Fanfic: O safado do 105 (ADAPTADA) | Tema: Rebelde
Por Christopher
Fazia tempo que eu não passava uma semana tão difícil. Aquela muito se igualou as tantas que
passei nos primeiros meses após a morte do meu pai. O clima fúnebre permaneceu, como se a minha alma e o meu corpo estivessem de luto. Não os culpo, a perda havia sido tão dolorida... Mas, ao mesmo tempo, já conhecia aquela dor; saber que não poderia doer mais do que aquilo era um alívio.
Percebi que já sofria a dor do fim antes dele, e isso me trouxe certo costume, ou uma espécie de consolo que me deixava mais conformado do que imaginei que ficaria. Aquela conformidade podia ser algo bom ou ruim. O lado bom foi manter o desespero longe; minhas lágrimas foram silenciadas e o autoflagelamento pareceu ter deixado meu corpo junto com os medos. O lado ruim foi a inércia.
Fiquei parado no tempo como se não pertencesse a ele, e, ao mesmo tempo, como se pertencesse tanto que só conseguia passar junto com ele.
A minha rotina se tornou sufocante. Engraçado é que continuou sendo a mesma de antes,
absolutamente nada mudou, porém tudo ficou insuportável de uma hora para outra. Começou na manhã da quarta-feira. Acordei todo quebrado por ter dormido meio sem jeito no tapete da mamãe.
Decidido a fazer as mesmas coisas de sempre, fui ao jardim a fim de cuidar das plantas.
Percebi que a varanda da Raissa ainda estava toda destruída. Fiquei olhando a bagunça. Tudo o que eu mais queria era acordar e perceber que toda aquela merda havia sido um pesadelo. Queria preparar nosso café da manhã e ver seu sorriso glorioso apontado na minha direção. Queria sentir seu cheiro de novo, o formato dos seus lábios nos meus e aquela sensação nova de ser amado, admirado e valorizado.
Mas tudo havia morrido junto com as rosas, que, pelo estrago, haviam sido pisoteadas. Peguei
uma vassoura em casa, disposto a aliviar aquele clima destruidor que pairou no ambiente. Congelei quando vi as violetas todas mastigadas. O vaso delas estava quebrado, bem como todos os outros.
Ajoelhei-me no chão e as toquei. Estavam ressecadas, destroçadas. Não haveria jeito.
Apesar de sentir uma vontade absurda de chorar, nenhuma lágrima foi capaz de escorrer. Dei
uma olhada ao redor, achando que surtaria, que meu coração não aguentaria tanta desgraça, mas acabei me vendo diante de um vazio ainda mais cruel do que o próprio desespero.
Eu cuidava daquelas plantas há muitos anos. Cada flor era cultivada com empenho. Estudava
cada uma delas para que florescessem saudáveis, em um ambiente agradável. Isso não é fácil, mas é uma coisa que amo fazer e não me vejo deixando de lado. Não era justo que elas tivessem que pagar pela minha burrice. Elas não tinham culpa de nada.
– Me desculpem... – murmurei. Calei-me, cerrando os dentes. A raiva deu lugar à tristeza, por
isso peguei a vassoura e fui juntando todos os destroços em um canto. Por mais que quisesse salvar alguma daquelas plantas, não conseguia encontrar coragem para fazê-lo.
Recolhi tudo em uma sacola grande de lixo. Parei quando vi um único vaso intacto: o pequeno
cacto repleto de espinhos. Ele me representava mais do que qualquer coisa; tudo o que fazia parte de mim parecia ser capaz de machucar alguém. Podia deixá-lo onde estava, mas o joguei no lixo junto com todo o restante, sem nenhuma consideração.
Depois que deixei a varanda da Dulce vazia e limpa, tudo perdeu o sentido. Desistir daquelas
plantas significou uma desistência geral, e nem me dei o trabalho de cuidar do jardim. O desânimo me deixou irritado, mas tentei compreender que precisava de um pouco mais de calma para encarar a situação. Achei que a calma viesse com o tempo, e talvez por isso o tenha deixado passar.
