Fanfics Brasil - A sensação era como se eu tivesse sido atingida por uma bala O safado do 105 (ADAPTADA)

Fanfic: O safado do 105 (ADAPTADA) | Tema: Rebelde


Capítulo: A sensação era como se eu tivesse sido atingida por uma bala

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O Sr. Klein já me aguardava na varanda. Eram oito horas da manhã de um sábado, e ele
provavelmente tinha dormido tarde por causa da visitinha que recebeu em sua casa na noite anterior.



Dormi no tapete, claro, e acordei cedo porque era o que me restava.
As reflexões que me acometeram foram variadas. Terminei a noite compreendendo que era,
antes de tudo, uma mulher de luto. Não podia sair por aí frequentando festas e dando para qualquer sujeito (respeito o meu corpo e a memória da minha avó), até porque isso não faz o meu estilo. Além do mais, se gosto de um cara, se o quero para mim, então para quê procurar por outro? E de que me adiantaria mesmo? Minha solidão é escolha.



Se o Calvin não me quiser como sou, paciência.



Descobri mais duas coisas sobre mim: a primeira é que eu gosto demais de mim mesma para
deixar de ser quem sou por causa dos outros. A segunda é que não me contento com qualquer coisa. Quero dizer, eu tinha demorado anos para juntar grana para comprar aquela casa. Aconteceu com o carro, com meu computador e, aos quinze anos, com o novo CD do Backstreet Boys (precisei vender muito papel de carta para minhas amigas por causa deles). Sou uma mulher incapaz de desistir de algo que quer muito.



Pode ser uma qualidade, porém, naquela semana, mais me pareceu um defeito.



– Bom dia, vizinha! Ia bater na sua porta agora mesmo. – E eu me perguntei como, pois ele
segurava uma travessa de vidro enorme com as duas mãos.



– Bom dia... – Aprumei a minha roupa, verificando se não estava desarrumada demais. Trajava
uma saia jeans velha, blusa de manga curta e chinelos, enquanto ele vestia calça, camisa pólo e tênis. – Tem certeza de que vai assim?



– Assim como? – Abriu um sorriso. Estava demorando... Eu tinha até estranhado a ausência dele. Foi uma pena ter ido embora tão depressa.



– Você está muito arrumado, Calvin! Coloca uma bermuda e chinelos, ficará mais confortável
para passar o dia... Lá em casa não tem frescura!



Calvin afastou a travessa para olhar a si mesmo, analisando seus trajes com atenção.



– Volto em um minuto. Segure isto.



Segurei a travessa. Que troço pesado! Enquanto ele ia atender às minhas recomendações, tentei saber do que se tratava o conteúdo dela, mas a presença de um papal alumínio a circundando dificultou bastante. Terminei sem descobrir o que era, só senti um cheiro divino (para variar, já que tudo o que aquele homem prepara é divino).



Calvin retornou depois de alguns poucos minutos, trajando exatamente o que eu lhe disse.


Sorri.



– Pronto? – perguntou apontando para si mesmo, buscando a minha aprovação.



– Está ótimo. Vamos?



– Pode ser no meu carro? – Pegou a travessa de volta.



Ele estava tão sério! Sei lá... Muito esquisito. Não havíamos nos visto ao vivo nem uma vez
durante a semana inteira, e era como se fizesse anos. A saudade que eu sentia era enorme, só Deus sabe o quanto esperei por aquele sorriso. Não tê-lo com facilidade me desanimou.



– Por mim, tudo bem – concordei.



– Ótimo.



Era oficial: Calvin não estava como sempre. Cadê o maldito sorriso safado? Onde estavam seus olhares maliciosos apontados para mim? E as piadinhas? As indiretas? As frases de duplo sentido?
Poxa vida...



Seguimos em silêncio em seu carro, exceto pelas informações curtas que eu lhe dava sobre a
localização. Foi a coisa mais esquisita do mundo, por três motivos: eu estar novamente em seu carro, estarmos indo à casa dos meus pais (sério, isso era uma piada) e a sua seriedade incomum.



– Como soube a hora certa para acordar? – perguntei quando o silêncio quase aniquilou o meu
total juízo.



– Eu não dormi. Ouvi você mexendo em seu guarda-roupa.



A noite com a vadia devia ter sido mesmo ótima. Só ouvi o comecinho, quando ele pediu para
que ela o chupasse até esfolar seu p/au. Palavras dele, acredite se quiser (eu sei que você acredita).



– Não está cansado?



