Fanfic: Hotel de 1 Milhão de Dólares | Tema: AyA

O que a fez despertar foram os gritos. 

Anahí acordou assustada. O relógio na escrivaninha acusava seis horas da manhã. Normalmente, ela acordaria uma hora mais tarde, com o som de pássaros do seu despertador. Todavia, por alguma razão ela despertara uma hora mais cedo, com gritos e murmúrios que ecoavam do lado de fora da sua janela. 

Esse era o preço de ter escolhido um quarto no térreo. Barulho não requisitado. 

Curiosa, ela abriu a janela com cuidado e colocou a cabeça para fora, tentando localizar o motivo do alvoroço. Cabeças juntas e o início do amanhecer a impediam de ver o motivo da comoção. Palavras e frases soltas como "que horror", "mas ele era tão jovem" a fizeram acreditar que alguém havia morrido. As pessoas nunca eram condescenentes se não envolvesse morte ou arrependimento. 

Ela chegou a imaginar que seria mais um dos drogados da região, mas afastou o pensamento. Drogados morriam ali todos os dias e ninguém dispensava mais que um minuto de atenção a eles. Deveria ser alguém importante. Ou de uma forma diferente. 

Se afastando da janela, ela tentou voltar para a cama e dormir o tempo que lhe restava, mas era impossível. O barulho não cessava. Não lhe restava outra alternativa senão se vestir, tomar um café no bar do hotel e iniciar seu dia mais cedo. Era isso ou ficar encarando o teto. 

Anahí saiu da cama, tomou banho o melhor que podia no chuveiro de seu quarto e vestiu seu uniforme. Se olhando no espelho empoeirado do quarto, tentou desembarçar seus cabelos loiros amanteigados. Um par de olhos azuis lhe encararam enquanto ela lutava a batalha perdida contra seus nós. Praguejando, ela jurou que aquela noite ia cortar os nós do cabelo, não importasse o que acontecesse. Jogou o pente para o lado, fez um coque com o cabelo molhado e saiu para o saguão. 

O saguão, normalmente composto por um recepcionista sonolento e uma camareira desatenta, estava vazio. Anahí buscou Carlos, o recepcionista do hotel para deixar sua chave, sem sucesso. Intrigada, ela buscou por todo o recinto. O localizou na porta olhando para o lado, conversando com transeuntes curiosos. 

- Sim, sim, a polícia já foi avisada - foi o que ela ouviu dizer enquanto se aproximava.

- Carlos? - Anahí chamou. - Carlos? - ela repetiu quando ele não respondeu e ele se voltou. - Minha chave - ela estendeu a chave a guisa de desculpa, pela insistência. 

- Any, Any, perdão. - Ele respondeu. - Estou aqui tentando evitar a aglomeração de curiosos. Muita coisa aconteceu.

- O que houve? Algum drogado com sobrenome? - ela perguntou dando de ombros. 

De vez em quando filhos de pessoas famosas se drogavam e morriam naquela região. Eram os casos que causavam maiores comoção. 

- Quisera eu querida Any, quisera eu. - Carlos respondeu. - Derrick. Parece que se matou, e não foi de um jeito bonito. Se jogou do telhado do hotel.

Derrick era o morador do 407. Rapaz charmoso, mas um grande consumidor de heroína. Todos sabiam que era questão de tempo que ele morresse de overdose. Mas nunca imaginaram que ele se atiraria de uma altura de 15 andares. 

- Mesmo depois de morto ele nos dá trabalho. Tive que ligar para a polícia. Uma ambulância precisou vir recolher os... restos. 

Anahí ficou quieta. Polícia naquele lugar sempre era um péssimo sinal. Doentes sendo transferidos. Filhos menores de idade sendo devolvidos aos pais. Pessoas fazendo perguntas. 

- Eles certamente deverão falar com todos, não acha, Any? Quero dizer... um caso desses...

- Acredito que como é um suicídio, a polícia apenas fará as rotinas de praxe. Afinal, estamos nesse lugar esquecido por Deus, Carlos. Quem irá nos incomodar aqui? 

Carlos concordou. Suicídio naquele local era quase como uma benção para as áreas nobres da cidade. A polícia viria, faria o que teria de fazer e deixaria todos eles se matarem. 

Afinal, eles não eram nada. Eles não eram ninguém. Eles eram invisíveis. 

Anahí ouviu o barulho de ambulância chegando, enquanto paramédicos tentavam afastar a multidão de curiosos ao mesmo tempo que tentavam remover o corpo. Alguma alva, provavelmente Carlos, havia jogado um lençol em cima de Derrick, para que não vissem seu crânio mutilado. Uma mancha escurecia o tecido negro, indicando que apesar de já ter perecido, Derrick ainda sangrava. Curiosos tentavam dar uma espiada ou ainda, descaradamente tentavam erguer o lençol para espiarem o crânio desfigurado.

- Saiam, saiam! -gritavam os paramédicos. - Nos deixem trabalhar. Não há nada aqui. 

- "Não há nada aqui" - Carlos ironizou. - Essa é uma frase idiota. 

- A humanidade é idiota - Anahí falou, pensativa. - Veja só isso. Tratam uma morte como se fosse um espetáculo macabro. Como se já não houvessem mortes suficientes neste mundo. Ou mesmo aqui. 

- Não é a morte que chama atenção querida Any, mas a morte de quem... ou neste caso como. Miolos escorrendo, crânios desfigurados... as pessoas se atraem pela fama ou pelo horror. 

- Fama e horror. De ambas as coisas eu entendo. 

Antes que Carlos pudesse perguntar do que ela estava falando, Anahí entregou a chave em sua mão aberta e seguiu seu caminho. Enquanto ela se dirigia para seu trabalho, sirenes soavam ao fundo, indicando que a polícia finalmente chegara.