Fui ao trabalho com a cara toda arrebentada e dolorida. O gerente quis me fazer voltar para casa, mas conversei com ele até que finalmente permitiu que eu ficasse. Fui motivo de piadinhas sem graça, mas nem dei moral. Depois de um tempo, e percebendo a minha irritação, o pessoal me deixou quieto, do jeito que eu queria.
Pode parecer estranho, mas trabalhar também perdeu a graça. No fim do expediente de cada dia da semana, percebi que minha tristeza não havia sido amenizada nem por um segundo; a dor ainda latejava, a impaciência me consumia e o desânimo me sufocava. Achei esquisito demais não conseguir me distrair cozinhando. Depois de muito refletir, percebi que, pela primeira vez na minha vida, não quis ignorar os meus problemas ou dores. Quis apenas senti-las e, talvez por isso, minha mente se recusasse a anulá-las.
Seria um sinal de amadurecimento ou uma espécie de masoquismo infundado? Não soube
responder, mas ter a compreensão de que não queria fugir de mim mesmo me fez confiar um pouco mais no tempo. Só que é muito difícil confiar nele quando o seu primeiro e único amor passa por você e sequer considera a sua presença.
Aconteceu na sexta-feira à noite. Cheguei do trabalho às duas da manhã, morto de cansado. O
carro da Dulce não estava estacionado no lugar de sempre. Morri de pavor. Aliás, estava ficando cada vez mais difícil controlar os horários dela. Dulce começou a sair de casa mais tarde do que antes, em horas que não mantiveram o padrão. Muito esquisito!
Assim que cruzei o portão de madeira, ouvi seu carro ser estacionado. Esperei com o portão
aberto, pronto para saudá-la, mesmo que estivesse morrendo de ciúmes e com o coração na mão por vê-la cara a cara de novo depois de um tempo que me pareceu eterno. Ela saiu do carro segurando as sandálias na mão e caminhou tropegamente.
Ardi como se fosse pólvora acesa. Ela estava visivelmente bêbada, usava um vestido preto curto demais, meio amarrotado, e tinha os cabelos soltos desgrenhados. Tive tanta vontade de matá-la e de morrer logo em seguida que minha saudação foi engolida. Apenas a esperei passar por mim. Ela o fez sem sequer olhar para minha cara, rebolou sensualmente até a sua varanda e entrou em casa sem olhar para trás, depois de ter dificuldade para rodopiar a chave na maçaneta.
Vê-la daquele jeito acabou com o meu juízo e com a minha raça. Não parei de pensar onde ela
esteve e, o mais importante, com quem esteve. Os pensamentos me torturaram por toda aquela noite. O tapete da mamãe nunca foi tão desconfortável. Tive vontade de gritar, de bater em alguém, de sumir... Mas... Eu sabia que precisava passar por aquilo.
Era a minha redenção. Talvez a minha culpa fosse anulada. Talvez o perdão que eu sempre quis viesse com a justiça. Eu havia machucado tanta gente, feito tanta merda... Não podia ficar impune e ser feliz como se fosse um cara inocente. Cada dor que eu sentia fazia o meu corpo se redimir do mal que causou aos outros.
Só precisava ter calma. Paciência. Coragem. Aceitar que o mundo não estava sendo injusto
comigo, apenas justo demais com as pessoas que magoei. Parar de me fazer de vítima me fez
sobreviver àquela fatídica noite. Perceber que a responsabilidade de pagar pelos meus erros era totalmente minha me fez compreender que tudo fazia parte do processo de amadurecimento que precisava para me livrar de tantas desgraças, tanto medo, tanta carência.
Em contrapartida, perceber que a Dulce não mais me pertencia, que podia fazer o que quisesse – incluindo beber como uma louca e transar com outros caras – estava me deixando surtado. O ciúme começou a trazer o desespero que a dor não estava mais conseguindo. Acho que a pior parte de perdêla não era a ideia de ficar sem ela – embora isso doesse mais que óleo quente na pele –, era a ideia de que outro cara podia ficar com ela. Eu aguentaria toda aquela indiferença se soubesse que ao menos estava se mantendo intacta.
