Alfonso Jones Herrera

Observei o barulho do tic tac do relógio mais uma vez antes de levantar do sofá da sala da minha mãe e começar andar de um lado para outro. Passava das nove horas da noite e continuava no hospital esperando minha mãe realizar o parto de Dulce. Tínhamos combinado de jantar juntos naquela noite, já que nas últimas semanas ela e eu mal tínhamos nos vistos, e morávamos na mesma casa.

Suspirei.

Isso fazia parte de ser filho de uma das médicas mais renomadas do mundo e que se dedicava totalmente a profissão. Quando criança lembro que ela sempre se dividia entre o hospital, meu pai, eu e...minha irmã perdida.

Parei de andar e encarei o único porta-retrato na mesa. Era uma foto minha com minha mãe na minha formatura no colégio. Segurei o porta-retrato analisando nós dois. Eu usava a típica beca de formatura, chapéu e o diploma na mão, estava sério, não sorri na foto. Já ela usava um vestido vermelho, cabelos soltos e sorria radiante para a câmera.

Éramos muito parecidos. Os mesmos olhos verdes, o nariz, a boca, o tom de pele, a mesma altura. De longe podiam ver que éramos mãe e filho. Não puxei nada para o meu pai. E esperava que minha única irmã fosse muito parecida comigo e com a nossa mãe.

Deixei o porta-retrato de volta e voltei para o sofá olhando novamente para o tic tac do relógio. A sala da minha mãe era bem decorada, com bastante espaço e muito fria. Me encolhi um pouco.

Ela amava o frio.

Tínhamos vindo ao Brasil apenas para procurar pela minha irmã, já era a segunda vez dela no país e a minha primeira, e como aconteceu no passado quando ela esteve aqui, a procura foi um fracasso total. A suposta garota, não passou de uma coincidência. O que deixou minha mãe e eu, principalmente ela, muito mal. Era assim. Todas as vezes quando achávamos que era ela e no exame de DNA mostrava o contrário.

Mas dona Elizabeth nunca perdia as esperanças de encontrar a filha mais velha dela.

Minha irmã.

Alfonso: Onde você está Alyssa? - sussurrei para o vazio da sala.

Minha mãe ia continuar procurando por ela aqui e eu que gostei tanto do país que decidi fazer minha faculdade também aqui, assim minha mãe e eu não ficaríamos longe um do outro.

Desde do divórcio dela com o meu pai, há dois anos, ela tinha se fechado um pouco. Não falava muito sobre os sentimentos dela, não saía para esfriar um pouco a cabeça com as amigas e tinha ficado ainda mais viciada no trabalho.

Eu era o único com quem ela não tinha se afastado totalmente. Sempre estávamos conversando e rindo. Mas nas últimas semanas que ficamos um pouco distante um do outro, tanto pelo trabalho dela no hospital, tanto pela minha faculdade, mesmo um pouco distantes percebi ela estranha.

Que eu obviamente pretendia saber o que ela escondia de mim nesse jantar. Claro, se ainda fôssemos jantar juntos.

Encarei mais uma vez o relógio da sala.

A porta da sala foi aberta bruscamente chamando minha atenção. Judith, secretaria da minha mãe, entrou com um envelope amarelo nas mãos deixando rapidamente na mesa.

Judith: Chegou para ela. - avisou - Acho que o jantar de vocês dois já era. - lamentou - Pela demora, acho que a paciente está dando a luz. - explicou.

Alfonso: Pelo visto..- joguei minha cabeça para trás encostando no sofá - Ainda bem, não é? Coitada da Dulce! Desde de cedo está sofrendo com dor.

Dulce estava à horas esperando ter dilatação o suficiente para a passagem da bebê. Gemia e chorava de dor deixando o noivo dela praticamente surtando ao lado dela. Minha mãe tinha ido pela vigésima vez ao quarto dela para checa-lá e pela demora, acho que foi direto para a sala de parto.

Sorri.

Gostava de Dulce.

