Fanfics Brasil - Livrando-me da prisão que é evitar sentir o que realmente sinto O safado do 105 (ADAPTADA)

Fanfic: O safado do 105 (ADAPTADA) | Tema: Rebelde


Capítulo: Livrando-me da prisão que é evitar sentir o que realmente sinto

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Os meus planos para o esquecimento já vinham sido traçados há algum tempo. Chegara a hora de colocá-los em ação, pois era a única chance que eu tinha para sair da situação o mais depressa possível, sem feridas, sem cicatrizes. Eu não queria sofrer (e nem podia, pois jamais fui iludida; só sofre quem se ilude), chorar ou me sentir sozinha. Jamais permitiria ser dominada pelas consequências dos erros que cometi com relação ao Calvin.



Fiz porque quis. Essa certeza ninguém me tira. Usei-o como qualquer mulher faria se estivesse
no meu lugar. Foi ótimo na hora (foi sensacional, fora do comum, impressionante), e não precisava me arrepender de ter vivido boas experiências. Se a mágoa era inevitável (e a mágoa só vinha porque sou romântica demais para separar as coisas), tudo bem, mas sofrer por causa dela era uma escolha. Tinha de ser madura até o fim, manter a mente e o coração nos lugares certos.



Passei horas raciocinando sobre as minhas atitudes e sobre a situação, de uma forma geral.
Apesar de tudo, não me sentia usada, muito pelo contrário, a ideia de que o usei estava me
perturbando. Pensa comigo, um monte de vadia se aproveita do corpo do cara. Calvin era tratado frequentemente como objeto, e foi assim que eu o tratei. Ou alguém acha que eu piraria no vizinho se ele fosse feio?



Comecei essa história buscando satisfação sexual, e claro que me dei mal, pois somente sexo
nunca me trouxe uma satisfação completa. Fiz algo que jamais tinha feito, e descobri mais um detalhe sobre mim: eu não sou daquelas que buscam sexo para resolver problemas, sou uma mulher que toma o sexo como complemento para uma relação de intimidade. E quando falo intimidade, não estou falando apenas de corpo.



Calvin parecia estar no topo da cadeia alimentar, mas a verdade era que ele estava muito
embaixo. Qualquer uma vem, usufrui e vai embora (porque ele mesmo expele). Foi fácil chegar à conclusão de como o Calvin era submisso: imaginei que se fosse uma mulher em vez de um homem, ninguém nunca falaria que os homens que eram tolos demais por foder com ela. A mulher que seria a tola (isso para não dizer vulgar, desclassificada, uma qualquer) por fo/der com todo mundo. Trouxe a ideia para a situação atual, livrando-me das raízes do machismo, e percebi que aquele homem só precisava de alguém que o valorizasse.



Eu queria valorizá-lo, e foi isso que tentei fazer. Por sua história, pelas coisas boas que me fez
sentir, pela companhia, amizade, pela capacidade de me deixar louca. Tentei ser diferente. Tentei ir além do corpo. Mas ele não quis. Quero dizer, ele não sabe o que quer de verdade (porque eu não acredito que alguém possa não querer aquilo que vai te fazer melhor).
Nem sempre a gente percebe as coisas de que precisamos. Eu sei o que ele precisa, e ele não
sabe, então o que fazer? Ajudá-lo? Desistir? Poxa vida, eu não queria desistir. Só precisava... Porque me machucaria se continuasse. Esse egoísmo que todo ser humano tem às vezes me enoja. Minha autopreservação falava alto demais, era um grito quase ensurdecedor, mas uma voz sussurrava baixinho. A voz da consciência pedia para que eu, uma pessoa humana, ajudasse outro ser humano perdido.



Mas como ajudar quando tudo está doendo? Só me restava desistir. Restava-me fazer parte da
massa egoísta que prefere viver em seu mundinho e fingir que um mendigo não está pedindo dinheiro no meio da calçada (a comparação foi forte, mas muito verdadeira).
Aquela semana não foi fácil. A segunda-feira, principalmente, foi horrível. Não vi o Calvin antes
de ir trabalhar (ainda o procurei pelo jardim, mas não o encontrei em parte alguma), nem mesmo depois, quando cheguei a minha casa. As lembranças se mantiveram constantes, trabalhei mal, quase me esquecia de ir almoçar, senti o cheiro dele grudado à minha pele como tatuagem e esfreguei o carro no muro do estacionamento da empresa (o maldito chefe ainda disse que eu devia pagar pela pintura do muro, mas e a do meu carro? Como fica?).