Calvin parou em um sinal vermelho. Evitou me olhar, mas fiquei o observando descaradamente. Parecia um pouco abatido... Não tanto. Se eu tivesse passado a noite em claro, certamente estaria muito pior, começando pelas olheiras de urso panda. Acho que gente bonita demais tem o funcionamento do corpo totalmente diferente das pessoas comuns como eu.



– Estou bem – murmurou.



– Certo. – O silêncio retornou e, junto com ele, o meu desespero. Nunca foi tão desconcertante
estar na presença do meu vizinho delícia. Sua mudança drástica de humor me deixou além de
desanimada. Virou tristeza mesmo. – Tem certeza de que quer fazer isso?


 


– Isso o quê?


- Ir a casa dos meus pais.



– Está arrependida de ter feito o convite? – resmungou. Droga! Quem era aquele homem chato e carrancudo?



– Não. Claro que não.



– Esperei por este dia a semana inteira, Raissa – completou com a voz baixa, reflexiva. Foi o
suficiente para que o meu coração acelerasse em descompasso. Encarei o seu perfil durante muito tempo, até que se cansou de fingir que não estava percebendo o meu olhar sobre ele. – O que houve?



– Eu é que pergunto! O que você tem? – Não queria demonstrar irritação e piorar as coisas, mas acabei fazendo. Droga duplamente!



– Nada...



– Eu te conheço, Calvin. O que há contigo? – Fui meio impaciente.



Prendeu os lábios e franziu a testa, chateando-se também.



– Vai implicar, Dulce?



Como é que é? Que timbre alto era aquele? Parecia de briga, de discussão... Sei lá. Eu não tinha feito nada para que falasse assim comigo.



– Vou! Até que me diga a verdade!



Calvin soltou resmungos indefinidos.



– Fico assim nesta época do ano. Desculpa... Só quero me distrair hoje.



A minha cara foi de uma leiga que estava tentando compreender a teoria da relatividade. Como
assim, época do ano? Calvin era uma fruta para ter época? Pensei que essa coisa de mudar de humor só cabia a mulheres que sofrem com a TPM (como eu).



– Por quê?



– Não, Dulce...



– Por quê? – insisti, rosnando com os dentes cerrados. Se ele é chato, posso ser mais ainda.
Soltou um longo e irritado suspiro.



– Quarta é o meu aniversário. Por isso – falou com seriedade, e depois usou uma estratégia para mudar de assunto: – A festa será na sexta. Você vai, não é?



Ah, o aniversário. Deve ser horrível nascer no dia da morte de sua mãe. Talvez isso explicasse
seu comportamento durante a semana. Se bem que, no fundo, aquele exagero não tinha justificativa.
Nada fazia suas atitudes deixarem de ser ridículas.



– Vou. – Olhei para uma placa indicando o nome do bairro. – Vire à esquerda. É logo adiante, na última rua da avenida.



Calvin obedeceu, mas continuou estranho. Decidi que detesto, de todo o meu coração, vê-lo tão modificado. Gosto do exato modo como ele é: divertido, brincalhão e safado. Um aniversário devia ser motivo de alegria, e não daquela carranca fechada.



Passei a semana inteira procurando por um presente interessante para entregá-lo. Contudo,
confesso que não me esforcei tanto assim; é difícil ter boa vontade para presentear alguém que só faz te deixar angustiada. Ultimamente, Calvin não havia merecido a minha atenção. Se bem que eu não sabia dizer direito se em algum dia ele mereceu.



O clima continuou estranho até estacionarmos em frente à minha antiga casa. Percebi-o soltando suspiros nervosos.



– Relaxa, eles não mordem... – tentei tranquilizá-lo. Recebi um sorrisinho amarelo como
resposta.



A cambada toda já estava nos esperando. Mamãe tinha adorado a ideia de receber o meu vizinho, mas o papai ficou meio que com o pé atrás quando expliquei meus motivos pelo telefone. Havia deixado claro que o Calvin era órfão, e que estava precisando de um dia em família. Papai só aceitou porque parecia cruel demais negar.



Sara, que tem hormônios femininos tão flamejantes quanto os meus, amou a ideia. E deixou
claro logo de cara, quando abraçou o Calvin animadamente e lhe encheu de perguntas nada a ver. Morri de vergonha por causa de sua cara de p/au enorme, porém a perdoei rápido. Afinal, até a Clarinha tinha simpatizado com o sujeito.