Já era manhã de sábado, e eu não tinha dormido nada, quando vi pela minha janela a Dulce
saindo cedo para visitar seus pais. Uma fagulha de esperança vibrou em meu peito quando percebi que logo seria domingo. Sabia que ela cumpriria a sua promessa de nunca me deixar sozinho aos domingos. Dulce cumpre com o que diz, não importa o que aconteça. Sempre acreditei em suas palavras.
Encontraríamo-nos no quintal, e eu faria de tudo para convencê-la de que aqueles dias haviam
sido suficientes para eu ter certeza de que jamais seria capaz de magoá-la de novo. Havia aprendido uma lição muito importante: todas as merdas que já fiz na minha vida foram resultado das minhas escolhas, e não um acontecimento trágico alheio a mim. Se a escolha sempre foi minha, então tenho a responsabilidade de nunca mais errar de novo. Não quero e nem vou mais errar.
Eu só a queria de volta. Não aguentava mais esperar. Não suportava mais dar asas a minha
imaginação e visualizá-la sendo tocada por outros caras de diversas formas. O meu tesouro, o meu amor, a minha vida... não podia pertencer a alguém além de mim. Eu seria capaz de tudo por ela. Mataria e morreria. Seria exagerado, iria até os extremos de qualquer coisa.
Não saberia como respirar sem sua alegria. Viver seria um martírio sem a sua presença sempre
doce, aconchegante. A falta que ela me fazia era... excruciante. “Sinto falta dele como se me faltasse um dente na frente: excruciante”. Clarice sempre sabe definir bem como eu me sinto.
Começava a ficar cada vez mais rara a visita ao meu quarto, contudo precisei procurar o livro da mamãe na minha estante. Tive a ideia de ler algumas frases para não enlouquecer de vez.
Puxei o livro tão depressa que outros exemplares acabaram caindo no chão. Recoloquei-os na prateleira, e percebi que estavam muito empoeirados. Fazia algum tempo que não os limpava.
Como não aguentava mais sequer ver o jardim, não conseguiria dormir, já havia trocado o
curativo do nariz e ainda tinha algumas horas livres antes de ir ao trabalho, decidi começar a limpeza que costumava ser mensal. Retirei cada livro com o maior cuidado, fazendo pilhas no chão de acordo com a ordem das prateleiras. Detestava mudar os meus livros de lugar; cada qual tinha o seu local exato e imutável.
Depois que retirei todos os livros da estante e a limpei – constatando que estava mesmo bem
suja –, comecei a limpar cada livro, um por um, e recolocá-los no lugar. Os minutos se passaram tão depressa que, quando me dei conta, já era hora de começar a me aprontar para ir ao trabalho. Deixei o serviço pela metade, prometendo que o faria depois. Talvez na companhia da Dulce no dia seguinte, fosse interessante.
Só me restou esperar impacientemente pelo domingo. Nunca trabalhei tão disperso quanto
naquele sábado. Geralmente não cozinho com o modo automático ligado; a minha sorte é que eu consegui fazer isso sem prejudicar o resultado final.
Fiquei aliviado ao ver o carro da Dulce quando cheguei a nossa casa. Um pouco de ânimo me
fez lembrar de que haveria churrasco mais tarde, e de que tudo seria resolvido depois que passássemos algumas horas juntos. Eu acreditava na gente. Acreditava no meu amor e, mais do que isso, acreditava no amor dela. Dulce estava magoada com toda razão, mas podíamos conversar melhor. A saudade é um sentimento urgente. Não dava para esperar mais uma semana de tortura. Tinha certeza de que ela conseguia sentir aquela urgência.
A boa notícia é que, depois de dias dormindo mal, consegui ter uma madrugada de sono
profundo. A notícia ruim é que sonhei com a Dulce. Não que seja algo ruim sonhar com ela, mas é que no sonho estávamos juntos e felizes. Ou seja, acordar e perceber que nada estava resolvido foi uma tortura. Sorte que eu estava confiante demais no churrasco. Foi por isso que segui para um mercado logo cedo; comprei tudo do bom e do melhor, a fim de fazer um domingo perfeito para nós dois.