Em resumo, foi um dia para ser ignorado. Faz de conta que nem existiu. De certa forma, sentime inexistente durante as horas amargas que usei para me lamentar e quase (quase...) me arrepender. Quanto mais o tempo passava, mais alguma coisa me dizia que aquilo se transformaria em algo maior do que realmente era. Foi então que fiz a minha escolha: não deixar que se transformasse.



O primeiro item do meu plano chamado “vou esquecer o safado do meu vizinho” foi
concretizado ainda na noite de segunda. Reuni meus lençóis, um edredom, travesseiros e todas as almofadas do sofá. Montei um lugar bem agradável no tapete da Sra. Klein. Liguei meu notebook e fiquei trabalhando até mais tarde, com os fones de ouvido conectados e muitas xícaras de chá. Não queria ouvir nada, se é que me entende. Se o Calvin resolvesse receber alguém em sua casa, seria uma decepção tão grande que era melhor nem saber.



Evitei a parede da Clarice. Não ia adiantar usar uma terapia que me fizesse lembrar o sujeito. A
frase que ele escreveu ainda martelava o meu juízo com a força da Mjölnir, e o pior de tudo era não entender como ele tinha conseguido não fazer nada para prolongar o nosso momento, mesmo sabendo que havia sido intenso de uma maneira especial. Bom... É isso o que o Calvin faz: envolve, confunde e vai embora. A pessoa que se lascasse para superá-lo.



A primeira noite no tapete da Sra. Klein foi melhor do que pensei. A minha estratégia funcionou
que foi uma beleza; tinha tanto trabalho acumulado que não pensei em mais nada. Na hora de dormir, estava muito cansada. Meu cérebro se recusou a raciocinar, e o meu coração, a doer. A exaustão me serviu como entorpecente, o que me fez procurar por ela durante toda aquela semana. A terça foi ainda mais esquisita. A ausência estava lá, bem como a dor, a angústia e toda aquela parafernália de péssimas sensações que me acometeram desde o “não quero” dito pelo Calvin. De novo, não o vi pelo jardim. Não conseguia deixar de me preocupar, mas ver seu carro estacionado atrás do meu me fez ter certeza de que o mínimo que ele podia estar fazendo era o mesmo que eu estava: evitando.



Mamãe me ligou na hora do almoço. Sério, nenhuma mãe devia ligar para o filho enquanto ele
tenta empurrar alguma coisa para dentro do estômago. Ainda mais se for para conversar sobre coisas difíceis. Nem sei como atendi à ligação, mas a coitada ficou bastante preocupada já com o meu “alô”.



– O que você tem, minha filha? Pelo amor de Deus, o que está acontecendo contigo? Estou muito preocupada!



– Preocupada por que, mãe? Está tudo certo... Só ando cansada.



– Dulce, você não foi à missa de sétimo dia da sua avó. Não ligou, não mandou notícias... O que anda fazendo de tão importante que não pode dar um pouco de sua atenção para a família?



Ai, meu Deus! Havia me esquecido totalmente da missa de sétimo dia. Foi no domingo, estava
na minha agenda... Ah... Eu só tinha pensado no vizinho safado durante todo o domingo. Merda!
Meus olhos se encheram de lágrimas, e então era oficial: jamais conseguiria almoçar daquele
jeito. Só estava conseguindo ingerir líquidos desde o dia anterior, por isso fiz uma promessa interna de que prepararia uma sopa reforçada à noite. Nada de adoecer por causa daquele canalha.



– Desculpa, mãe... Eu... Eu esqueci, juro. Não foi por mal! Não há um dia que não sinta falta da
vovó! – choraminguei.



– Eu te conheço,Dulce. Poxa... Estou tentando te dar espaço, sei que você quer privacidade, sei que quer ficar sozinha... Mas não acha que está exagerando? Estou com saudade da minha filha... Ainda nem fui ver onde ela mora! Ela sequer me convidou!



Puta merda, mãe.



– As coisas só estão difíceis, está bem? Estou tentando me encontrar.



– Tudo bem, filha, mas não há desculpas. Amanhã iremos jantar na sua casa. Todos nós. Só não vamos hoje porque seu pai viajou, chega amanhã cedinho. Você sabia disso? Aposto que não! Sua avó nem chegou a conhecer a sua casa e... – Mamãe ia continuar a frase, mas parou, nitidamente emocionada.



