoas têm que responder pelos seus atos, mais cedo ou mais tarde. O que me incomoda
são as pessoas que eu vou arrastar para essa lama comigo.
— Acha mesmo que a morte de uma jovem pode ficar impune? — ele dá uma risada de escárnio. — Acha mesmo que suas empresas e
sua família sairiam ilesas a isso?
— Sua irmã cometeu suicídio — eu respondo com raiva.
— Graças a você, seu irmão e seus joguinhos — ele berra ficando de pé.
As imagens do passado voltam a minha mente. Até aquela noite fatídica. Aquele quarto, aquele dia que mudou minha vida para sempre.
Como se fosse transportado de volta para lá. Lembro-me de todos os detalhes perfeitamente, desde a decoração até mesmo do cheiro.
O quarto parecia o local da Santa Inquisição Espanhola, cheio de objetos de tortura usados para a dor e o prazer. Correntes presas ao
teto com mosquetões para Karada (suspensão com cordas ou correntes), uma cama redonda e giratória no meio do quarto, cadeiras e bancos
de punição, pilastras para amarração com correntes e algemas.
Havia ainda uma mesa com tampo de vidro com vibradores, algemas, coleiras e ganchos nas paredes com açoites, cintos, varas,
chicotes, palmatórias e bastões pendurados. Havia todos os tipos de brinquedos sexuais. No fundo do quarto havia uma parede de vidro e uma
porta. Uma câmara secreta para os adeptos ao voyeurismo. Do quarto não se podia ver o observador, mas a pessoa do outro lado podia ver
tudo que se passava ali.
No início tinha sido uma experiência divertida e excitante. Um garoto de cheio de testosterona, imerso em fantasias sexuais. Tudo sempre
regado à bebidas e muita diversão. Eu era apenas um observador, Paul era um dominador e Perla era sua submissa. Paul curtia além do
BDSM, swing ou qualquer outra bizarrice que lhe desse prazer. Ele não se apegava a ninguém, para ele era tudo sexo, dor e prazer, contanto que
a dor fosse ele quem impusesse.
Observei muitas vezes Paul e Perla em suas aventuras sexuais, participei de algumas ao que me parecia inofensivas. Perla sabia
que eu a amava, ou eu pensava assim, e usava essa informação para me manipular. Muitas vezes fomos sozinhos para aquele quarto. Sempre
que Paul viajava ou sumia com outras mulheres. Era o momento em que eu acreditava que havia mais do que sexo entre nós dois. Tolo idiota.
Depois de alguns anos, Paul começou a incluir mais mulheres, às vezes homens dominadores ou submissos e as coisas começaram a
ficar perigosas. Era regra para Paul fugir das normas de dominação/submissão. Presenciei algumas vezes ele machucar algumas mulheres,
pelo simples prazer de causar dor e não de proporcionar prazer. Certa vez vi uma moça usar a tal palavra segura e ele simplesmente não parou.
Ele usava no momento um gancho anal e por muito pouco não a rasgou com aquilo. Eu estava prestes a entrar no quarto, quando ele aquiesceu e
retirou o gancho.
Lembro-me de quando estava com quase vinte anos e as coisas haviam realmente mudado para mim. Eu já não era o mesmo, não
éramos os mesmos, principalmente Paul e Perla.
— Eu estou fora disso, Paul — eu digo assim que entro no quarto negro. – Você está passando dos limites.
— Não seja uma mulherzinha — ele rebate nervoso. — Agora entra aí e fica quieto.
Ele me empurra dentro do compartimento e tranca a porta. Eu já estava completamente puto com ele. Eu fora enganado. Não sabia que
ele estava me levando para aquele lugar. Porra! Por que Paul simplesmente não aceitava as minhas decisões? Eu já havia dito um milhão de
vezes que não queria mais participar das suas cenas, mesmo que como observador.
— Paul! — grito com raiva. — Droga Paul, abra essa porta!
Eu forço a maçaneta com força. Nada. Tudo bem. Eu participaria de seus oguinhos doentios pela última vez. Sento-me resignado no divã
em frente ao vidro e aguardo. Uma jovem entra acompanhada de Perla e as duas estão vestidas com um robe negro de seda. O rosto da jovem
está encoberto por um capuz.