Preparei a farofa que ela tanto gostava com muito empenho. Cortei os tomates com precisão
exagerada, temperei as carnes e fiz um pudim de morango, lembrando-me da nossa primeira noite juntos. Parece que foi ontem que eu estava morrendo de tesão pela minha vizinha gostosa – não que isso tivesse mudado, mas é que agora tesão é pouco para o que realmente sinto. Assim que vi a Dulce pela primeira vez, quase não acreditei no tamanho da minha sorte; ter uma gata como vizinha só podia ser um sonho. Meu desejo por ela foi imediato, mas jamais cheguei a imaginar que as coisas iriam tão longe.
Era quase meio-dia quando finalmente consegui levar tudo para o quintal. Destranquei a porta da frente, como sempre fazia, deixando o acesso livre para a Dulce. Coloquei Lulu Santos para tocar no som, organizei a mesa de madeira de uma forma mais cuidadosa e tratei de ligar a churrasqueira.
O carvão pegou brasa, e nada da Dulce. A demora começava a me angustiar um pouco. Estava nervoso, sem saber direito o que dizer a ela. Uma coisa estranha imersa no abismo do meu eu me impedia de dizer que a amava, mas estava disposto a jogar fora tudo o que estava entalado na minha garganta.
Tirei a roupa, ficando apenas de sunga branca, e passei o protetor solar. O sol brilhava forte no céu quase sem nuvens. Estendi a toalha ao lado da piscina e dei uma olhada ao redor. As plantas precisavam de um pouco de atenção, mas não conseguia vê-las com os mesmos olhos. Era como se todas elas estivessem me detestando, e eu só precisasse ficar na minha para deixar toda aquela raiva passar. Ignorei-as.
Fiquei um pouco na piscina, observando as carnes ficando prontas, escutei a coleção inteira do Lulu, e nada da Dulce. Desisti do som e passei a escutar o silêncio sepulcral enquanto tentava me manter confiante. Sabia que ela viria. Talvez tivesse acordado tarde, ou se enrolado na caipirinha.
Eu adorava a caipirinha da Dulce, pois nunca era igual. Ela sempre errava em alguma coisa; ou era no açúcar, ou na cachaça, até no limão a doida conseguia errar, mas o resultado final era sempre espetacular. Uma vez eu errei fazendo um crepe e acabei preparando uma papa salgada que se transformou no principal molho de uma torta famosa lá no restaurante. O que quero dizer é que, na culinária, às vezes o errado dá certo, e a caipirinha da Dulce era um erro adorável.
Entrei em casa a fim de conferir a hora no relógio da cozinha: eram quase três da tarde. Fiquei
assustado com o avanço descomunal do tempo. Ele parecia ter parado lá no quintal. Dei uma olhada pela janela da cozinha, e vi o carro dela estacionado. Dulce estava em casa, então por que ainda não tinha chegado?
Pensei em chamá-la pelo quarto, mas desisti. Tive medo da indiferença. Sei que seria mais fácil recebê-la de uma vez do que ficar esperando por ela no quintal, porém minha mente não queria aceitar que a Dulce não viria. Mantive-me confiante até o último suspiro. As carnes que eu ia assando foram se esfriando com o passar do tempo, os tomates começaram a murchar e eu não sabia mais no que me agarrar para continuar esperando. Escolhi as lembranças.
Lembrei dos olhos da Dulce me observando, dizendo-me que me amava. Incondicionalmente.
Havia tanta verdade neles. Ou será que tinha me enganado? Lembrei-me do dia em que falou que estaria comigo em todos os domingos. Lembrei-me dos nossos beijos, dos abraços, de cada instante de lágrimas e risos, cada detalhe do que vivi ao lado dela. Havia sido tão pouco, mas tão intenso. Foi um sopro confortável na minha vida. Uma luz no meio das minhas trevas.