Sempre gentil, simpática, sorridente, era muito bonita e inteligente. Minha mãe adorava ela. Desde que a conheceu o nome de Dulce saiu da boca dela por mais vezes que eu pudesse contar. Gostaria que Alyssa, minha irmã, fosse tão bonita, gentil e inteligente quanto Dulce. Me lembro bem quando todos achávamos que ela tinha morrido junto com o preferidinho da minha mãe, Igor.

Minha mãe só sabia chorar e chorar. Mal saia da cama, até achei que pudesse ficar com depressão, mas como sempre, ela se ergueu e superou. Foi bem triste para mim também. A garota tão incrível como ela ter tido um fim tão trágico, era muito triste, fiquei triste pelo Igor também.

Mas um milagre aconteceu e depois de tanta dor, eles estavam vivos. Parecia coisa de filme. Fiquei feliz e aliviado com a notícia, minha mãe brilhava de tanto alívio e...amor. Ela amava Dulce.

Era fácil amar alguém como Dulce.

Sorri.

Dulce merecia toda a felicidade do mundo. E a bebê que daqui a pouco estaria nesse mundo, era só o começo dessa felicidade.

Judith: Por isso nunca vou ter filhos. - fez careta e em seguida riu - Quer que eu compre seu jantar? Quer jantar aqui? Ou prefere ir embora? Sua mãe entenderia.

Alfonso: Vou esperar ela terminar aqui mesmo. Mas vou jantar logo. Pode pedir um lanche do Mc Donald`s? - pedi fazendo um sinal de "por favor".

Ela assentiu.

Judith: Com duas batatas fritas..? - começou a andar para fora da sala.

Alfonso: E ketchup! - sorri.

Quando ela saiu, fechei os olhos por alguns minutos. Já que o parto ia demorar, eu poderia tirar um cochilo até o meu lanche chegar. Mas dois minutos depois, a porta foi abertamente novamente e minha mãe entrou, o jaleco estava no braço e com uma mão mexia no cabelo. Pela roupa, ela ainda não tinha feito nenhum parto.

Alfonso: Nada...?

Ela riu.

Elizabeth: Ainda falta muito. Christopher está surtando com todo mundo. - deixou o jaleco no sofá e ergueu as mangas da camisa social - Dulce optou por essa parto, então, terá que aguentar por mais algumas horas. Mas está tudo bem com a mãe e a filha. - sorriu.

Alfonso: Por quê demorou tanto?

Elizabeth: Fui checar outra paciente que tinha chegado. Essa irá demorar ainda mais. - suspirou. - Desculpe querido. - tocou no meu rosto - Prometi jantar com você, mas..

Alfonso: Relaxa mãe! Dezoito anos que convivo com uma médica. - pisquei.

Elizabeth: Cheguei na hora que Judith estava pedindo seu lanche. Ela pediu pra mim também. - acariciou meu rosto e beijou minha testa antes de de afastar.

Alfonso: Não é a primeira vez que vamos jantar na sua sala. - sorri.

Ela caminhou até a cadeira dela e sentou mexendo nos papéis na mesa. Seus olhos voaram para o envelope amarelo e ela ficou sem expressão.

Alfonso: Tudo bem, mãe?

Ela assentiu devagar.

Elizabeth: Sim. - forçou um sorriso.

Alfonso: Ultimamente você tem agido bem estranha. Por quê? - fui direto. - Por acaso, conheceu alguém? está namorando..?

Ela me encarou perplexa.

Elizabeth: O quê?

Alfonso: Olha, faz dois anos que está na pista e tudo bem querer namorar. Mas antes eu quero conhecer o cara, ok? Se ele não estiver á sua altura, pode esquecer dele e arrumar outro.

Minha mãe além de mim e o hospital, não tinha mais nada. Eu queria ve-lá feliz e que recomeçasse sua vida por inteiro, que pudesse ser feliz no amor. Mas antes eu tinha que aprovar o cara, é claro.

Elizabeth: C..omo? - piscou confusa e balançou a cabeça - Poncho! Não é nada disso! Meu Deus! - riu baixinho.

Alfonso: Então, o quê é? - cruzei os braços.

Ela me encarou agora com semblante sério.

