Fanfic: Castle Combe | Tema: Original

Eu nunca sonhei, nem uma vez sequer, em toda a minha vida. O apartamento onde eu morava com meus pais, no centro de Londres, estava sempre rodeado de barulho; buzinas, lojas abrindo suas portas, o despertador tocando e meus pais se arrumando para o trabalho. E quando a noite chegava, bares e tavernas abriam suas portas e a música tocava.

  Eu me acostumei a isso, ao barulho e à rotina corrida de se viver em uma cidade grande. Mas meus sonhos sempre foram silenciosos; eu deitava, dormia e acordava, sem sonhar. Bem, isso até ontem.

  Durante minhas férias meus pais decidiram que seria bom eu passar esse último ano do ensino médio com meus avós, já que eu havia decidido fazer intercâmbio nos Estados Unidos após terminar o colégio, por isso ficaria difícil para mim visitá-los frequentemente.

  Me despedir dos meus pais fora mais fácil do que eu pensei. Não houve lágrimas, nem muitas emoções. As lágrimas vieram quando eu reencontrei meus avós, depois de passar um ano sem vê-los.

  Eles moravam em Castle Combe, uma cidade bem pequena, localizada em Wiltshire. Visitar esta cidade é como visitar o século passado, as ruas e casas feitas de pedra; quase não se viam carros, e sim bicicletas. E o tempo era apenas um: frio e chuvoso. Sempre. Uma cidade perfeita para passar as férias, como eu costumava fazer quando criança, mas não para morar a vida inteira. O tédio consumiria qualquer um que tentasse, menos os mais velhos que viveram a vida inteira aqui, é claro.

  Minha vó havia arrumado meu quarto, que ficava no sótão, como eu havia pedido.

  Ao entrar, a primeira coisa que reparei foi no teto inclinado, por qual sempre fui apaixonada. Desci meu olhar para o banco na janela, o que eu achava lindo. Minha cama ficava no canto direito, enquanto que a cômoda onde eu colocaria minhas roupas ficava no canto esquerdo. Ao seu lado havia uma escrivaninha de tamanho médio, com espaço suficiente para acomodar o que eu precisava. Estava perfeito.

 - Obrigada, vó - me virei para ela, que estava parada na soleira da porta com um olhar de expectativa em seu rosto - isso aqui é perfeito pra mim.

  Ela sorriu em alívio, colocando uma mecha grisalha atrás da orelha.

 - Fico feliz que tenha gostado, minha neta - ela disse, vindo ao meu encontro e me dando uma abraço - mas agora você precisa dormir, porque depois de amanhã suas aulas começam, e você tem que estar preparada - ela me soltou e deu uma risada.

  Sorri de volta para ela.

 - A senhora é quem manda - dei uma risada. 

  Com isso, ela me deu um último beijo no rosto, me desejou boa noite e saiu. 

  Passei o dia seguinte inteiro arrumando minhas coisas. Sobretudos, calças, botas, blusas e camisetas em seus devidos lugares. Com a decoração do quarto eu não me importava, então apenas deixei do jeito que estava. O dia passou correndo, e quando me dei conta, já era hora de dormir.

  E aqui estou eu, acordando da minha segunda noite de sono em Castle Combe, e da minha primeira noite de sonhos. Eu não me lembrava de nada, porém sabia que havia sonhado com algo, ou alguém; só sei que não fora nada bom. Fechei os olhos e tentei lembrar de alguma coisa. Nada.

  Então decidi me levantar e fazer minha higiene matinal. Quando cheguei ao banheiro, que ficava no final do corredor, me olhei no espelho e reparei logo no meu pescoço. Uma fina cicatriz o atravessava de um lado ao outro. Eu já havia me acostumado a ela, ela estava lá desde que eu me entendo por gente; porém, eu nunca andava sem um cachecol ou uma gargantilha, algo que a cobrisse. Havia me cansado das pessoas olhando torto e perguntando como a cicatriz tinha sido feita, afinal, nem mesmo eu sabia a resposta. Quando me deixaram na porta dos meus pais, meu pescoço sangrava, mas eu não gritava. A única certeza que eu tenho é que o corte fora feito profundo o suficiente para me marcar, mas não para me matar. 

  Porém, o que havia de diferente é que a cicatriz que sempre fora quase da cor da minha pele e, hoje, estava avermelhada, como se o corte fosse recente. Toquei-a cuidadosamente, mas não havia mais nada de diferente, além da própria vermelhidão. Decidi esquecer disso por enquanto, então me virei e fui tomar meu banho.