Lembrei-me do dia do meu aniversário, de como tinha me consolado logo pela manhã. De como havia me ajudado a arrumar um emprego bom, só usando as palavras certas. Lembrei-me de seu sorriso. De como ele sempre parecia inocente, livre de intenções. De como ele sempre foi capaz de me salvar, aos poucos, de todas as coisas ruins que eu sentia. Lembrei-me das tantas noites que passamos juntos, do modo como seu corpo se encaixava no meu. A parede, o chuveiro, o regador, o tapete, os tomates, a mesa da minha cozinha, a varanda, as flores, o quintal...
Tudo me trazia lembranças dela. E eu sabia que jamais as esqueceria. Jamais.
Eu não podia viver sem ela. Havia duas escolhas para mim; ou seguiria a minha vida com a
Dulce ou preferiria não viver.
Contudo, já era tarde, e ela não me queria mais. A maldita escolha escorreu pelos meus dedos, e eu só tinha um caminho a ser seguido. Assistir ao pôr do sol nunca foi tão deprimente. O quintal foi tragado pela mesma escuridão que visitava os meus pensamentos.
Compreender que a Dulce não passaria por aquela porta... Perder toda a esperança que eu tinha reunido durante aquela semana torturante... Uma semana de fé em vão, pois enquanto eu sonhava com a nossa volta, ela já estava decidida a desistir de mim.
Sentando à mesa de madeira, incapaz até de chorar e quase sem enxergar um palmo à minha
frente, a conclusão das minhas ideias me fez segurar a faca de carnes com força. Se até a Dulce, uma pessoa forte, resolvida, sensata, doce, a mulher que havia dito que me amava incondicionalmente tinha desistido de mim... Ela sempre sabia o que fazer. Se havia desistido é porque não valho a pena. E se não valho a pena, para quê viver?
Raspei a ponta da faca, de leve, no meu pulso esquerdo. Senti uma dor aguda, fraca e irritante. Meu corpo soltou um espasmo esquisito, uma espécie de meio soluço, e só. Eu não sabia como fazer aquilo. Por mais que tenha pensado a respeito várias vezes, nunca havia chegado tão perto. Seria como cortar um pedaço de picanha, ou de uma carne de terceira, já que nenhum valor podia ser atribuído àquele sangue que começou a escorrer aos poucos. Precisava ser mais profundo.
Os olhos da Dulce invadiram a minha mente. Foi nítida, uma memória firme que mais me
pareceu a realidade. Uma lágrima escorreu pela sua face, e então ela abriu a boca e disse:
– Sua mãe sofreu tanto... Para isso?
Solucei alto, e no mesmo instante o rosto dela se esvaiu. Segurei a faca com ainda mais força.
Talvez a Dulce me dissesse aquilo se estivesse ali, mas ela não estava. E a coisa mais legal que eu podia fazer pela minha mãe era encontrá-la no além, como sempre foi o meu desejo, desde que nasci.
– “Nunca sei se... quero descansar porque estou realmente cansada” – murmurei de um jeito
tranquilo, meio doentio. Nem eu me reconheci direito. – “... ou se quero descansar para desistir”. Senti a ponta da faca pressionando o corte superficial. Prendi os lábios, sentindo um pouco de dor.
– “O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo” – continuei com os devaneios.
Fechei os olhos e tentei entender se queria parar de fazer aquilo por covardia ou porque realmente não queria fazê-lo. Só pararia de avançar quando soubesse, e foi por isso que deixei a faca se aprofundar ainda mais dentro da minha pele. – “Ignore, supere, esqueça. Mas jamais pense em desistir de você por causa de alguém”.
Larguei a faca.
– Não procure alguém que te complete... Jamais pense em desistir de você por causa de alguém... Supere, esqueça... É imoral desistir, complete a si mesmo... Descanse, mas não desista... Procure alguém que te transborde – misturei as frases como um louco. Peguei um pano de prato e enrolei no meu braço. Depositei a minha testa na mesa e cerrei os dentes.