No geral, a minha família o recebeu com a empolgação já conhecida por mim; todo mundo
falando alto e de uma só vez, tecendo comentários vergonhosos (que incluía o fato de estarmos disfarçando o nosso namoro como fazem as celebridades, esse saiu do papai), fazendo questionários para o Calvin enquanto o obrigavam a comer o bolo que a mamãe tinha feito. Acabamos tomando um segundo café da manhã, por puta e espontânea pressão.



Calvin mostrou o que tinha trazido; uma lasanha enorme que era receita de sua mãe. Ele jurou
que era a melhor do mundo. Claro que mamãe ficou toda impressionada quando descobriu que o meu vizinho era cozinheiro (fiquei sabendo, somente naquele instante, que o Calvin tinha feito faculdade de gastronomia, e depois se especializado em massas, sobretudo por causa da origem italiana de sua mãe).



Fiquei muito orgulhosa dele. Mais do que já sou. Quase não pude conter um sorrido bobo
apontado em sua direção. Calvin percebeu o meu vislumbre, mas ainda estava estranho comigo. Ignorou-me completamente.



Depois do impacto inicial, os jogos tiveram início. Sara propôs que jogássemos Imagem &
Ação. A gente nunca joga fazendo desenhos, como é a proposta, e sim gestos. Sempre fui péssima.



Fico parecendo uma louca, e sou motivo de piada na família. Dito e feito. O povo não me poupou nem um pouquinho: riram tanto de mim (inclusive o Calvin), que obriguei todos a trocarem de jogo depois da primeira partida.



Pegamos o baralho quando a minha mãe saiu para preparar o almoço. Calvin preferiu
acompanhá-la, mas eu já tinha previsto isso. Os olhos dele brilham quando o assunto é cozinhar. Fiquei na sala jogando buraco, porém ligada no papo que acontecia na cozinha.



Calvin ensinou tantos truques novos à mamãe, que ela ficou toda soltinha, oferecendo mil
elogios e, claro, deixando-o envergonhado (soube disso pelo seu timbre de voz), principalmente quando ela disse que ele era um genro incrível. Certo, até eu corei nesta parte. E fiquei esperançosa porque o Calvin só respondeu um “obrigado”, sem se dar o trabalho de negar nosso suposto relacionamento.



Dei graças a Deus porque todos na sala estavam concentrados demais no jogo (eu era a única
bisbilhoteira). O cheiro bom que começou a sair da cozinha deixou a gente esfomeado antes do tempo.



Papai foi dar uma olhada no que estava cheirando tão bem, e voltou dizendo que o Calvin e a mamãe estavam exagerando no banquete.



Depois de muitas partidas, Guilherme soltou a ideia de irmos jogar alguma coisa no quintal, mas ninguém quis ir. O chato ficou insistindo, alegando que não ficaríamos com fome o bastante para comer tudo do almoço. Sara caiu na justificativa, e acabei aceitando. Improvisamos uma rede de vôlei utilizando os fios do varal da mamãe. Coisa bem arcaica mesmo. E ainda pegamos uma bola de plástico que era da Clara.



Papai não quis jogar por causa de uma dor crônica que ele tinha na coluna, por isso ficou apenas tomando conta da minha sobrinha. Chamamos o Calvin para formarmos duplas, e ele veio todo alegrinho. Sara praticamente o obrigou a formar dupla com ela. Resultado: perderam feio. Não pelo Calvin, que jogou bem e praticamente sozinho. Sarinha sempre foi péssima em qualquer jogo que usasse uma bola, seja com as mãos ou com os pés. A louca saía correndo toda vez que a bola ia ao seu encontro, morrendo de medo.



Nunca ri tanto na minha vida. Ri principalmente do meu pai e da Clara; papai gritava
reclamações para as besteiras que a Sara fazia, e a Clarinha repetia tudo o que ele falava. Fazia tempo que não jogava nada “físico” com os meus irmãos. Tipo, devia fazer no mínimo uns oito anos.



Após uma partida muito doida de vinte e cinco pontos, paramos por causa do cansaço. Foi a
conta certa para a mamãe anunciar o almoço. Gui e Calvin haviam tirado suas camisas para não sujálas, e talvez por isso o meu irmão tenha engrenado em uma conversa sobre musculação com o meu vizinho (Sara e eu só nos preocupamos em conferir o resultado dela, enquanto retomávamos o fôlego e bebíamos muita água, trazida pelo papai em uma garrafa grande de plástico).



O almoço estava uma coisa de louco. Na moral, mamãe tinha exagerada, bem como o Calvin,
mas dei graças a Deus por isso. Além da lasanha que exalava um cheiro incrível, havia dois tipos de salada, arroz soltinho, lombo ao molho madeira, purê de batatas, purê de abóbora e batata frita. Minha nossa... Comi até passar mal. O exercício gerou uma fome animalesca não apenas em mim, de forma tal que quase não sobrou nada para o jantar (lá em casa era assim; toda sobra do almoço ia para o jantar, impreterivelmente).