A minha culpa só fez aumentar. O aperto no peito também. Como havia sido egoísta, meu Deus! Estava afastando as pessoas que mais amo da minha vida, assim, sem mais nem menos. Sem nem uma justificativa aceitável. Pensei que não dava para ser livre estando presa às pessoas, mas ser presa ao amor verdadeiro também é um tipo de liberdade.



Não soube o que responder sobre seus protestos. Só me restou ter esperanças de que podia me redimir dos erros cometidos.



– Esperarei vocês amanhã, então. Vou preparar algo legal. Prometo, mãe.



– Vamos ter uma conversa muito séria, mocinha.



Ferrou tudo. Quando a sua mãe diz isso, fuja para as colinas. Vem bomba por aí, com certeza.
Ela ainda fez mil recomendações e enumerou todos os pratos que prepararia para levar no dia
seguinte, pois não queria me dar trabalho na cozinha e sabia que eu não tinha muito tempo livre. Esperei que dissesse tudo e, quando finalmente fechou a boca, murmurei:



– Certo. Até amanhã. Te amo.



– Também te amo...



Desliguei o celular e simplesmente caí no choro. O pessoal do refeitório ficou olhando para a
minha cara como se eu fosse uma maluca. Alguns colegas até tentaram me consolar, o que, claro, só fez a cena ficar ainda mais bizarra. Bom, às vezes a gente precisa mesmo chorar. Evitar as lágrimas só estava as acumulando dentro de mim. Uma hora elas teriam que sair, era uma pena ser em um momento inoportuno.



Obviamente, trabalhei de um jeito péssimo. O meu chefe me chamou para uma conversa séria, e precisei me virar nos trinta para convencê-lo de que era apenas uma fase ruim na minha vida pessoal. O nojento sempre foi bem insensível, mas não fazia ideia do quanto. Ele sabia que a minha avó tinha morrido há pouco mais de uma semana, e ainda vinha falar merda pro meu lado (logo eu, que passei anos trabalhando perfeitamente e como uma condenada naquela empresa). Fiquei com tanta raiva que só não pedi a demissão porque não podia me dar o luxo de ficar desempregada.



Bom, o fato é que eu estava ficando cada vez mais f/odida, e em todos os sentidos possíveis. Tive certeza disso quando cheguei a minha casa e percebi mais um vaso somado aos demais (sem contar com as rosas vermelhas, que haviam sido trocadas). Aquele novo vaso era pequeninho e, em vez de flores, tinha uma espécie de cacto em miniatura. Achei-o fofo, mas com muitos espinhos.



Sinceramente, não soube o que o Calvin quis dizer com aquela planta, até que achei o bilhete
caído perto da porta. Soltei um longo suspiro antes de me abaixar para pegá-lo. Não estava a fim de frases profundas. Sério, eu queria que ele soltasse alguma de suas putarias. Seria mais reconfortante do que uma frase bonitinha que me fizesse derreter como sorvete ao sol ou me fizesse repensar o meu egoísmo.
Mas a sorte não estava do meu lado.



“Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir os espinhos.”
Tia Clarice
Saudade,
C.”



Passei um tempão tentando encontrar sentido (e me odiando por ter ficado derretida mesmo sem ter entendido a mensagem), afinal, ele já tinha me dado rosas. O cacto pequenino parecia trazer outro significado, e só depois me liguei que talvez o Calvin estivesse querendo dizer que ele não possuía a vantagem da rosa, que era a sua beleza e cor. Talvez quisesse dizer que era uma pessoa com apenas espinhos, como aquele cacto.



De qualquer forma, o verbo amar escrito pela sua própria letra me chamou muita atenção. Fiquei ligada àquele verbo como um paciente terminal ligado às máquinas que lhe permitiam os últimos segundos de vida. Dramático, eu sei. Isso para não dizer trágico.



Bom, se ele não achava que eu era capaz de amá-lo, tenho péssimas notícias para contar. E não aconteceu porque o meu coração era grande, mas porque a minha burrice havia conseguido ser maior. Do tamanho, talvez, da saudade. Que, pelo visto, não era sentida apenas por mim. Era um progresso.



Confesso que aquela saudade deixou o meu corpo abatido. As lembranças de cada toque (e de seus olhos intensos me encarando de diversas formas) me trouxeram lágrimas desenfreadas, e me vi escrevendo a frase nova na parede da Clarice. Como já previsto, superá-lo ia ser tarefa torturante e complicada. Naquele instante, percebi que ser egoísta tem suas desvantagens: a consciência pesada e o coração diminuído.



