Fanfic: ❤ Um Porto Seguro ❤ | Tema: Ponny ❤
O CABELO DELE havia ficado grisalho poucos anos depois do seu vigésimo aniversário, o que provocou alguns comentários e piadinhas de seus amigos. Além disso, a mudança não foi gradual, com alguns fios aqui e ali adquirindo tons prateados. Em vez disso, em janeiro ele tinha a cabeça coberta por cabelos negros, e, em janeiro do ano seguinte, apenas uns poucos fios negros ainda resistiam. Seus dois irmãos mais velhos não tiveram o mesmo destino, embora ambos houvessem ganhado alguns fios brancos nas costeletas nos últimos anos. Nem sua mãe nem seu pai foram capazes de explicar aquilo; até onde eles sabiam, Alfonso Herrera era uma anomalia para os dois lados da família.
Estranhamente, aquilo não o incomodava nem um pouco. No ex- ército, ele chegou a suspeitar de que os fios grisalhos o haviam ajudado na carreira. Ele trabalhava na Divisão de Investigação Criminal, ou DIC, que tinha bases na Alemanha e na Geórgia e passara dez anos investigando crimes militares, desde soldados que simplesmente desapareciam dos quartéis até casos de invasão de domicílios, maus-tratos domésticos, estupros e até mesmo assassinatos. Ele fora promovido várias vezes, até se aposentar, aos 32 anos, com uma patente de major. Depois de completar seus afazeres e concluir sua carreira no ex- ército, ele se mudou para Southport, a cidade natal de sua esposa. Eles eram recém-casados e o primeiro filho estava a caminho.
Embora sua primeira ideia fosse a de procurar um emprego na polícia ou em alguma outra organização que promovesse o cumprimento das leis, seu sogro havia feito uma oferta para que ele comprasse o negó- cio da família. Era uma loja construída em estilo antigo que vendia artigos rurais, frutas, verduras, geleias e outras conservas. O imóvel havia sido feito com tábuas brancas, com venezianas azuis e alguns bancos do lado de fora; era o tipo de estabelecimento que já tivera seus dias de glória há vários anos, mas que, praticamente, não existia mais. Os quartos para a família ficavam no segundo andar.
Uma imensa árvore de magnólias trazia sombra para um dos lados da casa, e um carvalho ficava logo em frente. Apenas metade do estacionamento era feita de asfalto, enquanto a outra metade era coberta por cascalhos — e, mesmo assim, o lugar quase nunca ficava vazio. Seu sogro havia inaugurado a loja antes que Carly nascesse, quando não havia muita coisa além de fazendas e pastos ao seu redor. Mesmo assim, o homem se orgulhava de entender as pessoas e queria manter em estoque qualquer coisa de que eles precisassem — o que resultava em um lugar que chegava a ficar desorganizado com o excesso de produtos. Poncho tinha a mesma opinião e mantinha a loja quase do mesmo jeito.
Cinco ou seis corredores ofereciam frutas, verduras e produtos de higiene pessoal; refrigeradores ao fundo da loja transbordavam com todo o tipo de bebida, desde refrigerantes e água até cerveja e vinho, e, assim como em qualquer outra loja de conveniência, tinha várias prateleiras de salgadinhos, doces e muitos tipos de alimentos industrializados que as pessoas compram quando estão perto da caixa registradora. Mas era ali que as similaridades terminavam. Também havia inúmeros tipos de equipamentos para pesca nas prateleiras, iscas vivas e um outro balcão com uma churrasqueira e uma chapa quente operados por Roger Thompson, que já havia trabalhado em Wall Street e que se mudara para Southport em busca de uma vida mais tranquila.
Ao lado da churrasqueira, onde se podia comprar hambúrgueres, sanduíches, cachorrosquentes e outras delícias, havia algumas mesas e outros lugares para sentar. Havia também DVDs para alugar, vários tipos de munição, capas impermeáveis e guarda-chuvas, além de uma pequena seleção de best-sellers e clássicos da literatura. Além disso, a loja vendia velas automotivas, correias para motor e latas de gasolina, e Poncho fazia cópias de chaves com uma máquina nos fundos. Ele tinha três bombas de gasolina para os carros e outra no ancoradouro, caso algum barco precisasse encher o tanque — o único lugar onde era possível fazer aquilo fora da marina. Vários potes de picles, sacos de amendoim cozido e cestas de legumes frescos cobriam o balcão. Surpreendentemente, não era difícil controlar o estoque da loja. Algumas mercadorias saíam regularmente, outras não.
Como seu sogro, Poncho notava aquilo de que as pessoas precisavam assim que elas entravam em sua loja. Ele sempre percebia e se lembrava de coisas que outras pessoas não conseguiam, uma característica que o havia auxiliado imensamente nos anos em que tinha trabalhado para o DIC. Hoje em dia, ele passava um bom tempo examinando ou testando as mercadorias do seu estoque, tentando acompanhar as mudanças de preferências dos seus clientes. Poncho nunca imaginou que um dia faria algo assim, mas a decisão que tomara não lhe desagradava. Pelo menos ele podia ficar de olho nas crianças. JP estava na escola, mas Sophi só começaria suas aulas quando o outono chegasse.