No entanto, sobraram elogios à mamãe e ao Calvin (o coitado ficou parecendo um menino, todo orgulhoso, sorrindo de orelha a orelha). Senti-me ainda melhor por notar o quanto a minha família estava lhe fazendo bem. Sabia que eu tinha modificado muitas coisas na vida daquele homem, e por um instante tive a certeza de que havia feito a melhor escolha quando decidi não desistir dele.



A sobremesa ficou por conta da mamãe: mousse de sonho de valsa. Foi uma bomba calórica, só para complementar as gordices que cometi morando ao lado de um cozinheiro. Calvin, claro, pegou a receita (e eu fiquei mais feliz ainda, porque sabia que o meu vizinho a testaria em breve. Ou seja, mais gordices).



Já estava nos meus planos que iríamos assistir a filmes após o almoço. Papai e mamãe, no
entanto, avisaram que iam precisar visitar uma tia minha, irmã do meu pai. Pediram-nos mil
desculpas, dizendo que estariam de volta para o jantar. Eles acabaram levando a Clara, para que assim pudéssemos passar a tarde de um jeito mais sossegado. Sara adorou a ideia, com toda certeza.



Sendo assim, Guilherme deu a sugestão de vermos o filme no meu antigo quarto, pois assim
podíamos ligar o ar-condicionado. A minha cama (de solteiro) ainda estava intacta, bem como o
guarda-roupa (vazio) e a cômoda (também vazia). Resumindo: nada foi mexido. Mamãe ainda me esperava de volta. Sei disso.



Sara pegou colchonetes e lençóis. A separação do ambiente foi uma coisa grotesca, sério: Calvin e eu na minha cama, Gui e Sara nos colchonetes dispostos no chão. Vou nem comentar sobre isso.



Depois que apagaram as luzes, foi horrível ficar sentada ao lado dele. Quer dizer, não tão ao
lado, já que mantivemos uma distância maior do que o comum. Não ousamos nos deitar como o Gui e a Sara fizeram. O filme teve início, e eu juro que tentei prestar atenção, mas o clima obviamente chato me perturbou demais.



Calvin começou a me encarar uns dez minutos depois. Disfarcei como pude, mas chegou um
momento em que simplesmente virou o rosto para observá-lo de volta. Ele não sorriu. Seus olhos se transformaram lentamente, e a expressão de desejo finalmente retornou. Arfei de alívio. Ele ainda me desejava, apesar de tudo. Eu ainda não tinha sido abandonada na friend zone.



Sorri. Ele também. Achei estranho não ter sido um sorriso safado... Foi um bem natural. Um
sorriso cúmplice, eu diria, que dava a entender que ele sabia exatamente o que eu estava pensando. Calvin foi se esgueirando lateralmente, a fim de se deitar na cama por trás de mim. Abri espaço e fui junto, sem pensar duas vezes. Parecia que tínhamos combinado as nossas ações sintonizadas. Terminamos de conchinha, de frente para a TV, e suas mãos quentes percorreram os meus braços devagar. Estremeci.



Achei um lençol que a Sara havia trazido, e nos cobri com a sua ajuda. Apoiei a minha cabeça no seu braço esquerdo, que me prendeu por baixo. Seu hálito alcançou o meu pescoço, e por lá ficou, atiçando-me, clamando o meu nome em silêncio.



Estar envolvida pelos seus braços me ofereceu uma sensação perfeita de proteção, conforto e
confiança. O filme que se danasse, tê-lo era o meu primordial objetivo. Depois de tantas batalhas que travei para chegar onde estou, só me restava conquistar aquele homem perfeito dentro de suas imperfeições.



Virei-me de frente para ele, girando o meu corpo sem pressa. Fui envolvida em todos os
sentidos; com mãos, pernas, lábios e língua. Calvin me beijou com lentidão. O choque de nossas bocas me causou um tremor incomum, jamais sentido. Não me lembro de ter beijado alguém com tanta calma, em um movimento de câmera lenta muito excitante. Tenho certeza de que fiquei molhada só com aquela língua circulando pela minha, sem exagero.



