Fanfic: Castle Combe | Tema: Original
A casa de meus avós era decorada ao estilo rústico. Por dentro, nosso piso e paredes eram completamente revestidos com madeira, e por fora, era feita de pedra. Assim como todas do bairro, era composta por três andares; o primeiro, sala de estar e jantar, cozinha e um pequeno lavabo; o segundo, dois quartos e um banheiro; e no terceiro, havia outro banheiro e o sótão. Mas já não podíamos mais chamá-lo assim, pois agora era o meu quarto. Não era uma enorme casa, mas tinha tamanho suficiente para que três pessoas pudessem morar confortavelmente.
Quando cheguei, encontrei meus avós na sala de estar, sentados um ao lado do outro, de frente para a televisão. Qualquer um veria de longe que eu não era neta biológica deles, dadas as nossas diferenças gritantes. Os dois eram loiros dos olhos claros, assim como meus pais, enquanto que eu possuía olhos e cabelos escuros. Porém, eu nunca havia me sentido deslocada. Ninguém poderia ter recebido mais amor e educação do que eu. E se meus pais verdadeiros me abandonaram, eu sempre procurava pensar que foi para o meu próprio bem, por isso eu os perdoo.
Assim que os dois me viram, se levantaram e vieram ao meu encontro.
- Eu acabei de ouvir o que aconteceu, minha neta. Você está bem? Estava até agora no colégio? - Minha vó segurou minhas mãos, com uma expressão preocupada.
- Jurnee, dê um tempo para a menina chegar em casa. - Meu avô interviu. Olhei para ele agradecida. - Por que você não vai até a cozinha buscar um copo d'água, sim? - Ele soltou nossas mãos lentamente, e só se virou para mim quando vovó já havia saído. - Sente-se, querida. - Ele me guiou até o sofá. - Nós ouvimos a notícia há pouco, no rádio da cidade. Se não estiver à vontade para nos contar como aconteceu, tudo bem. - Ele me olhou docemente.
Nossas características físicas eram a única diferença entre nós dois. Não havia ninguém no mundo que me conhecesse melhor do que meu avô. Eu poderia me sentar e conversar com ele sobre qualquer coisa, porque eu sentia que ele me entenderia. Eu sempre fui muito introspectiva, e não era do tipo que demonstrava as emoções facilmente, mas meu avô conseguia dizer se eu estava feliz ou triste só de olhar nos meus olhos. Algo que sempre me impressionou, já que eu conseguia me esconder de todos, e ele era a única exceção. Eu só não poderia dizer a ele que tinha visto algo que não era humano. Ainda sentia que o que eu havia presenciado era algum tipo de alucinação, e tinha medo de que se eu dissesse em voz alta, se tornaria real.
- Na verdade, eu não me lembro muito bem do que aconteceu antes de desmaiar. Só sei que em uma hora eu estava em frente ao meu armário, e na outra, eu estava gritando. - Omiti as partes que eu não tinha certeza de que haviam realmente acontecido. - E então, quando eu acordei, estava na enfermaria da escola. - Sua boca se comprimiu em uma linha fina, e seus olhos não apresentaram certeza nenhuma. Ele sabia que eu estava mentindo. Olhei para o meu colo, envergonhada de mim mesma.
- Vá para cima, querida. - Ele afagou minha cabeça gentilmente. - Descanse um pouco e tente não lembrar muito do que viu. Eu vou cuidar da sua vó para que ela não te encha de perguntas, mas não prometo nada. - Ele soltou uma breve risada e eu o acompanhei. Pela primeira vez no dia consegui dar um sorriso verdadeiro.
- Obrigada, vô. - Dei-lhe um abraço apertado, me virei e comecei a subir as escadas.
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Às onze e meia da noite, eu já havia dormido, comido e navegado por todas as redes sociais que eu tinha. O tédio me consumia por inteiro, e eu olhei para os meus pés para ter certeza de que não havia começado a criar raízes. Eu estava há meia hora sentada no banco que ficava na janela, abraçada aos joelhos e com a cabeça contra o vidro. Duas horas atrás, o céu havia desabado. A chuva, agora, caía intensamente, e não dava sinais de que iria parar tão cedo. A combinação de noite, chuva e ruas solitárias fazia Castle Combe se assemelhar a um cenário de filme de terror.
Eu observava a casa ao lado, vendo que a janela do segundo andar estava acesa. Devia ser o quarto do casal. Durante a tarde, eu tomei conhecimento de que apenas um homem e uma mulher moravam ali. Hoje eles ficaram o dia todo em casa, andando pra lá e pra cá, mas sempre juntos. Pareciam gostar muito um do outro, e aparentavam ter a mesma idade dos meus pais.
