Acompanho Liam até seu consultório. Ele me explica todos os cuidados que preciso ter ao receber
alta do hospital, receita-me o colírio para os olhos que precisarei usar por algum tempo.
— Siga tudo o que disse passo a passo e não terá com que se preocupar. Amanhã já estará de alta.
A notícia seria maravilhosa se nas últimas 48 horas meu mundo não tivesse desabado sobre minha
cabeça. Por que sempre que eu conquisto alguma coisa tenho que abrir mão de outra? Se para
enxergar eu tivesse que perdê-lo seria um preço alto demais. Afinal já havia aprendido a viver nas
sombras, no entanto, não sei como poderei viver sem Poncho ao meu lado.
— Quando poderei vê-lo de novo?
— Eu vou consultar o médico dele e informarei a você.
— Você me disse à tarde — protesto — Quando ele irá acordar?
— Foi uma cirurgia longa e complicada Any. Poncho ainda está sob o efeito pós-anestésico. Além
disso, é seu corpo que irá determinar a hora certa para isso. Temos que esperar.
— Gostaria de ficar com ele — murmuro.
— Você deve ter paciência — suspira ele — Não há mais nada a fazer no momento.
— Irá me avisar assim que ele acordar?
— Sim.
Tento me convencer a ficar calma.
— Como está a Luma? — A essa altura a criança já deve estar a par do que aconteceu. Fico
imaginando como estará lidando com tudo isso.
— Ainda não a vi, mas creio que deva estar abalada.
— Gostaria de vê-la. Ela ama muito o pai.
Meus olhos se enchem de lágrimas ao imaginar o quanto a garotinha deve estar sofrendo, sozinha.
— Lilian está na casa de Poncho com ela. Assim que for possível, Luma terá autorização para vê-lo.
Talvez amanhã quando você sair do hospital possa ir até lá visitá-la. Sei que ela gosta muito de você.
— Eu farei isso.
Lembro-me da última vez que a mãe de Ponchp esteve naquela casa, não havia sido muito amistosa
comigo. Sem a presença dele nem posso imaginar como reagirá. E mesmo tendo receio de como vou
ser tratada ou recebida, preciso ver a Luma, ficamos muito próximas uma da outra e imagino o quanto
sofre nesse momento. Pelo menos eu ainda posso vê-lo, mesmo que por alguns minutos. Não deve ser
fácil para ela saber que o pai está doente e ainda sem poder visitá-lo.
Quanto à Lilian? Será que Liam sabe alguma coisa sobre a visita em meu quarto?
— Lilian esteve em meu quarto ontem? Você sabe algo sobre isso?
A surpresa em seu rosto me diz que não.
— Sinto muito, mas eu não faço ideia.
— O que ela sabe sobre o acidente? Sabe que a culpa foi minha?
— A culpa não foi sua Any — murmura ele — Aceite isso e pare de se torturar. Quanto à Lilian,
nós não conversamos muito sobre o assunto. Ela falou com o médico responsável, mas eu não acho
que ele entrou em detalhes pessoais, apenas nós sabemos as circunstancias em torno disso.
Fico um pouco aliviada. Não que eu goste de mentir sobre o acidente, mas ter a mãe de Poncho
contra mim nesse momento ou fazendo acusações não é algo que posso lidar agora. Além disso,
temos que proporcionar um ambiente tranquilo para quando ele estiver consciente, precisará de todo
apoio e paz ao redor dele.
Volto para quarto sem ânimo algum. De alguma forma, ficar no hospital me dá a sensação de que
estou próxima a Poncho. Ir embora no dia seguinte me dá a sensação de abandono.
— Más notícias? — pergunta Maite ao ver a tristeza em meu rosto.
— Terei alta amanhã.
— Isso não é uma coisa boa?
— Gostaria de ficar aqui — murmuro — Perto dele.
— Mas poderá vê-lo não é?
— Não é a mesma coisa — sinto uma dor aguda no peito.
— E como ele está?
— Ainda está inconsciente. Temos que esperar que ele acorde. Vou visitá-lo à tarde.
Passamos o restante da manhã conversando sobre o meu passado, o acidente e meu futuro daqui
para frente. Mesmo que tudo pareça trágico ele está vivo e isso é que importa.
≈≈≈
À tarde volto ao quarto de Poncho para outra visita. É uma alegria e tortura para mim ao mesmo
tempo. Alegria, que por pelo menos, por alguns minutos, posso ficar perto dele; segurar suas mãos,
sentir seu calor e conversar com ele, mesmo que pareça não me ouvir. Até mesmo cantei suas
músicas preferidas. Sinto uma imensa tortura por ter que partir e ter que esperar horas para poder vê-
lo novamente quando meu desejo é ficar ao lado dele sempre.
Estou saindo do quarto quando vejo uma mulher parar à minha frente.
— O que faz aqui? Como tem coragem de aparecer aqui?
Reconheço a voz. Quando eu era cega meus outros sentidos como tato e audição eram mais
aguçados que o normal e quase nunca me esqueço de uma voz.