Tentamos não provocar ruído algum, mas o Calvin acabou soltando alguns gemidos-suspiros
baixinhos. Acho que os meus irmãos não ouviram, pois o áudio do filme estava alto pra caramba. Ainda devagar, Calvin me puxou para si, como se o fato de estarmos grudados um ao outro não fosse o bastante. Colocou parte de seu corpo sobre o meu. Senti sua ereção dura no meu quadril, e desci uma mão para pegá-lo. Ele arfou quando o alcancei.



Aticei-o um pouquinho, porém decidi largá-lo. Não podíamos ir muito longe naquelas
condições, certo? Aliás, meus planos era não chegar a parte alguma enquanto ele não jurasse que ficaria apenas comigo. Calvin sabia disso, mas não recuou. Entretanto, não avançou mais.
O beijo lento durou muito. Mesmo. Sério. Passamos minutos intermináveis nos movendo
devagar, dançando Ballet com as nossas línguas. Acho que foi o beijo mais demorado que já dei na vida, e não estou exagerando.



Todo momento intenso dura pouco. Não importa se acabam depois de segundos, horas ou meses, é pouco do mesmo jeito. A gente procura pela eternidade do que é bom o suficiente para ser eterno, mas tanta longevidade nunca é possível, e é por isso que damos ainda mais importância ao que nos toca com profundidade passageira.



Calvin se afastou devagar, e juntou nossas testas. Não sei ele, mas eu continuei com os olhos
cerrados. Assisti ao desejo (e ao algo mais que fazia parte da paixão) circular pelo meu corpo.



– Você me faz querer mudar de ideia... – Seu sussurro foi baixo, quase um suspiro prolongado.



Abri os olhos só para conferir que eu não estava sonhando. Era bom demais para ser verdade.
Custei a acreditar. Quase pedi para que repetisse, mas seus olhos me disseram tudo. A seriedade exagerada foi o bastante.



– Mude... Por favor, mude. – Eu sei, pareci desesperada. Talvez porque estivesse mesmo.



Calvin prendeu os lábios e fechou os olhos. Reabriu-os, e fez uma careta esquisita.



– Você não merece ser magoada. – Seus dedos massagearam os meus lábios. – Eu não mereço você, Dulce.



Senti séria vontade de chorar. Poxa vida... Será que eu estava dando murro em ponta de faca?



– Claro que merece...



– Dulce, me escuta... – interrompeu-me em um cochicho. – Não sirvo para isso. Você quer um
homem e merece amor, sou apenas um menino que não sabe amar.



Quase o mandei (pedi, implorei) para que ele crescesse e aprendesse de uma vez por todas, mas o Gui atirou um travesseiro em nós e nos mandou foi parar de cochichar.
Calvin me largou depois disso. Tentei assistir ao filme para não entrar em depressão, mas o
tédio me tomou por completo e me fez adormecer profundamente. Só acordei quando as luzes foram reacendidas. Quero dizer, Sara estava tentando me acordar, mas só abri os olhos quando o Gui acendeu a luz. A minha irmã também estava tentando acordar o Calvin (ele acabou pegando no sono, ainda deitado atrás de mim, porém sem me tocar). Recebemos inúmeras reclamações por não termos acompanhando o maldito filme.



Como os meus pais ainda não haviam chegado, Sara e Guilherme acabaram se dispersando. Ela inventou de receber a ligação de uma “amiga” (com certeza era um cara); trancou-se no quarto e morreu por lá. Já o Gui se recusou a ficar segurando vela (palavras dele), tratou de ligar seu computador e dar adeus ao mundo real.



Era claro para mim que não podia ficar sozinha com o Calvin dentro do meu quarto, por isso o
chamei para a sala de estar. Um ambiente mais neutro e menos impactante. Se bem que, ao dar uma bela olhada nas fotos exibidas nos móveis e estantes, o impacto acabou acontecendo dentro de mim.



Ver retratos da minha família completa, incluindo a vovó, causou-me uma tristeza profunda.
Pensei em disfarçar ligando a TV e fingindo normalidade, mas o Calvin percebeu a minha inquietude.



Sentado ao meu lado no sofá, começou a observar as mesmas fotos que o meu cérebro insistia em tentar ignorar. Ele se levantou em certo momento e chegou mais perto de uma estante. Segurou vários portaretratos em suas mãos, e percebi que não parava de sorrir. Aquele era um sorriso meio triste, mas mesmo assim foi capaz de me fazer bem. A dor que me invadia foi suavizada diante de sua presença. Só esperava ter a capacidade de fazer o mesmo com ele.



– As fotos são as coisas mais dolorosas que podemos guardar... – falou baixinho, e sua voz doce consolou meu coração. – E as mais complicadas. Se as mantivermos, somos perseguidos pela nostalgia. Se nos desfizermos delas, a culpa é que nos persegue.