Sentia-me caindo no fundo de um poço, e não fazia ideia de como sair de lá. Ajoelhei-me na
minha cama e passei longos minutos observando a parede, tomada pela solidão e pelo silêncio
absoluto. Meu corpo inteiro gritava, pedindo liberdade, e o meu cérebro maquinava soluções menos covardes do que o esquecimento (porque até ele já tinha percebido o tamanho absurdo da minha capacidade de desistir).



Descobri a raiz do meu problema depois de muitas indagações feitas para o vento. Eu estava
aquele tempo todo tentando evitar o inevitável que, claro, acabou acontecendo e, mesmo assim, continuei evitando por causa do maldito egoísmo. Sempre ele.
O mais louco de tudo era que, apesar de haver dois caminhos, eu tinha ignorado o segundo como se ele nem existisse. A minha falta de fé e coragem me fez seguir pelo caminho fácil – que também era complicado.



O outro caminho era a conquista. A luta. A atitude de uma guerreira que não desiste do que quer e do que é certo. E estava óbvio o que eu queria, embora não tivesse nome (e por isso o conhecia tão bem). Admiti a mim mesma que queria o Calvin mais do que qualquer coisa. Confessei que ele era a minha solução, a cura para aquele meu novo comportamento que só fazia me irritar. Eu precisava dele, sim, em todos os sentidos, e ele precisava de mim. Precisava muito. Nós seríamos completos se ficássemos juntos. O destino tinha feito uma coisa muito boa para nós dois, colocando-nos lado a lado. Nada é por acaso. Eu ter comprado aquela casa foi uma grande obra do destino.



Eu só precisava vencer aquela teimosia. Tinha de ultrapassar a barreira que o impedia de ser
quem realmente é: um homem sensível, talentoso, amoroso, carente... Calvin conseguia ser ele quando estava comigo. Eu o via. Enxergava seu eu verdadeiro. E ninguém merece ter que se esconder para viver entre pessoas que não acrescentam nada em sua vida. Aquelas vadias não eram nada além de uma diversão momentânea, passageira, sem sentido. Calvin precisava entender o que era melhor para si, ou seja, euzinha aqui.



Sou o que ele tem de melhor. E, como tal, precisava agir de acordo. Iria resgatá-lo para a vida.
Naquele instante, prometi a mim mesma que seria o melhor para nós dois. Com muita
inteligência (e paciência também, porque sei que vou me estressar), colocaria no chão cada barreira que ele levantava contra a própria felicidade. Eu também colocaria a que levantei abaixo. Se a vantagem da consciência era minha, então o meu dever era fazer alguma coisa útil, certo?



Sorri e chorei de alívio quando me decidi. Seria a coisa mais perigosa e maluca que já tinha feito na vida, mas, se desse certo (quando desse certo, vamos falar assim, pois positividade é tudo), sei que seria verdadeiramente feliz e livre, do jeito que eu sempre quis.
O medo de arriscar deixou os meus sentidos depois que percebi que a luta me faria uma pessoa melhor para a minha própria consciência do que o afastamento proposto anteriormente.



A primeira coisa que fiz foi abrir o Google e pesquisar por uma boa frase de efeito escrita pela
Clarice. O começo do meu plano seria posto em ação, nada de esperar pelo urgente. A minha
felicidade precisava de planos, não de moleza ou preguiça.
De cara, escrevi mais uma citação na minha parede; a que demarcaria o início da fase chamada



“tome uma atitude, queridinha”:



“Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem.”



Logo em seguida, peguei um pedaço de papel cor-de-rosa e escrevi outra:
“Deixo-te livre para sentir minha falta, se é que faço falta. Tens meu número, na verdade, tens
meu coração, então se sentir vontade de falar comigo, me procura você.”



Obviamente, rasguei e joguei no lixo. Aquela era intensa demais. Esse negócio de “tens meu
coração” ia fazer o cara se mudar no dia seguinte, deixando tudo para trás. Seu ré seria tão grande que ele correria até a China de costas. Atravessaria o oceano a nado borboleta.



Peguei outro papel e rezei para a Santa Lispector me fazer encontrar uma citação mais amena,
porém sincera. Achei uma, e sorri ao relê-la. Era o que eu sentia, profundamente. E também podia ser levada numa boa, sem muitas intenções (eu acho...):



“Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.” Santa Lispector.
Lembre-se de que saudade é um sentimento urgente...
D.”



Tentei achar alguma coisa para entregá-lo junto com o bilhete. Revirei a casa inteira, e a única
coisa que achei foi a camisinha usada (e ao mesmo tempo não usada) que eu tinha jogado no chão. Dei graças a Deus por tê-la tirado do meu quarto antes que os meus pais vissem. Ia dar um rolo enorme...