Eu não queria desistir. Não podia perder a minha fé por causa daquilo. Dulce me ama. Eu
acredito nela. Como pude pensar em me matar e fazê-la sofrer? Como pude? Como pude pensar em jogar fora a minha felicidade, durante anos, por nunca acreditar que podia fazer as escolhas certas?
Ninguém mais vai sofrer por minha causa, inclusive eu mesmo. Não mereço me fazer sofrer. Não mereço ser vítima de mim.
Precisava começar a me respeitar. A entender o meu valor como pessoa, como um ser que
merece respirar. Sempre achei que estivesse respirando por um erro do destino – ou da minha mãe –, mas eu estava respirando por causa de mim. Sou eu que me levanto todos os dias à procura de uma distração para as minhas dores.
Tudo porque, no fundo, não quero senti-las. Não quero sofrer, não quero continuar na inércia.
Quero lutar pela minha felicidade. O meu bem-estar vem em primeiro lugar. Sobrevivi àquela semana cruel, vencendo a dor, mantendo a fé, acreditando no meu destino com todas as minhas forças. Preciso continuar acreditando em mim. Tentaria ser feliz até o último momento, e só desistiria quando a vida me levasse à morte, e não quando eu me empurrasse até ela.
Eu estava vivo, até então, pela minha única e total vontade de estar. Custei muito a descobrir,
mas ali, naquele quintal escuro, compreendi mais uma coisa importante sobre mim: eu me amo. Vivi parte da minha vida achando que queria morrer, mas não quero. Nunca quis.
Recolhi todas as coisas do quintal, na maior paciência. Guardei as comidas na geladeira, sem
fazer ideia de quem as consumiria. Não soube direito o que estava sentindo; embora tenha perdido a Dulce, havia ganhado a mim mesmo. E, depois que me ganhei, passei a acreditar piamente que tudo ficaria bem.
Estava organizando a minha cozinha quando vi a Dulce através da janela. Ela conversava com o meu irmão Carlos no jardim. Toda a minha concentração foi mantida nos movimentos deles; pareciam discutir sobre alguma coisa. Dulceestava visivelmente abalada, e o Carlos, com curativos no rosto – bem feito pra ele –, questionava com veemência.
Abri a janela para descobrir sobre o que eles tanto conversavam, e só deu tempo de ouvir a voz dela dizendo:
– Estou decidida, Carlos. Faça o que for preciso, por favor!
– Mas, Dulce...
– Não dá pra ficar aqui, assim. – Ela deu passos para trás, e depois se virou na minha direção.
Nossos olhos se cruzaram por alguns segundos prolongados, mas ela tratou de me ignorar, fazendo uma careta estranha. Seguiu rumo à sua varanda e sumiu do meu campo de visão.
Carlos também me viu. Fiz cara de poucos amigos e comecei a fechar a janela novamente.
– Ei, Christopher... Ei, espere! – Carlos correu até a minha varanda. Pensei em fechar a janela de vez e ignorá-lo, mas a curiosidade falou mais alto. O que aquele otário queria comigo?
Ele se aproximou, porém manteve uma distância segura.
– O que é? – Seu rosto estava todo fodido. Mais ou menos como o meu. A diferença é que ele
não parecia ter quebrado nada. Infeliz.
– A gente precisa conversar.
– Não tenho nada para dizer a você.
– Cara... Deixa de ser imbecil! – Riu de um jeito sarcástico, mas logo voltou à seriedade. Fiquei
o observando, tentando descobrir como faria para começar a esbofeteá-lo de novo.
– É essa a sua conversa? – rosnei. – Muito bem, me deixa ir até aí e então decidiremos isso de
uma vez. Ergueu as duas mãos.
– Não vim brigar. Deixa quieto... Vai ser merecido. – Balançou a cabeça, concordando com
alguma coisa que eu desconhecia. – Passar bem. – Saiu da minha varanda.
– Ei... Espera. – Ele se virou. – O que houve?
Carlos continuou bem sério.
– Dulce quer vender a casa.
Dulce quer vender a casa. Dulce quer vender a casa. Dulce quer vender a casa...