– Isso foi uma frase da Clarice?



– Não... Mas posso dizer uma agora: “Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de
uma ausência.”



Aquiesci, concordando totalmente, mas o Calvin não me viu. Estava meio que de costas para
mim, devolvendo um porta-retrato para o seu lugar de origem.



– Nunca soube o que fazer com elas – continuou, virando-se para retornar ao sofá. Sentou-se ao meu lado de novo.



– No meu caso, há muita gente compartilhando uma só saudade. No seu caso, deve ser difícil
sentir e decidir o que fazer sozinho.



Calvin me olhou com o mesmo ar de tristeza.



– É muito difícil.



– Ainda bem que você não está mais sozinho.



Seu rosto se iluminou em questão de segundos. Um meio sorriso brotou de sua face, e foi
naquele instante que percebi estar mais apaixonada do que tinha imaginado até então.
Ergui as mãos, e ele entendeu o recado, aproximando-se e me envolvendo em um abraço
consolador tanto para mim quanto para ele. Não falamos nada, embora tenhamos permanecido
grudados durante um tempo considerável.



Foi ele que acabou nos afastando, porém me deu um beijo terno na testa quando o fez. Ficou me encarando, acho que pensando no que ia dizer. Como o meu cérebro havia congelado, nem me deu o luxo de pensar sobre qualquer coisa que seja.



– Faz muito tempo que não me sinto assim – confessou.



– Assim como?



– Não sei... Acho que protegido... Acolhido. Sabe, meu pai era filho único. Meus avôs morreram, e a família da minha mãe está na Itália. Perdi o total contato com todos... – Meus olhos se encheram de lágrimas. Nem queria imaginar como era a sensação de estar sozinho no mundo. – Estavam acostumado com a solidão, mas sinto que acaba de ir embora. E só agora percebo o quanto ela me incomodava.



Calvin segurou a minha mão, que estava repousada sobre a minha perna. Ergui-a prontamente, entrelaçando nossos dedos. Segurei-o firme. Lembrei-me de uma frase linda da Clarice, e pensei muito antes de dizê-la sob o olhar sereno daquele homem.



– “Mas chegará o instante em que me darás a mão, não por solidão, mas como eu agora...”
Calvin sussurrou o restante, junto comigo:



– “Por amor...”



Eu me arrependo de muitas coisas na minha vida. A lista é imensa, que envolve tanto a minha
avó quanto o fato de ter gostado de Rouge na adolescência. Mas eu não me arrependi de ter soltado aquela citação. Mesmo que o Calvin tenha me olhado de uma maneira estranha depois de passar séculos só me encarando, mesmo que tenha balançado a cabeça negativamente e, por fim, ter largado a minha mão.



Não me arrependo, simples assim.



Ouvimos um barulho na porta, os meus pais tinham acabado de chegar. Foi uma verdadeira
confusão. Eles estavam tentando nos contar como havia sido a visita, porém não consegui entender nada. Clarinha começou a chorar não se sabe o porquê, e, como sempre acontecia, a casa se tornou um hospício em questão de segundos.



As coisas só se acalmaram quando o Calvin foi ajudar a mamãe a preparar o jantar. Papai foi
com o Guilherme assistir a um jogo de futebol na sala, e a Sara sumiu com a Clara. Fiquei sozinha, sentada à mesa de jantar, tentando me arrepender e entender a intensidade dos meus sentimentos.



Era muito cedo para defini-los. Era cedo até mesmo para senti-los daquele jeito tão forte. Só
sabia que tinha ido mais longe do que jamais fui, meu peito foi atingido com uma profundidade nunca atingida. Foi complicado aceitar a loucura, mas não ia negar ou lutar contra ela.
Precisava de calma. As emoções enganam, o momento intenso nos faz dizer coisas exageradas.



Talvez eu tivesse mesmo exagerado, mas se não... Puta merda, eu estava muito ferrada.
Milagrosamente, jantamos em silêncio. Não sei se o clima fúnebre pela ausência da vovó tinha
retornado, pois eu estava em outro clima. Ou talvez fosse o mesmo, afinal, a depressão tomou conta de mim por causa da morte da minha própria sensatez.



Calvin agiu naturalmente durante o jantar, salvo o fato de ter voltado a me ignorar. Não me
importei. A minha prioridade, naquele instante, era compreender a mim mesma. Acho que a frase acabou me atingindo muito mais do que ele, o que era, no mínimo, trágico.