Sendo assim, achei por bem abrir um velho álbum de fotografias e pegar a foto mais bacana que eu tinha. Gostava daquela, tinha sido tirada em uma das viagens com a minha família. Foi o Guilherme quem tirou; era só do meu rosto, e eu sorria amplamente por causa de uma piada tosca que ele tinha contado. Bem espontâneo, nada forçado.



Peguei um clip bem pequeninho e prendi o bilhete à foto. Ainda era cedo, sabia que o Calvin não tinha chegado, e que demoraria um pouco. Deixei o meu “presentinho” na sua varanda,
especificamente em cima de seu tapete de boas-vindas.



Confesso que fiquei o esperando chegar, mas depois o medo completo de me decepcionar falou mais alto. Se o safado aparecesse com visitas, eu me odiaria eternamente. Portanto, mais uma vez, juntei todos os meus travesseiros e me estiquei no tapete consolador da Sra. Klein.


Só que, desta vez, não me senti triste. A única dor que sentia era pelo que aconteceu com a minha avó, mas sabia que o tempo me consolaria. Eu não precisava mais juntar as dores da minha vida em um só lamento.



Naquela noite, aprendi que só sofre quem não toma atitude.



O dia amanheceu mais colorido (ou havia sido os meus olhos que pararam de ver tudo em preto e branco?). Trabalhei com mais boa vontade, provando ao meu chefe que continuava a mesma funcionária exemplar de sempre. Adorei o meu desempenho. Sentia-me contente, renovada, com novas expectativas (aquelas mesmas que eu tinha evitado criar eram as culpadas pela minha louca alegria, e foda-se o sentido).



Cheguei a minha casa na noite de quarta-feira carregando sacolas e mais sacolas de compras,
pois tinha ido a um supermercado a fim de não passar vergonha. A minha despensa estava vazia, bem como a geladeira, e os meus pais iam dizer que eu não estava me alimentando direito se assim permanecesse. E então a confusão total estaria feita.



Ainda deu tempo de guardar tudo, dar uma arrumada na casa e tomar um banho. Foi a conta
certa para a minha querida família bater à minha porta. Só não sabia que eu fosse cair no choro quando abrisse a porta. Sério, foi uma cena digna de novela mexicana. Eu chorei, mamãe chorou e até a Sara começou a chorar. Daí a minha sobrinha chorou porque não entendia os motivos de todo mundo estar chorando.



Papai e Guilherme tentaram brincar com a situação, mas senti que até eles estavam
emocionados. A surpresa adicional da noite ficou por conta da Lilian, que soube da visita e se ofereceu para vir me visitar também. Mesmo um pouco cismada com sua presença (devido à nossa desagradável última conversa), adorei saber que se importava comigo.



Mamãe faltou trazer o mundo de comida para o nosso jantar. Tinha tanta coisa gostosa que eu só consegui me lembrar do Calvin. Queria que ele estivesse ali, sei lá. Seria desconcertante, mas uma experiência diferente. Ele precisava daquele clima familiar que só uma família de verdade podia criar.



Talvez o fizesse bem.



A minha família revirou a minha casa de cabo a r/abo. Não era lá tão grande, mas cada cômodo gerava muitos comentários, a maioria engraçados. Claro que a minha mãe odiou a “pichação” que fiz na minha parede. Já papai, leu todas as frases e adorou. Guilherme comentou que eu estava ficando louca, e a Sara me olhou como se achasse a mesma coisa. Lilian achou legal.



O jantar em família foi barulhento e divertido. Comi tanto e tantas coisas diferentes que uma
bela dor de barriga era o mínimo que eu esperava para o dia seguinte, porém me permiti até o fim. A minha mesa de jantar só tinha quatro lugares (não caberia uma maior), portanto o Guilherme e eu nos oferecemos para comer na mesinha de centro.



Então, depois de horas de muito bate-papo (ninguém conseguia comer calado), da sobremesa e do cafezinho, papai e mamãe me chamaram para uma conversa em particular no meu quarto.
Basicamente, pediram-me para que eu contasse tudo o que estava sentindo com relação a morar sozinha. Foi um saco!



– Estamos preocupados com você, Dulce– disse papai, sentado na minha cama ao lado da
mamãe. Estavam com as mãos dadas do jeito romântico como sempre ficavam. – Seu distanciamento está nos deixando tristes.



– Desculpem... – murmurei. – Só estou em uma fase de mudança. Vai passar... Vou me
encontrar.