Meus pais. Eles ainda não haviam me ligado.
Eu já ia me levantar para pegar meu celular, quando reparei em uma movimentação estranha na casa ao lado. A luz do sótão acendeu e apagou rapidamente. Voltei meu olhar para o segundo andar e vi que o casal agora estava deitado. O homem se levantou e apagou a luz do quarto, e então só vi sua sombra voltando para a cama. Mas se não foi nenhum dos dois que haviam subido ao sótão, quem foi? Eu passei praticamente o dia todo ali, sentada, observando a rua e a casa, então eu saberia se mais alguém estivesse morando ali. Além do mais, era normal que a luz falhasse e se apagasse rapidamente, ainda mais com aquele tempo; mas já passava dos limites da minha imaginação ela acender sozinha.
Passei os próximos segundos encarando a janela do sótão fixamente, esperando a luz voltar a se acender, com medo de que se eu piscasse, perderia o próximo ato. Meu coração batia forte no peito, e eu quase não respirava. E então, quando uma sombra atravessou a janela do outro lado, eu me joguei para trás da parede, com medo de que o que estivesse lá me visse. Eu só não tinha certeza do que era, mais uma vez. Esperei meu coração se acalmar antes de voltar meu olhar para a janela. O que eu vi quase me levou ao desmaio. A luz estava acesa novamente, e na janela, alguém me observava, olhando diretamente nos meus olhos. Sufoquei um grito de horror, tapando minha boca rapidamente, com as duas mãos. Eu o reconheci na mesma hora. Era o homem da lanchonete, o mesmo homem que eu havia visto perseguindo a menina mais cedo. Eu olhei para baixo, para o segundo andar, onde o casal agora dormia tranquilamente, e ele fez o mesmo, como se soubesse o que eu estava pensando. Eles estavam em perigo. Esse homem havia matado aquela garota, e pelo sorriso em seu rosto, eu sabia que ele faria o mesmo com o casal. Ao mesmo tempo em que cheguei a essa conclusão, a luz do outro lado se apagou e o homem sumiu.
- Não! - A palavra deixou os meus lábios antes que eu pudesse evitar. Eu me aproximei da janela e explanei minhas mãos no vidro, como se pudesse chegar do outro lado. Eu tinha que fazer alguma coisa. Sentia que algo terrível iria acontecer se eu não agisse rapidamente.
Olhei para os lados, procurando pelas minhas botas e as calcei rapidamente. O sobretudo estava jogando por cima da cama, e meu celular, dentro de seu bolso. Tentei correr o mais silenciosamente que pude. No segundo andar, meus avós já roncavam suavemente, e eu sabia que nada no mundo os acordaria até as seis da manhã. Desci correndo as escadas, e não pude evitar bater a porta da frente. No lado de fora, a chuva já encharcava minhas roupas e embaçava a minha visão. Porém, não foi muito difícil chegar à casa ao lado. Alguns passos rápidos e eu já estava lá.
Não me surpreendi ao ver que a porta da frente estava aberta. Castle Combe era uma cidade livre de crimes, e quem ousasse cometer um hoje, seria descoberto no segundo seguinte. Por isso, não havia sentido em trancar as portas.
Me senti ligeiramente envergonhada por estar invadindo a casa de outra pessoa, mas esse sentimento me deixou, assim que eu me lembrei do meu propósito ali. Senti um calafrio atravessar o meu corpo com a ideia de que além de mim e o casal lá em cima, havia mais alguém naquela casa. Não sabia se deveria ligar a lanterna e denunciar minha presença, ou simplesmente andar no escuro sem saber o que estava à espreita. Decidi escolher a segunda opção. Com o conhecimento de que todas as casas eram iguais, tentei me guiar aqui como se estivesse na minha. O ambiente era escassamente iluminado pelas luzes que vinham da rua.
Segui em frente e subi as escadas. Ao chegar no segundo andar, me dirigi para a porta à direita, sabendo que ali dormia o casal. Assim que pousei minha mão sobre o frio metal da fechadura, uma mão tapou a minha boca e a outra envolveu o meu corpo. O choque percorreu o meu corpo e arregalei os olhos com o susto. Comecei a chutar e a me debater, tentando me libertar de quem estava me segurando. Mas percebi que meus esforços não serviram para nada quando comecei a ser arrastada para o banheiro. Assim que entramos, a porta se fechou ao meu lado.