Decidimos voltar para casa logo após o jantar. Meus pais queriam alugar o Calvin por ainda
mais tempo, porém inventei um bocado de desculpas para despistá-los de uma vez. Fizeram o coitado prometer que voltaria em breve para uma nova visita.



O silêncio que foi feito no carro, durante toda a viagem de volta, foi capaz de tirar o meu fôlego.
Sério, Calvin nem se dignou a disfarçá-lo ligando som, fez questão de deixar o clima estranho bem óbvio. Nem pensar direito eu consegui, só rezei para chegarmos depressa. Ele dirigiu rápido, pelo menos isso.



Desci do carro assim que ele estacionou, e cruzei o jardim bem depressa. Estava fugindo mesmo, e daí? Não queria me decepcionar, como sei que aconteceria caso deixasse que ele começasse a falar sobre a maldita citação.



– Dulce! – ouvi-o chamar. Destranquei a minha porta e a abri. – Dulce, espere!



Não pude fingir que não tinha ouvido. Uma pena! Virei-me para acompanhar sua aproximação.



– Eu te pedi... – disse, irritado, quando me alcançou. – Você me prometeu! Por que fez isso?



– Isso o quê? – Só tinha a opção de me fazer de desentendida. Até que fui uma boa atriz.



– Por que deixou acontecer? – Seu desespero era evidente.



Espalmei uma mão para frente. Estava cansada de discutir, sentindo-me muito chateada. Que
droga!



– Não me tome como uma adolescente, ou como uma de suas vadiazinhas. Faça-me o favor. Foi só a merda de uma frase.



Seu olhar confuso se desesperou.



– Não acredito que você estragou tudo!



– Eu? Não fiz nada! Foi você que me beijou, você que anda insistindo... – Nem soube onde
terminavam as verdades e começavam as mentiras no que falei, só sei que havia bastante das duas. – Você que me olha como se fosse me comer. Você que está estragando tudo, Calvin. Sempre quis o seu respeito e amizade, mas pelo visto amor não é a única coisa que não sabe dar a alguém.


Calvin ficou vermelho de raiva. Soltou um resmungo irritado e entreabriu os lábios, sem
conseguir me responder algo à altura. Senti-me culpada por ter jogado toda a responsabilidade nas mãos dele. Eu não era nem um pouco inocente naquela história, e continuava jogando verde para colher os frutos no futuro.



– Boa noite, vizinha – rosnou contra a vontade e foi para a sua casa a passos largos


.
Bufei de irritação. Corri para o meu quarto, quase me esquecendo de trancar a porta da frente.



– Isso, foge! – gritei como se não tivesse fugido um minuto atrás. – Continue fazendo o que faz
de melhor!



– Não estou fugindo, quem faz isso o tempo todo é você! – gritou de volta. Credo, ele estava
mesmo muito puto comigo. – Nunca fugi do desejo que sinto, não sou um hipócrita.



Eu tinha saído de mim ou algo assim. Perdi a minha razão há algum tempo.



– Pode não fugir do desejo, mas foge de todo o restante que está acontecendo entre nós!



– Que restante, Dulce?



Ótimo, agora era ele que se fazia de desentendido. Não vale usar as minhas armas, Sr. Klein.



Enquanto você vem com uma faquinha, eu já tenho pronto um canhão.



– Vai negar?



– Negar o quê?



– Estou esperando você negar! – berrei na direção da parede da Clarice. – Negue que está
acontecendo alguma coisa entre nós!



Calvin bufou alto.



– Qual é o problema de vocês, mulheres? Puta que p/ariu, são todas iguais!



Parei diante da parede à minha frente. Pisquei os olhos na maior velocidade enquanto assistia a tudo o que eu tentava construir indo ao chão. No fim, era isso o que ele achava de mim: que sou apenas mais uma das tantas vadias que cruzava o seu caminho.



Fiquei tanto tempo calada (estática, estupefata, descrente, sentindo o meu Q.I. despencando),
que o Calvin me chamou duas vezes. Por fim, falou:



– Desculpa... Não quis dizer isso. Dulce, você não é igual a ninguém que eu já tenha conhecido. Ninguém nunca fez tanto por mim, nem me fez sentir tão bem... – Continuei calada. – Dulce, me perdoa! Não sei o que você quer de mim, não sei o que pretende ou o que pensa, só sei que eu não faço ideia do que fazer contigo.



Comecei a chorar, do nada. Uma merda mesmo! O pior de tudo era estar entendendo muito
pouco do que havia acabado de acontecer.



– Dulce... – a voz dele se suavizou ainda mais. Todo o resquício de raiva e irritação tinha ido
embora. Amém.