– Sabemos que foi uma mudança muito drástica, e ainda teve a morte da vovó, mas... – O rosto
da minha mãe se contorceu de angústia. – Achamos que você deve estar muito sozinha, Dulce, e isso não é bom.



– Gosto de ficar sozinha. É disso que eu estava precisando. Estou bem... Vou ficar bem, prometo.



– Você é muito madura, filha, mas nunca vimos você se comportando de uma maneira tão
esquisita. Acho que a mudança não te fez bem – mamãe insistiu. Papai me encarou significativamente, e por fim aquiesceu, concordando com a minha mãe.



M/erda! Como convencê-los de que a mudança tinha sido a experiência mais válida para o meu
autoconhecimento? Eu não queria entrar em tantos detalhes, sei que se espantariam.



– A mudança me fez muito bem. Não me arrependo. Juro que vou ligar e aparecer mais vezes. – Beijei os meus dedos cruzados, como fazia quando era criança. Eles riram um pouco, mas a
preocupação não saiu de seus semblantes.



– Então vamos combinar assim: você fica com a gente durante os domingos. Certo?



– Não! – gritei alto demais. Mamãe até levou um susto. – Er... Meus domingos estão ocupados.
Pode ser no sábado?



– O que você faz aos domingos, Dulce? – Minha mãe nunca foi boba. Era mais fácil os cantores de axé gravarem músicas profundas do que despistá-la.



– Ajudo um amigo, que está passando por problemas.



– Que amigo?



Suspirei. Que vidinha, hein?



– Meu vizinho. Aquele, do hospital. – Meus pais mal tinham ligado para a presença do Calvin
naquele dia, mas certamente se lembravam dele.



– Vocês estão namorando?



– Não, pai... – Revirei os olhos, soltando novo suspiro. – Só estou o ajudando. É importante. Ele me ajuda muito, não posso deixar de ajudá-lo.



Eles ficaram me olhando, absolutamente desconfiados.



– Tudo bem, aos sábados. Sem exceção, Dulce. Se não cumprir esta promessa, juro que faço seu pai vender esta casa.



Fiz uma careta, irritada.



– Credo, mãe! Sou independente, eu tomo minhas decisões.



– Ainda sou a sua mãe. Nunca vou deixar de ser. Se eu perceber que algo está errado, trago você de volta para casa. Ouviu bem, mocinha?



Sério, quantos anos eu tinha mesmo? Seis? Acho que a mamãe se esqueceu de contar quantos bolos já fez para cantar parabéns para mim.



Balancei a cabeça depressa, absolutamente contrariada. Descobri que, no fundo, era daquilo que eu estava fugindo. Não queria que ninguém tomasse conta da minha vida como se não me pertencesse.



Nem mesmo meus pais. Sobretudo eles. Já tinham feito o que lhes cabiam fazer, agora era comigo. Mamãe não possuía mais o direito de escolher o que é certo para mim.



– Não vou voltar para casa. Está fora de cogitação. Irei visitá-los porque sinto saudade, e não por causa desta ameaça, mãe. Não sou uma criança, não me trate assim nunca mais.



Ela abriu a boca, surpresa ao nível máximo. Acho que nunca a contrariei antes. Sempre fui tão
permissiva. Um exemplo de filha obediente. Mas me cansei.
Papai se levantou da cama e puxou mamãe junto.



– Fique tranquila, filha. Sua mãe só está preocupada. Vamos adorar te receber aos sábados. –
Incapaz de falar nada ou de me mover, permaneci sentada na cama, aborrecida. – Está tarde, vamos indo, amor? – Era tão lindo eles ainda se chamarem de “amor” e de “benzinho”, mesmo depois de tantos anos de casados!



– Vamos... – Mamãe ainda estava desconcertada.



Saímos do quarto em silêncio. Aquela conversa esquisita tinha sido mais rápida do que imaginei, mas foi igualmente desnecessária. Que raiva de tudo!



Sara e Lilian estavam na sala, repetindo as sobremesas e discutindo sobre alguém, enquanto
Guilherme soltava comentários sarcásticos.



– Olha aí, a Dulce pode comprovar! – Li apontou um dedo quase na minha cara.



– Comprovar o quê?



– Que aquele vizinho não é seu namorado!



Revirei os olhos. É sério?



– Claro que é, vi o jeito como se olhavam no hospital – Sara definiu com ar triunfante. – Pensei
que ele estaria aqui, Dulce.



– Ele não é meu namorado.