Meu cérebro não conseguiu compreender aquela frase. Mantive meus olhos no Carlos, mas tive certeza de que havia alguma coisa estranha neles. Tudo ficou embaçado diante de mim.
Não tive capacidade de abrir a boca.
– Ela quer que você compre. Eu sei que você não pode comprar, tentei explicar que, se pudesse, teria feito desde o início. Então ela acabou de reduzir o preço pela metade.
– E-Eu...
Carlos sorriu.
– Olha a sua cara de bocó. Nunca vi você se importando tanto com uma mulher. – Uma lágrima
escorreu. Continuei sem fala. – Cara, eu não sei o que você quer da vida, mas se quer aquela mulher, precisa fazer alguma coisa. – Apontou para a varanda vizinha.
Resfoleguei.
– Eu não sei o que fazer – murmurei.
– Qual é, desaprendeu a conquistar uma mulher? – ironizou. – Dulce te ama. Você não merece
nem o prato que come, mas ela te ama. Só consigo sentir pena... Perder o emprego, ter que vender a casa que acabou de comprar... Estar apaixonada por um vizinho otário...
Congelei.
– O que disse? – Quase quebrei o vidro da janela de tanta força que coloquei em minhas mãos.
– Que você é um otário.
– Não. Ela... Perdeu o emprego? Quando? Como?
– Segunda-feira.
Prendi os lábios. Mais lágrimas me disseram “oi”. Era loucura demais para que eu acreditasse.
Não podia ser... Dulce havia perdido o emprego no mesmo dia que... Puta que p/ariu!
– Raissa não pode vender essa casa... Não pode.
– Ah, ela pode. E se eu fosse você tratava de comprar logo, antes que ela desista e venda para qualquer um. Pelo preço que está... Não vai demorar nada.
– Não... Não.
– Venda o carro e dê de entrada.
Olhei-o como se fosse um louco. E era mesmo, por sugerir algo do tipo.
– Não vou vender o carro do papai, perdeu o juízo? Não sou como você, que barganha as coisas dele como se não significassem nada.
Deu de ombros.
– Ele morreu, Christopher. A gente tem de superar.
– Superar, sim. Esquecer, nunca.
– Você não faz nenhum dos dois.
– E você já fez os dois! – berrei. – Escute aqui, Carlos, se ajudá-la a vender essa casa, eu juro
que te mato.
Ele riu, todo desdenhoso. Tive vontade de matá-lo sem sequer esperar pelos motivos da minha
ameaça.
– O que posso fazer? Sou a única pessoa com quem ela está contando. Não vou enganá-la.
Bufei.
– Sei muito bem as suas intenções, filho de uma...
– Vai começar a falar de mãe? – interrompeu-me. Calei a boca.
Que ódio!
– Se você encostar um dedo na Dulce, Carlos... – Coloquei meu próprio dedo em riste.
Ele deu de ombros.
– É sério, Christopher. Chega de babaquice. Ela te ama. Pelo que estou vendo, um milagre aconteceu e você finalmente aprendeu a amar uma mulher. Convença a Dulce a ficar, e então tudo se resolve.
Passei as mãos pelos meus cabelos, transtornado. Não dava para acreditar que aquilo estava
acontecendo. Dulce devia estar desesperada. E a culpa de toda aquela merda era minha. Eu devia estar ao lado dela naquele momento, e não do outro lado da parede.
Refleti um pouco, mesmo que a dor de cabeça – surgida do nada – estivesse me impedindo.
– Diga a ela que eu vou comprar. Me dê um tempo...
– Ela não quer que demore. Pretende voltar à casa dos pais na semana que vem.
Dulce voltando para casa dos pais? C/aralho! E todo aquele lance da liberdade? Até disso estava desistindo?
– Uma semana. Só tenho uma semana.
Carlos aquiesceu. Ficou observando as minhas expressões cada vez mais desesperadas. Não sei dizer quanto tempo se passou até que ele voltou a se aproximar. Depositou uma mão no meu ombro.
– Ei, mano... Você consegue. Boa sorte.