– Certo. Espero que tenha entendido, mais uma vez, os motivos de sermos só amigos. –


Mantive a firmeza apenas para confundi-lo. Era o que me restava fazer: continuar com o meu jogo. Precisava restabelecer a ordem das coisas. O controle do nosso relacionamento tinha que ficar comigo.



– Eu entendi. Perdoe-me... Por tudo. Por favor.



– Não se preocupe. Não há o que ser perdoado.



Claro que havia, só não queria deixar claro que o tinha feito na velocidade da luz. Seria muito
vergonhoso.



– Você é a melhor coisa que aconteceu comigo em muito tempo, Dulce... – Fechei os olhos e
chorei mais. Suspirei. – Obrigado pelo que fez por mim hoje.



– Digo o mesmo – sussurrei. – Boa noite, vizinho.



Recolhi meus lençóis e travesseiros. Fui dormir no tapete da Sra. Klein. Eu que não ficaria ali,
prolongando aquela conversa, arriscando piorar a situação ou ter o controle arrancado de mim.
Terminei o dia sem fazer ideia se tinha dado muitos passos para frente ou mais ainda para trás.



A lembrança do beijo longo que trocamos foi o meu porto seguro. Agarrei-me a ela com unhas e dentes, rezando baixinho para que os anjos me dessem uma chance.
Não podia me deixar desanimar, principalmente compreendendo o quanto estava envolvida. Se
eu falhasse, não saberia o que fazer. Talvez sequer continuasse morando ali. Não poderia.


Não conseguiria.


___________________________________


Raiva do Calvin {#emotions_dlg.yell}



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Autor(a): luvondul

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Acordei assustada na manhã de quarta-feira. Meu sono nunca foi muito pesado, por isso tive asensação de que havia alguém circulando pelo meu quarto. Só depois me lembrei de que quase sempre havia alguém no meu quarto, já que aquela parede e nada eram a mesma coisa. Ouvi gemidos e congelei no tempo. Calvin não tinh ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 41



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  • aucker Postado em 17/12/2020 - 23:29:30

    Como essa fic pode ter poucos comentários gente? Sério msm amei a história

  • dudinhah Postado em 16/11/2018 - 01:59:46

    Essa é a única web ,que eu li que não tem os outros rbds

  • manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:27:20

    https://m.fanfics.com.br/fanfic/55689/never-gonna-be-alone-vondy estou começando a escrever essa fanfic passem-lá

  • manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:25:24

    Simplesmente perfeita essa fanfic, amei d+ a história

  • stellabarcelos Postado em 06/04/2016 - 14:13:33

    Amei amei amei amei! Uma das histórias Hot mais incríveis que eu já li! Nunca ia esperar por isso

  • luvondul Postado em 24/03/2016 - 21:42:19

    Christopher Uckermann é um renomado advogado criminalista apaixonado pelo que faz. Além do sucesso inquestionável na carreira jurídica, também usufrui do impacto devastador que provoca nas mulheres a sua volta. E com a sua nova estagiária Dulce Maria não seria diferente. Recém-chegada de uma temporada fora do país, quando acompanhou o então namorado e cantor pop Dereck Mayer em turnê pelo mundo, a estudante de Direito está determinada a cumprir as horas de estágio para finalmente ganhar o diploma, nem que para isso tenha de resistir aos hipnotizantes olhos azuis do dr. Uckermann. Assim como o seu chefe, a jovem leva uma vida descompromissada, curtindo o sexo oposto sem romantismo ou grandes demonstrações de afeto. Passem lá na minha nova fic meninas ;) http://fanfics.com.br/?q=capitulo&fanfic=53091&capitulo=1

  • hanna_ Postado em 22/03/2016 - 15:46:44

    Foi tudo muito lindo ao modo safado dele mas foi hahahah...fiquei muito feluz de acompanhar essa fic. Cada frase da Clarice q tbm falou com nós leitoras. Ansiosa para sua próxima adaptação. Obrigada vc, bjôooo ;)

  • danihponnyvondyrbd Postado em 20/03/2016 - 21:13:55

    O comentário abaixo e meu

  • Postado em 20/03/2016 - 21:11:41

    N acredito q é o ultimo (to chorando um balde de água) n pode acaber é muito boa por favor não faça isso comigo o meu coração não aguenta. Postao próximo capítulo :-):-):-)

  • hanna_ Postado em 20/03/2016 - 01:06:00

    Q lindos! Ah eu amei a Clarice e o Ck tbm <3 ...Tá acabando :(


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