– Viu? Não falei? – Li deu língua para Sara, que estava segurando a Clarinha nos braços. A
coitada já tinha pegado no sono.



– Eu disse que ela era uma encalhada! – Guilherme gargalhou, e lhe dei um “pedala Robinho” na nuca. Foi mais forte do que calculei.



– Ei! Doeu!



– Problema teu!



– Sem brigas! – papai reclamou. – Vamos, pessoal? Está tarde, todo mundo vai trabalhar
amanhã.



– Menos a Sara! – Guilherme fez questão de frisar. Ela o encarou com raiva evidente.
O circo demorou muito a ser desarmado. Mamãe e Lilian fizeram questão de deixar a cozinha
limpa antes de irem embora. Juntar toda aquela gente espaçosa para fazê-los sair do lugar dava muito trabalho. Mas, por fim, abri a porta e... O Calvin estava lá.



Juro por tudo que é mais sagrado.



– Calvin! – Lilian gritou atrás de mim, e só não se atirou em cima do sujeito porque eu estava
impedindo sua passagem. – Estávamos falando sobre você... Não morre mais!



Ele riu de um jeito descontraído (e meio intimidado), e então precisei sair do caminho ou para
deixá-lo entrar ou para deixar o povo todo sair. A segunda opção acabou acontecendo, e então um turbilhão de cumprimentos foram trocados na minha varanda. Papai foi o menos empolgado, observando o Calvin meio de lado. Conhecia aquela expressão: era ciúme puro.



A única coisa que me trouxe alívio foi o fato de o safado estar miraculosamente vestido. Estava
de calça jeans e uma camisa preta de manga comprida, colada no corpo, tipo aquelas de malhar. Dei graças a Deus, afinal, ninguém me deixaria morar ali se soubessem que o meu vizinho era um tarado que andava seminu.



Despedi-me de todos ali mesmo, aproveitando os cumprimentos que davam ao Calvin. Lilian foi
nitidamente a mais atirada, tocando nos braços dele a cada oportunidade, perguntando-lhe coisas que eu nem sabia de onde a maldita tinha tirado. O olhar paquerador da Sara também estava ativado, mas, por estar com nossos pais, percebi que se conteve como pôde.



Por fim, conseguimos nos livrar de todo mundo. Soltei um longo suspiro quando não consegui
ver mais ninguém na calçada (mesmo que ainda pudesse ouvi-los falando alto). Tentei não encará-lo depressa, por isso fui subindo meu olhar aos poucos, absorvendo-os por parte. Não adiantou. O impacto foi exatamente o mesmo, igual a todos os outros.



Calvin sorriu e piscou um olho, criando-me vontades sérias de mordê-lo.



– Obrigado, Dulce.



Franzi a testa.



– Pelo quê?



– Por ter falado sobre os domingos. Eu... Foi muito legal da sua parte. É... realmente muito,
muito importante para mim ter a sua companhia.



Um pedaço de gelo vindo diretamente do Alaska atingiu a minha veia aorta.



– Ouviu tudo?



Seu sorriso foi a resposta. Não contive o ímpeto de atingir a minha cabeça com uma mão,
oferecendo-me um cascudo dolorido.



– Senti a sua falta, amiga. Adorei a foto...



Amiga. Amiga. Amiga. Amiga...



Calvin me puxou pela cintura de repente, fazendo nossos corpos colarem. O choque me fez pirar instantaneamente. Sua boca terminou a centímetros da minha, e então, juntando toda a minha força de vontade, eu recuei, desvencilhando-me. Ele me soltou a contragosto.



– Desculpa, esqueci. E então... Como você está?



– Muito bem, e você?



Não me leve a mal. Eu não tinha desistido. Só que recuar era uma estratégia muito boa; a melhor de todas. Calvin ia pirar com a minha abstinência. Eu acho... Quero dizer, realmente espero. Porque se não acontecer, ferrou para o meu lado.



E para o dele também, pois a minha causa é nobre.


– Ótimo. Só cansado. Trabalhei muito hoje.



– Eu também.



– Vim aqui só para te agradecer mesmo. E para dar um oi para a sua família antes que fossem
embora.
Ergui as mãos com os dedos em formato de “V” levantados.



– Beleza.



– E, claro, para te ver. A saudade é um sentimento urgente...



O gelo do Alaska se transformou em uma pedra do Saara.



– Obrigada, amigo. Tenha uma ótima noite! – Fiquei de ponta de pés para lhe dar um beijo meio demorado na sua bochecha. Inalei seu cheiro bom por alguns segundos, reconfortando-me e ganhando forças para prosseguir.