Elizabeth: Filho, eu descobri à uns meses uma coisa que têm mexido com a minha cabeça. Demorei para procurar e investigar por...medo. - balançou a cabeça nervosa - Eu..eu..- respirou fundo - Há vinte e um anos, venho procurando pela sua irmã e só tenho fracassado, mas hoje, acho que...não tenho certeza, mas acho que posso te-lá encontrado. - engoliu em seco com os olhos brilhando.

Alfonso: Como assim..? - levantei indo me sentar na cadeira de frente para ela na mesa - Ramón conseguiu outra pista? - perguntei ansioso.

Ramón era o detetive que minha mãe tinha contratado para procurar por minha irmã pelo mundo. Ele estava trabalhando com ela à mais de dez anos.

Elizabeth: Eu que pedi para investigar essa moça. - explicou - E hoje, tudo que ele descobriu está aqui. - indicou o envelope amarelo.

Alfonso: Então abre logo e ver se pode ser Alyssa mãe. - falei já tocando no envelope para abri-lo, mas minha mãe tocou na minha mãe.

Elizabeth: Filho, ela...eu a conheço, você a conhece. - sua mão tremia por cima da minha, por isso, a segurei.

Alfonso: Eu a conheço? Quem pode ser minha irmã? - apertei sua mão.

Elizabeth: Dulce! - respondeu baixo, quase em sussurro.

Arregalei os olhos.

Alfonso: O quê? Como assim? A Dulce? A que está num dos quartos daqui agora? - perguntei tudo rápido.

Elizabeth: Ela mesma. - deu um pequeno sorriso.

Alfonso: O quê a faz pensar que ela pode ser a nossa Alyssa?

Elizabeth: Ela é rh-nulo, não tem sobrenome de ambos os pais, não os conhece, não fala nada deles e eu..eu..- gaguejou - Eu amo aquela menina desde da primeira vez que a vi. Temos uma ligação que não conseguimos explicar e caramba, a vejo como uma filha e se ela realmente for minha filha? Se for nossa Alyssa? - seus olhos encheram de lágrimas.

Alfonso: Mãe, mas isso de acontecer é surreal. - murmurei.

Dulce minha irmã?

A Dulce? A garota ou melhor, a mulher que eu adorava minha irmã?

Elizabeth: Eu sei. Passar meses procurando minha filha, sendo que ela pode está todo esse tempo ao meu lado. - levou as duas mãos até o rosto começando a chorar - Algo me diz que é ela filho. Ela é Alyssa!

Alfonso: Mãe, não sabemos se Alyssa é rh-nulo como o pai dela. - alertei.

Elizabeth: E quantas pessoas rh-nulo você encontrou na sua vida, Alfonso? Só fui descobrir que o pai de Alyssa era dourado quando ela já não estava mas comigo. Dulce é dourado. Eu amo ela. Temos uma ligação. Ela não conhece os pais. Não pode ser tudo coincidência como as outras meninas. - balançou a cabeça.

Alfonso: Se desconfia disso à bastante tempo, por que não fez logo um exame de DNA? Por quê não investigou antes?

Elizabeth: Medo. - me encarou chorando - Ao mesmo tempo que estou confiante, estou apavorada que não seja ela. Eu a amo Alfonso. A amo. - fechou os olhos sofrendo de dor e tristeza.

Levantei indo abraça-lá bem apertado.

Esperei que se acalmasse. Minha mãe chorava no meu ombro. Ver minha mãe sofrer todos esses anos, não é uma coisa na qual consigo esquecer. Essa dor a acompanhava a todo o momento de sua vida, ela nunca foi feliz por completo, sem minha irmã. Não cheguei a conhecer o meu avô, morreu antes de eu nascer, mas eu odiava de uma maneira absurda. Como ele pôde fazer desaparecer a própria neta? Sangue do sangue dele? Ele era um monstro! Nunca se arrependeu pelo que fez.

E esperava que estivesse ardendo no inferno por tanto sofrimento que causou a minha mãe e talvez a própria Alyssa.

Alfonso: Está mais calma? - perguntei minutos depois.