- Eu vou te soltar, mas se você gritar, vou me certificar de que nunca mais o faça. - A mão que envolvia o meu torso subiu lentamente, e pousou sobre o meu pescoço, o polegar levantando o meu queixo, fazendo com que minha orelha ficasse a altura de sua boca. Seus lábios rasparam minha pele suavemente, enviando uma onda de calor por todo o meu corpo. O tom de sua voz era doce e quente como cappuccino. Mas o significado de suas palavras fizeram meus olhos se encherem de lágrimas.
Ele retirou suas mãos de mim, e então, no segundo seguinte, eu já estava com as costas contra a parede, de frente para a ele, me distanciando o máximo que o pequeno cômodo permitia. Exitei por três segundos, antes de erguer meu olhar e encará-lo. Apesar de ter olhado em seus olhos apenas duas vezes, eu os teria reconhecido em qualquer lugar. Deon estava ali, parado bem na minha frente. Seu corpo, alto e esguio, ocupava o cômodo quase todo. Devia ser uns trinta centímetros mais alto do que eu. Usava uma camiseta cinza claro, jaqueta de couro por cima, calças escuras e sapatos da mesma cor.
Quando enfim olhei em seus olhos, notei que os mesmos tinham uma expressão clara de desgosto. O maxilar travado e rosto torcido em desprezo. Ele estava furioso.
- O que você está fazendo aqui? - Ele deu um passo em minha direção, acabando, por completo, com o espaço entre nós. Sua voz saiu tão baixa que eu não tive certeza se ele havia mesmo falado algo. Seus cabelos estavam úmidos, o que significava que ele também havia chegado até aqui a pé.
Meu cérebro não teve tempo de pensar em uma resposta antes que um barulho me fizesse dar um pulo. A tábua do outro lado rangeu, anunciando a presença de alguém. Deon levou um dedo aos lábios, pedindo silêncio. Quem quer que estivesse do lado de fora teria ouvido meu coração martelando. Eu sentia o medo de uma maneira que eu nunca havia feito antes. Tudo isso misturado ao fato de ter Deon tão perto faziam com que eu não conseguisse regular minha respiração.
Eu sabia que não eram os donos da casa que estavam lá fora me procurando, pois senão eles já teriam ligado para a polícia e eu teria ouvido suas vozes. Quem procurava por mim agora estava aproveitando o momento. Saboreando o instante da caça, como um leão que se aproxima lentamente de sua presa.
Os passos se aproximaram, e pararam em frente à porta do banheiro. A essa altura, as lágrimas já desciam desenfreadamente pelo meu rosto. Eu tapava minha boca com as duas mãos, tentando evitar que um soluço escapasse. Eu não tinha vontade de gritar ou de pedir ajuda, eu só queria desmaiar mais uma vez e acordar na minha cama. Queria voltar no tempo e negar aos meus pais a opção de vir para Castle Combe.
Deon levou suas mãos ao meu rosto, e afastou as minhas suavemente. Ele olhou nos meus olhos, e sussurrou algo parecido com está tudo bem, o que fez eu me acalmar um pouco. Meu coração voltou a bater em seu ritmo normal e minhas lágrimas cessaram. Eu me sentia incrivelmente calma.
- Eu sei que você está aí, menina. - A voz do outro lado disse. - Eu consigo sentir o cheiro do seu medo. - Ele deu uma breve risada. - Por que você não vem até mim e facilita as coisas pro seu lado, huh? - Seu tom de voz era o de quem falava com uma criança. Enganosamente simpático.
De repente, eu fui empurrada para trás e a porta se abriu. Deon saltou para cima do homem com o braço erguido em ataque. Um raio brilhou no céu no mesmo instante em que os dois se chocaram. Eles rolaram no chão até o outro lado, e foram parados ao se encontrar com a parede, o que fez com que a mesma se partisse. Olhei para a porta do quarto do casal e nada. Ninguém havia saído correndo, assustado com o barulho da briga. Voltei meu olhar para os dois, vendo que agora Deon tinha a vantagem sobre o homem. Ele ergueu o braço novamente, e algo brilhou em sua mão, algo como uma lâmina. Deon a cravou no torso do homem, e o retirou rapidamente. Na mesma hora, o homem começou a se contorcer e revirar no chão, soltando um guincho estridente que se assemelhava ao som de ferro raspando em ferro. Deon se afastou da cena e olhou na minha direção. Franziu os olhos ao me ver sentada, totalmente encolhida no chão. Ele veio até mim e se agachou na minha frente.