E, assim, ela passava os dias com ele na loja. Ele montou uma pequena área para brincadeiras atrás da caixa registradora, em que sua filha, inteligente e comunicativa, parecia estar mais feliz. Embora tivesse apenas 5 anos, ela sabia como usar a caixa e calcular o troco, subindo em um banquinho para alcançar os botões. Poncho sempre se entretinha com as expressões no rosto dos estranhos quando ela começava a calcular o valor das mercadorias para eles. Mesmo assim, não era uma infância ideal para a menina, ainda que ela não tivesse condições de perceber. Sendo honesto consigo mesmo, Poncho tinha que admitir que cuidar das crianças e da loja demandava toda a energia que ele tinha.
Às vezes, sentia que mal conseguia dar conta de tudo — fazer o lanche de JP e deixá-lo na escola, preencher os formulários de pedidos para os fornecedores, reunir-se com os representantes de vendas e atender aos clientes, tudo enquanto se ocupava em manter Sophi entretida. E aquilo era apenas o começo. Ele se esforçava bastante para fazer coisas de que seus filhos gostavam, como andar de bicicleta, soltar pipas e pescar com JP, mas Sophi gostava mesmo era de brincar com bonecas, desenhar e fazer artesanato. E nem mesmo quando ele finalmente conseguia colocar as crianças na cama era possível relaxar, porque sempre havia algo mais a fazer.
A verdade era que Poncho nem sabia mais o significado da palavra “relaxar”. Depois que as crianças estavam na cama, ele passava o resto de suas noites sozinho. Embora parecesse conhecer quase todas as pessoas na cidade, ele não tinha realmente muitos amigos. Os casais que ele e Carly às vezes visitavam para jantar ou quando eram convidados para churrascos haviam se afastado de maneira lenta e inexorável. Uma parte era por sua culpa — trabalhar na loja e criar seus filhos ocupava a maior parte do seu tempo —, mas, às vezes, ele tinha a sensação de que sua presença deixava os outros casais desconfortá- veis, como se os lembrasse de que a vida era imprevisível e assustadora e que as coisas precisam de um único instante para dar errado.
Era uma vida cansativa e, às vezes, isolada, mas ele mantinha o foco em JP e Sophi. Embora com menos frequência do que antigamente, ambos continuavam tendo pesadelos depois que Carly se fora. Quando eles acordavam no meio da noite, chorando de maneira inconsolável, ele os segurava nos braços e sussurrava em seus ouvidos que tudo ficaria bem. Até que os pequenos conseguiam finalmente adormecer. No começo, todos haviam passado por uma psicó- loga. As crianças faziam desenhos e falavam sobre o que sentiam. Não pareceu ajudar tanto quanto ele esperava. Os pesadelos continuaram por quase um ano. De vez em quando, ao pintar figuras com Sophi ou ao pescar com JP, seus filhos ficavam quietos e ele sabia que eles sentiam saudades da mãe. Sophi chegava a mencionar isso numa voz parecida com a de um bebê, trêmula e incerta, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo rosto.
Quando isso acontecia, Poncho tinha certeza de que conseguia ouvir seu coração se estilhaçar, porque ele sabia que não havia nada que pudesse fazer ou dizer para melhorar as coisas. A psicóloga havia lhe garantido que as crianças eram fortes e que, desde que soubessem que eram amadas, os pesadelos iriam se tornar cada vez menos frequentes. O tempo provou que a psicóloga tinha razão, mas agora Poncho tinha que enfrentar um outro tipo de perda — algo que feria seu coração da mesma maneira. Ele sabia que as crianças estavam melhorando porque as lembranças que tinham da mãe estavam lentamente desaparecendo.
Eles eram muito novos quando a perderam — tinham 4 e 3 anos, respectivamente — e significava que, algum dia, sua mãe se tornaria mais um conceito do que uma pessoa para eles. Era inevitável, claro, mas não parecia certo para Alex o fato de que nunca se lembrariam do riso de Carly, ou do carinho com o qual ela os segurava nos braços quando eram bebês, ou que nunca soubessem o quanto ela os amara. Ele nunca foi muito adepto da fotografia. Era sempre Carly que pegava a câmera, e, consequentemente, havia dúzias de fotografias com Poncho e as crianças. Apenas algumas incluíam Carly.
Embora ele fizesse questão de folhear o álbum com JP e Sophi enquanto falava da mãe deles, Poncho começava a suspeitar de que as histórias estavam se tornando exatamente isso: histórias. As emoções que acompanhavam aquelas imagens eram como castelos de areia em meio à maré, lentamente se dissolvendo na água do mar. A mesma coisa estava acontecendo com o retrato de Carly que estava pendurado em seu quarto. Em seu primeiro aniversário de casamento, ele contratou um profissional para fotografá-la, apesar dos protestos. Ele ficou feliz por ter feito aquilo. Na foto, ela parecia linda e independente, a mulher forte que havia conquistado seu coração.
À noite, depois que seus filhos estavam na cama, ele ocasionalmente passava longos momentos olhando para a imagem de sua esposa, com suas emoções em um turbilhão. Mas JP e Sophi mal percebiam que aquele retrato existia. Ele pensava nela com frequência e sentia saudade do companheirismo que tinham entre si e da amizade que havia sido o alicerce sobre o qual o casamento fora construído. E quando se atrevia a ser honesto consigo mesmo, ele sabia que queria ter aquilo tudo novamente.
Autor(a): Elly_Belly
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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