Ela assentiu limpando o rosto.

Elizabeth: Sim querido.

Alfonso: Vamos abrir o envelope? Independente do que esteja dentro dele, devemos fazer um exame de DNA logo.

Elizabeth: Eu não sei..- sussurrou com os olhos fechados - E se não for ela? Agora temos apenas suspeitas, o que me deixa com esperança, mas se descobrimos a verdade e não for como esperamos? Já aconteceu antes. As vezes a incerteza é uma bênção filho.

Alfonso: Mas a incerteza trás mais sofrimento também. Mãe, se ela for realmente Alyssa..você está ajudando trazer ao mundo sua neta. Minha sobrinha. - sorri feliz com a hipótese - Meu Deus! A sua neta pode nascer daqui algumas horas através da sua ajuda.

Era muito surreal.

Dulce poderia ser minha irmã e minha sobrinha estava prestes a nascer.

Meu Deus!

Ri.

Elizabeth: Tem sido muito difícil fingir na frente dela que pode ser minha filha. - balançou a cabeça - Não quero falar sem ter absoluta certeza. Na verdade, eu queria saber antes do resultado para poder falar. Independente qual for esse resultado.

Alfonso: Primeiro vamos abrir o envelope. - peguei o mesmo e o rasguei antes de tirar dois papéis e uma foto. Peguei uma folha revelando ser uma cópia da certidão de nascimento de Dulce e a outra folha era um cópia de um registro de adoção. - Certidão de nascimento e uma cópia de registro de adoção, aqui diz qual orfanato ela foi adotada e quais eram os pais adotivos dela. - fiz um resumo das folhas antes entrega-las.

Elizabeth: Está vendo? Ela foi adotada, era órfã. - falou olhando o registro - Tinha apenas seis meses quando foi adotada. - leu mais um pouco - Esse orfanato das freiras não existe mais à muito tempo. - leu toda a página antes de virar e perceber que tinha mais coisas - Aiii meu Deus! Ela foi devolvida para o orfanato pelos pais adotivos. - levou uma mão até o coração - O motivo era que tinham se arrependido. - balançou a cabeça - A mulher que a adotou engravidou e não quis mais outra criança que não fosse o próprio filho...

Alfonso: Quem adota uma criança e a abandona como se fosse um animal? - falei com raiva - Cretinos! - bufei.

Elizabeth: Ramón só conseguiu isso. - me encarou.

Olhei para a foto em minhas mãos. Era Dulce bebê. Deveria ter oito meses. Era fofa, gordinha e risonha.

Alfonso: Ela é linda desde de sempre. - entreguei a foto para minha mão.

Elizabeth: Aí meu Deus! - sussurrou com voz embargada olhando a foto - Minha filha, ela pode ser minha Alyssa. - abraçou a foto fechando os olhos chorando. - Minha filha. Minha Alyssa.

Alfonso: É melhor fazer logo esse exame de DNA mãe. Acabar logo com isso.

Elizabeth: Não quero falar Alfonso, nem sei se ela gostaria de saber que...posso ser a mãe dela. - balançou a cabeça.

Alfonso: Mãe, a Dulce te adora. Tenho certeza que ficará contente em saber que pode ser sua filha. Minha irmã. Mas se não quer que ela saiba, então, faça o exame escondido. É a médica dela, Dulce não irá suspeitar de nada.

Minha mãe assentiu.

Elizabeth: Vou fazer isso. Eu tinha as amostras do exame de sangue dela quando fazia o pré-natal, não fiz por medo, mas agora vou fazer com medo mesmo. - olhou a foto - Ela realmente pode ser Alyssa. - sorriu.

Toquei em seu ombro.

Alfonso: Faça além de sangue, do cabelo e da saliva. Só para não haver erros.

Elizabeth: Sim. Vou dar um jeito de coletar sem que ela perceba.

Sorri.

Dulce minha irmã!

Incrível!

Baby Vondy demorando para nascer deixando a mãe louca de dor. Tadinha!

Quem gostou do soco que Christopher deu no Igor? Kkkkkkkk Será que irá nascer uma amizade depois disso? 

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