Fanfic: A Mediadora-A Terra das Sombras.-Vondy-
Jantar na casa dos Savinon era igualzinho a jantar em qualquer outra casa de família grande que eu co¬nhecia: todo mundo falava ao mesmo tempo - menos, claro, Poncho, que só falava quando alguém lhe pergunta¬va alguma coisa - e ninguém queria tirar a mesa no fim. Programei meu cérebro para telefonar no dia seguinte para a Angel e dizer que ela estava errada. Eu não conseguia ver qual era a vantagem de ter irmãos: eles comiam com a boca aberta e acabavam com todos os croquetes antes que eu conseguisse chegar perto de um único.
Depois do jantar, resolvi que seria melhor não voltar para o quarto e deixar bastante tempo para o Ucker decidir se ia cair fora com ou sem os dentes. Não sou muito fã de violência, mas infelizmente é um dos ossos do ofício no meu caso. Às vezes a única maneira de fazer alguém ouvir é com os punhos. Reconheço que não é uma técnica recomendada pelos manuais usados pela maioria dos terapeutas para fazer seus diagnósticos.
Mas eu nunca disse mesmo que era uma terapeuta...
Meu plano só tinha um problema: era noite de sábado. Com todo o estresse da mudança, eu tinha esquecido que dia era. Numa noite de sábado comum em Nova York, eu provavelmente teria saído com a Angel, tomado o metrô para Greenwich Village para ir ao cinema ou simplesmente ficado ali pela Joe`s Pizza vendo gente passar. Posso ser uma garota de cidade grande, mas isto não quer dizer que a mi¬nha vida lá fosse cheia de glamour. Eu nunca fui convida¬da para sair com um garoto, fora aquele dia na quinta série em que o Daniel Bogue me chamou para patinar no gelo com ele enquanto tocava uma música só para casais no ringue do Rockefeller Center.
E aí eu morri de vergonha ao cair de cara no gelo.
Mas a minha mãe não podia esperar a hora em que eu adentraria a vida social de Carmel. Mal havia enchido o lava-louças, e ela começou:
- Cristian, o que você vai fazer hoje à noite? Tem alguma festa ou coisa assim? Quem sabe você levava a Suze e a apre¬sentava às pessoas?
Cristian, que estava preparando um shake de proteínas - aparentemente, as duas dúzias de camarões gigantes e o bife cavalar que ele comera no jantar não eram suficien¬tes - respondeu:
- É mesmo, quem sabe, se o Poncho não fosse trabalhar hoje à noite...
Ouvindo seu nome, Poncho se sacudiu, enfiou a cara no relógio, soltou uma praga, pegou a jaqueta e foi saindo. Mestre olhou para o relógio e fez um "tsc,tsc":
- Atrasado de novo. Se não tomar cuidado, vai ser pos¬to na rua.
Mas o Poncho tinha um emprego? Era novidade para mim, e eu perguntei:
-Onde ele trabalha?
-Na Península Pizza.
Mestre estava fazendo alguma experiência esdrúxula com o cachorro e a bicicleta ergométrica da minha mãe. O ca¬chorro, que era gigantesco - um cruzamento de São Bernardo e urso, acho eu - estava pacientemente sentado no chão enquanto Mestre prendia eletrodos em pequenas clareiras que havia aberto em sua pele, raspando o pêlo. O mais es¬tranho de tudo é que ninguém parecia estar ligando, muito menos o cachorro.
- O Poncho está trabalhando em uma pizzaria?
Da cozinha, areando uma forma de bolo na pia, o Juan explicou:
-Ele faz as entregas. Volta para casa com um monte de gorjetas.
-Ele está economizando para comprar um Camaro - infor¬mou Cristian, com um grosso bigode branco de shake.
-Ah... - disse eu.
-Se quiserem que eu os deixe em algum lugar, terei o maior prazer - ofereceu-se Juan, generosamente. - E então, Cristian? Vai mostrar à Dulce como andam as coisas no shopping?
- Negativo - respondeu Cristian, limpando a boca com a manga do pulôver. - O pessoal ainda não voltou do feriado em Tahoe. Talvez na semana que vem.
Eu quase desmaiei de alívio. A palavra shopping invaria¬velmente me enchia de horror, horror que não tinha nada a ver com os "desmortos". Em Nova York não existem shoppings como os daqui, mas a Anegl adorava pegar o trem para ir a Nova Jersey. Geralmente depois de uma hora eu ficava com os sentidos completamente transtornados e tinha de me sentar para tomar um chazinho de ervas até me acalmar.
E eu tenho de reconhecer que também não estava pro¬priamente encantada com a idéia de alguém me "deixar" em algum lugar. Minha nossa, que havia de errado com aquele lugar? Dava para entender perfeitamente por que não seria uma grande idéia implantar o metrô, consideran¬do-se as falhas geológicas que provocavam terremotos, mas por que não tinham criado um sistema decente de trans¬porte urbano em ônibus?
- Eu sei - disse Cris, largando seu copo vazio. - Vou pôr uns jogos de Coolboarder para você, Dulce.
Eu fiquei olhando para ele:
-Você o quê?
-Vou jogar Coolboarder com você - repetiu Cris, logo perguntando, diante da minha expressão, que continuava igualmente espantada: - Nunca ouviu falar de Coolboarder? Ah, fala sério...
Levou-me então até a televisão. E logo ficou claro que Coolboarder era um videogame. Cada jogador tinha uma prancha de deslizar na neve, e ficavam todos correndo uns atrás dos outros em montanhas nevadas, usando uma ala¬vanca para controlar a velocidade das pranchas e fazer os movimentos mais incríveis.
Ganhei oito vezes do Cris, até que finalmente ele disse:
- Chega disto, vamos ver um filme.
Percebendo que devia ter cometido um erro - provavel¬mente devia ter deixado o pobre garoto vencer pelo menos uma vez -, eu tentei melhorar a situação oferecendo-me para fazer a pipoca, e fui para a cozinha.
Só então é que me veio aquela onda de cansaço. A defasagem entre Nova York e a Califórnia é de três horas, e em¬bora ainda fossem 9 horas da noite, eu já me sentia como se fosse meia-noite. Juan e mamãe já se haviam retirado para o grande quarto principal, mas deixaram a porta bem aberta, provavelmente para ninguém pensar que estivessem fazendo algo errado. Juan estava lendo um romance de es¬pionagem e mamãe estava vendo um filme de televisão.
Autor(a): tatalsrv
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Eu tinha certeza de que aquilo era pura encenação para a criançada; na maioria das outras noites de sábado apos¬to que eles teriam fechado a porta, ou pelo menos teriam saído com os amigos de Juan ou os novos colegas de mamãe na estação de TV de Monterey onde tinha sido contratada. Era evidente que eles estavam tent ...
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Comentários da Fanfic 554
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