– Está livre amanhã?



– Amanhã? – Fiz uma careta. – Só à noite mesmo.



– Eu chego à meia-noite. Posso passar aqui para te ver? Sei lá, conversar? – Sua expressão se tornou muito séria.



– Aconteceu alguma coisa?



– Não... – Mas seus olhos disseram que sim. E eu quase não pude me conter de alegria.
Realmente queria que alguma coisa tivesse acontecido, de preferência o que só acontecia nos meus sonhos.



– Hum... Combinado. – Abri a minha porta porque eu precisava me afastar depressa. Não podia ncometer o erro de me deixar levar. Calvin precisava sentir o sabor da minha ausência.



– Ei, Dulce... – Segurou o meu braço. Ele estava tão sério, Senhor! – Espero que amigos possam imaginar. Estou imaginando muito.



Sorri. É isso o que eu quero, Calvin. Que você enlouqueça com os pensamentos sobre mim.



– A gente acostuma... – murmurei. Pisquei um olho, tentando ser sexy (só tentando mesmo). –
Minha imaginação fértil plantou uma árvore também.



– Ah, amiga... A minha plantou uma floresta inteira.



Entrei em casa antes de processar o que tinha sido aquele sorriso fodidamente safado
contracenado logo após suas últimas palavras. Só percebi que o meu corpo estava fervendo de tesão quando me vi sozinha na sala, resfolegando e pedindo aos céus para conseguir atingir os meus objetivos antes que eles me atingissem.



Eu tinha a causa, a estratégia e as armas. Estava pronta para o combate


_____________________________


 


Chegueeeei meninaaas {#emotions_dlg.wink}



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Autor(a): luvondul

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Eu podia sobreviver a mais um dia qualquer da mesma maneira como venho sobrevivendo àminha vida, mas trabalhar, comer e respirar nunca foi tão maçante. O engraçado de se esperar por alguma coisa é a presença daquela sensação horrorosa de angústia, que te impede de achar que as horas duram sessenta minut ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 41



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  • aucker Postado em 17/12/2020 - 23:29:30

    Como essa fic pode ter poucos comentários gente? Sério msm amei a história

  • dudinhah Postado em 16/11/2018 - 01:59:46

    Essa é a única web ,que eu li que não tem os outros rbds

  • manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:27:20

    https://m.fanfics.com.br/fanfic/55689/never-gonna-be-alone-vondy estou começando a escrever essa fanfic passem-lá

  • manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:25:24

    Simplesmente perfeita essa fanfic, amei d+ a história

  • stellabarcelos Postado em 06/04/2016 - 14:13:33

    Amei amei amei amei! Uma das histórias Hot mais incríveis que eu já li! Nunca ia esperar por isso

  • luvondul Postado em 24/03/2016 - 21:42:19

    Christopher Uckermann é um renomado advogado criminalista apaixonado pelo que faz. Além do sucesso inquestionável na carreira jurídica, também usufrui do impacto devastador que provoca nas mulheres a sua volta. E com a sua nova estagiária Dulce Maria não seria diferente. Recém-chegada de uma temporada fora do país, quando acompanhou o então namorado e cantor pop Dereck Mayer em turnê pelo mundo, a estudante de Direito está determinada a cumprir as horas de estágio para finalmente ganhar o diploma, nem que para isso tenha de resistir aos hipnotizantes olhos azuis do dr. Uckermann. Assim como o seu chefe, a jovem leva uma vida descompromissada, curtindo o sexo oposto sem romantismo ou grandes demonstrações de afeto. Passem lá na minha nova fic meninas ;) http://fanfics.com.br/?q=capitulo&fanfic=53091&capitulo=1

  • hanna_ Postado em 22/03/2016 - 15:46:44

    Foi tudo muito lindo ao modo safado dele mas foi hahahah...fiquei muito feluz de acompanhar essa fic. Cada frase da Clarice q tbm falou com nós leitoras. Ansiosa para sua próxima adaptação. Obrigada vc, bjôooo ;)

  • danihponnyvondyrbd Postado em 20/03/2016 - 21:13:55

    O comentário abaixo e meu

  • Postado em 20/03/2016 - 21:11:41

    N acredito q é o ultimo (to chorando um balde de água) n pode acaber é muito boa por favor não faça isso comigo o meu coração não aguenta. Postao próximo capítulo :-):-):-)

  • hanna_ Postado em 20/03/2016 - 01:06:00

    Q lindos! Ah eu amei a Clarice e o Ck tbm <3 ...Tá acabando :(


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