- Elowyn, está tudo bem agora. - Ele pronunciou essas palavras tranquilamente, como se há segundos atrás não estivesse envolvido em uma luta com algo que eu sabia que não era humano.
Tive essa certeza ao olhar de volta para o homem do outro lado; ele ainda se contorcia, mas agora sua pele começou a queimar, como se estivesse entrando em combustão. Durou poucos segundos antes que nada além de cinzas houvessem sobrado. Eu queria me descontrolar, chorar e gritar, porém, aquela desconhecida sensação de calma ainda pairava sobre o meu corpo. Eu sabia que não provinha de mim.
Deon olhava nos meus olhos, esperando a minha resposta.
- Eu estou bem. Estou calma. - Minha voz estava rouca e embargada. Limpei a garganta antes de continuar. - Eu quero ir pra casa, mas antes preciso saber se as pessoas que moram aqui ainda estão vivas.
Deon pegou minha mão entre as suas e me levantou lentamente. Me guiou até a porta do quarto e a abriu suavemente. Eles ainda estavam lá, dormindo tão tranquilamente quanto da última vez que eu os havia visto. O peito subindo e descendo com a calma respiração. Aquilo não era possível.
Franzi o cenho.
- Mas isso... - Desviei o olhar dos dois e me voltei para Deon. Encarei a parede atrás dele ao ver que ele já me encarava. - Eles não acordaram. - Constatei, como uma idiota.
- É o que parece, não é? - Ele levantou o canto da boca, sorrindo sarcasticamente.
- Eu não estou brincando, Deon. - Ele ergueu as sobrancelhas ligeiramente ao ouvir seu nome.
- Meu nome parece tão mais interessante dito por você. - Ele comprimiu os lábios, tentando evitar uma risada.
Olhei para ele, indignada.
- O que é tão engr... - Antes que eu pudesse terminar a frase, Deon pegou meu rosto entre suas mãos e olhou fundo em meus olhos.
A última coisa de que me lembro é da cor azul, brilhando e vibrando sob a minha pele.
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Acordei às sete horas da manhã seguinte, com a voz de Tyler Joseph gritando nos meus ouvidos. Tive vontade de pegar meu celular e tacá-lo do outro lado do quarto, mas me contive. Não valia o esforço. O desliguei e me virei para o lado. Mas antes que eu pudesse fechar os olhos, algo me confundiu. Haviam muitas vozes do lado de fora, o que me fez pensar brevemente que eu estivera de volta à Londres. Tirei os cobertores de cima de mim e me sentei. O teto inclinado e o banco na janela ainda estavam lá. Eu ainda estava em Castle Combe. Então de onde vinha toda essa movimentação?
Me levantei e fui até a janela. Arregalei os olhos ao ver os carros da polícia, a ambulância e praticamente toda a vizinhança parados em frente à casa ao lado. A casa que eu, Deon e o homem desconhecido havíamos invadido na noite passada.
Me virei e corri para o armário, pegando apenas a calça e o casaco de moletom. Fui para o banheiro e escovei os dentes rapidamente. Então voei escadaria abaixo. Meus avós não estavam em lugar nenhum da casa e a porta da frente estava aberta. Lá fora, os encontrei no meio dos curiosos. Cotovelei alguns, abrindo espaço entre as pessoas e parei do lado do meu avô.
- O que aconteceu? - Soprei, atordoada.
Haviam dois carros de polícia e uma ambulância. A casa estava toda aberta e vários policiais andavam por ela, inspecionando-a. Parecia uma daquelas cenas de CSI. De repente, as pessoas começaram a abrir espaço para que os enfermeiros passassem. Eles traziam duas macas, e em cada uma delas jazia um saco preto. Eu sabia o que aquilo significava. Eram dois corpos.
Meu avô se virou pra mim.
- O Sr. e a Sra. Follmann foram encontrados mortos esta manhã. - Meu avô continuou falando, mas eu não dei ouvidos.
Mortos. Eles estavam mortos.
Me virei e fiz meu caminho de volta. Sentei-me em frente a nossa casa, no meio-fio, e pus minha cabeça entre as mãos. Não conseguia me convencer do que havia visto. Minutos antes de eu desmaiar na noite anterior, eu vi o casal dormindo em sua cama. E eles estavam vivos. O homem que eu pensei que iria matar os dois já estava morto.
Deon. Ele era o único lá após o meu desmaio. Eu me recusava a acreditar que ele possa ter feito algo, mas não havia outro jeito.
Tinha algo errado naquela história, algo que estava me escapando. E eu iria descobrir.
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Autor(a): vitoriafelinto
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).