Não consegui segurar o restante das lágrimas.
– Obrigado.
Afastou-se.
– Ei... – chamei sua atenção. – Desculpa. Sua cara está feia pra burro.
Sorriu.
– Seu nariz nunca mais vai ser o mesmo.
– Não, seu idiota.
Rimos um pouco.
– Isso foi burrice, você sabe – falou. – Papai ia dar sermão na gente se estivesse aqui.
Concordei.
– Coisas de irmão – sussurrei.
– É. A gente sempre vai se odiar. Vou lá, cara... Passo aqui por esses dias.
Vi o Carlos atravessando o jardim, mas a minha cabeça já estava em outro lugar. Mais
propriamente na minha nova missão. Eu tinha uma semana para reconquistar a Dulce, provar que podemos sim ser felizes, mostrar o quanto a amo e o quanto estou pronto para viver esse amor.
Era tudo ou nada.
______________________________
Quem aí está torcendo pro Christopher reconquistar a Dul? \õ/
Autor(a): luvondul
Este autor(a) escreve mais 2 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
Por Dulce O ruim de estar na fossa, além de chorar até dormir e comer até passar mal, é que tudo fazlembrar o sujeito que você quer esquecer. Eu não podia respirar em paz sem recordar os variados momentos que passei com o meu vizinho. Todas as partes daquela casa eram habitadas pelas lembranças, e s&oac ...
Capítulo Anterior | Próximo Capítulo
Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 41
Para comentar, você deve estar logado no site.
-
aucker Postado em 17/12/2020 - 23:29:30
Como essa fic pode ter poucos comentários gente? Sério msm amei a história
-
dudinhah Postado em 16/11/2018 - 01:59:46
Essa é a única web ,que eu li que não tem os outros rbds
-
manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:27:20
https://m.fanfics.com.br/fanfic/55689/never-gonna-be-alone-vondy estou começando a escrever essa fanfic passem-lá
-
manu_morais Postado em 28/12/2016 - 20:25:24
Simplesmente perfeita essa fanfic, amei d+ a história
-
stellabarcelos Postado em 06/04/2016 - 14:13:33
Amei amei amei amei! Uma das histórias Hot mais incríveis que eu já li! Nunca ia esperar por isso
-
luvondul Postado em 24/03/2016 - 21:42:19
Christopher Uckermann é um renomado advogado criminalista apaixonado pelo que faz. Além do sucesso inquestionável na carreira jurídica, também usufrui do impacto devastador que provoca nas mulheres a sua volta. E com a sua nova estagiária Dulce Maria não seria diferente. Recém-chegada de uma temporada fora do país, quando acompanhou o então namorado e cantor pop Dereck Mayer em turnê pelo mundo, a estudante de Direito está determinada a cumprir as horas de estágio para finalmente ganhar o diploma, nem que para isso tenha de resistir aos hipnotizantes olhos azuis do dr. Uckermann. Assim como o seu chefe, a jovem leva uma vida descompromissada, curtindo o sexo oposto sem romantismo ou grandes demonstrações de afeto. Passem lá na minha nova fic meninas ;) http://fanfics.com.br/?q=capitulo&fanfic=53091&capitulo=1
-
hanna_ Postado em 22/03/2016 - 15:46:44
Foi tudo muito lindo ao modo safado dele mas foi hahahah...fiquei muito feluz de acompanhar essa fic. Cada frase da Clarice q tbm falou com nós leitoras. Ansiosa para sua próxima adaptação. Obrigada vc, bjôooo ;)
-
danihponnyvondyrbd Postado em 20/03/2016 - 21:13:55
O comentário abaixo e meu
-
Postado em 20/03/2016 - 21:11:41
N acredito q é o ultimo (to chorando um balde de água) n pode acaber é muito boa por favor não faça isso comigo o meu coração não aguenta. Postao próximo capítulo :-):-):-)
-
hanna_ Postado em 20/03/2016 - 01:06:00
Q lindos! Ah eu amei a Clarice e o Ck tbm <3 ...Tá acabando :(