— Vim visitar o Poncho — respondo a mãe dele.
— Que eu saiba, só é permitido à visita de familiares — diz acidamente. – Você não é da família!
Encaro a mulher loira, elegante e bonita a minha frente. Sua hostilidade é perceptível.
— Sra. Herrera eu...
— Lilian, você sabe que Any é noiva de Poncho e tem o direito de estar aqui — diz Liam ao se
aproximar de nós.
— Noiva? — diz, torcendo o nariz — Não estava sabendo disso. Onde está o anel de noivado?
Seus olhos vão direto para minha mão direita como se para comprovar o que diz.
— Poncho pretendia entregar assim que Any saísse do hospital, eu vi o anel — Liam responde por
mim — Mas as circunstancias não permitiram.
— Só que ele não deu. Talvez tenha caído em si e mudado de ideia — diz ela, arrogantemente —
Não sai de minha cabeça que isso é culpa dela.
— Eu sinto muito Sra. Herrera— sussurro — Eu não queria...
— Não diga absurdos Lilian! — reage Liam, com raiva — Foi um acidente.
— Perla me disse... — ela titubeia nas palavras, seu olhar irado em direção a mim — Alguma
coisa você fez e eu vou descobrir. Enquanto isso, eu quero que fique longe de meu filho.
Sophia novamente? Quando essa mulher iria entender que Poncho não a ama e não a quer. Quantas
vezes ela se colocará em nosso caminho?
— Sinto muito por tudo o que aconteceu — respiro fundo — Eu não sei o que Sophia disse, mas
não vou sair de perto dele. Não até que acorde e ele mesmo me peça isso.
Seus olhos me encaram com indignação seguido de frieza.
— Você não era cega? — olha-me com desconfiança — Ou era apenas uma artimanha.
— Por Deus Lilian! —protesta Liam — Eu mesmo fiz a cirurgia de Any.
— Graças ao Poncho, fui operada e voltei a enxergar há pouco tempo — respondo emocionada.
Nunca poderei me esquecer disso e cansar em agradecer. Se não fosse o amor dele e a fé que
depositou em mim todos os dias, ainda estaria vivendo nas sombras.
— Não pense que me engana. Sei muito bem o que sua irmã fez ao meu filho Paul. Não fará o
mesmo com Poncho. Eu não vou permitir isso.
Observo-a entrar no quarto como um furacão, suas últimas palavras me deixaram atordoada. O
que Samantha tem a ver com isso? O que ela quis dizer?
Tenho vontade de entrar e dizer umas boas verdades a ela. Fora Paul que abusou e prejudicou
minha irmã ao ponto dela dar cabo a própria vida. Ele era o vilão da história e não Samantha. Por
causa dele eu desprezei a pessoa mais importante da minha vida e por causa dele quase o perdi.
Então, se há algum culpado é o Paul, que mesmo morto nos atinge com suas crueldades.
— Não ligue para Lilian — Liam tenta me tranquilizar — Embora não pareça, também está muito
abalada.
— Ela não pode me impedir de vê-lo, não é?
— Any, por vários dias todos nesse hospital viram como Poncho é apaixonado por você. Além
disso, você é noiva dele, tem o direito de estar aqui. Não vou permitir que a mãe dele a impeça de
vê-lo.
— Obrigada — murmuro, aliviada.
— Vamos.
Volto para quarto e narro a Maite tudo o que aconteceu há alguns minutos. Como esperado ela fica
furiosa com Lilian e Perla.
— Deve ser por isso que veio aqui ontem. Provavelmente queria tirar satisfação. Agora, o que
aquela bruxa da Perla pode ter falado?
— Eu não faço a mínima ideia. No entanto, uma coisa me deixou muito intrigada... Lilian me disse
algo sobre Samantha e Paul.
— O quê?
— Algo sobre ela ter feito mal a ele.
— Isso é ridículo. Pelo que você me contou foi o contrário.
— Não se Maite — respondo, confusa — Ela parecia realmente acreditar no que dizia. Além
disso, Kevin e eu nunca conversamos sobre isso, não contamos a mais ninguém, nem aos nossos pais.
Eu tinha coisas piores para me preocupar naquela época, além do meu sentimento de culpa. Talvez
ela realmente não saiba.
— De qualquer forma o filho dela não era um santo — resmunga Maite —Não há como negar isso.
— Agora tudo faz sentindo — falo comigo mesma — Quando ela visitou o Poncho naquele dia disse-
me que eu causaria sofrimento a ele. O mesmo disse Perla aquela vez no restaurante. Somente agora
as pontas soltas se encaixam.
Corro até o espelho no banheiro. Não havia notado, mas Samantha... Nós sempre fomos muito
parecidas. Se não fosse a diferença de idade poderíamos nos passar como gêmeas.
— Elas me reconheceram — encaro Maite através do espelho — Conheciam Samantha.
Tudo parece muito confuso. O que eu não sei? De uma coisa tenho certeza, Samantha havia sido a
vítima e irei provar isso custe o que custar.