Fanfic: A Mediadora-A Terra das Sombras.-Vondy-
Ele não precisou esperar muito. Para dizer a
verdade, foi logo depois do almoço que
ela veio atrás dele. Não que ele
percebesse, claro. Fui eu que imediatamente a vi no meio da multidão, quando
todo mundo começou a se encaminhar para os armários. Os fantasmas exalam uma
luminosidade que os diferencia dos vivos - felizmente, pois caso contrário muitas
vezes eu nem saberia a diferença.
Seja como for, lá estava ela fulminando-o com olhares
de ódio. Sem saber que ela estava ali, as pessoas simplesmente passavam
através dela. Eu até que os invejava. Preferia que os fantasmas fossem
invisíveis para mim, como são para todo mundo. Sei que se fosse assim eu não
teria desfrutado da companhia do meu pai durante esses últimos anos, mas
também não estaria ali agora sabendo que a Heather estava para fazer algo
terrível.
Não que eu soubesse o que ela estava pretendendo fazer
com ele. Os fantasmas podem ser bem mauzinhos quando querem. Aquele lance do Ucker
com o espelho não era nada. Já houve casos de me atirarem objetos com tanta
força que, se eu não tivesse me abaixado, também estaria hoje no mundo dos espíritos.
Já sofri concussões e ossos quebrados não sei quantas vezes. Minha mãe acha que
eu atraio acidentes. É isso aí, mãe. Isso mesmo. Quebrei o pulso caindo da escada.
E caí da escada porque o fantasma de um conquistador espanhol de trezentos anos
me empurrou.
Mas bastou eu ver a Heather para entender que ela estava
com intenções nada boas. E eu não chegara a esta conclusão baseada no nosso
encontro prévio. Não, senhor. Apenas acompanhei o olhar da falecida e vi que
não era exatamente para Bryce que ela estava olhando. O que atraíra sua atenção
fora um dos caibros da parte da galeria por onde o Bryce estava passando. E
dali onde estava, eu vi que a madeira estava começando a tremer. Mas não em
toda a extensão da galeria, claro que não. Era só uma peça que estava tremendo,
daquelas bem pesadas. Exatamente a peça que se encontrava acima da cabeça do
Bryce.
Eu agi sem pensar. Joguei-me contra o Bryce com toda
força e ambos voamos juntos. O que veio exatamente a calhar. Pois ainda
estávamos rolando no chão quando eu ouvi uma enorme explosão. Abaixei a cabeça
para proteger os olhos, de modo que não pude ver quando a peça de madeira
explodiu. Mas ouvi. E também senti. As lascas de madeira doeram à beça. Ainda
bem que eu estava usando calças de lã.
O Bryce estava tão quietinho debaixo de mim que eu
pensei que um pedaço mais pesado da madeira podia tê-lo atingido entre os lobos
frontais ou algo assim. Mas quando afastei meu rosto do seu peito eu vi que
ele estava bem - estava apenas de olho grudado, aterrorizado, na tábua de mais
de 25 centímetros
de largura e quase 70
centímetros de comprimento que viera aterrissar a poucos
metros de nós dois. Por toda parte ao nosso redor estavam espalhados pedaços
de madeira. Provavelmente o Bryce estava se dando conta de que, se aquela
prancha tivesse atingido seu crânio, também haveria agora pedacinhos de Bryce
espalhados por ali.
- Dá licença, dá licença - disse a voz assustada do
padre Dominic, que logo vi abrindo caminho pela multidão apavorada que se
juntava ali. Ele ficou congelado quando viu aquele pedação de madeira, mas ao
dar com Bryce e comigo voltou à ação: - Deus do céu! - exclamou, acorrendo a
nós. - Vocês estão bem, crianças? Dulce, você se feriu? Bryce?
Lentamente eu fui me sentando. Eu já tinha me acostumado
a me apalpar para ver se algum osso estava quebrado, e acabei descobrindo, ao
longo dos anos, que quanto mais lentamente a gente se reerguer, mais chances
terá de descobrir o que está quebrado, e menos chances de apoiar o peso do
corpo nessas partes.
Mas daquela vez nada parecia estar quebrado. Fiquei então
de pé.
- Deus de misericórdia! - dizia o padre Dom. - Têm
certeza de que estão bem?
-Estou bem - disse eu, me sacudindo toda. Estava toda coberta
de pedacinhos de madeira, por cima da minha melhor jaqueta Donna Karan. Olhei
em volta para ver se via a Heather: pode crer que se a tivesse visto ali
naquela hora eu a teria matado, realmente teria... só que ela já estava morta,
claro. Mas ela já tinha ido embora.
-Meu Deus! -
exclamou Bryce, aproximando-se de mim. Ele não parecia estar ferido, só um
tanto abalado. Na verdade seria difícil ferir um grandalhão como ele, com seu
metro e 80 de altura e aqueles ombros largos, um verdadeiro Baldwin.
E era comigo que ele estava falando. Comigo! - Caramba,
você está bem? - quis saber. - Obrigado. Meu Deus! Acho que você salvou a minha
vida.
-Ora, não foi nada - disse eu, e não resisti a esticar
a mão e pinçar uma farpa de madeira do seu suéter. Caxemira. Exatamente como eu
imaginara.
-O que está acontecendo aqui?
Um sujeito alto metido num monte de túnicas e com uma
calota vermelha na cabeça abria caminho na multidão. Quando viu aquela madeira
toda no chão e olhou para cima para avaliar o buraco que fora aberto, ele se
virou para o padre Dom e disse:
- Viu? Está vendo, Dominic? É nisto que dá permitir
que os seus lindos passarinhos façam ninhos onde bem entendem! O sr. Savinon
nos avisou que isto podia acontecer,- e agora veja só! Ele tinha razão! Alguém
podia ter morrido!
Só podia mesmo ser monsenhor Constantine.
-Sinto muito, monsenhor, sinto muito mesmo - disse
padre Dom. - Não sei como uma coisa dessas foi acontecer. Graças a Deus
ninguém ficou ferido - e, voltando-se para Bryce e para mim: - Vocês dois estão
bem mesmo? Parece-me que a senhorita Savinon está meio pálida. Vou levá-la para
ver a enfermeira, se não se importa, Dulce. E vocês, crianças, voltem todas
para a sala de aula. Todos estão bem. Foi apenas um acidente. Agora vão indo.
Incrivelmente, todo mundo obedeceu. Padre Dominic era
assim mesmo. De uma maneira ou de outra, você acabava fazendo o que ele dizia.
Felizmente ele usava seus poderes para o bem, e não para o mal!
Gostaria de poder dizer o mesmo sobre o monsenhor. Lá
estava ele de pé no corredor, que de repente ficara vazio, contemplando o
enorme pedaço de madeira. Qualquer um poderia dizer só de olhar que ele não
tinha nada de podre. Claro que a madeira não era nova, mas estava perfeitamente
seca.
- Vou mandar tirar daí esses ninhos, Dominic - disse monsenhor,
asperamente. - Todos eles. Nós simplesmente não podemos correr este tipo de
risco. E se um turista estivesse em pé aqui? E Deus nos livre, o arcebispo!...
O arcebispo estará aqui no mês que vem, como você sabe. E se o arcebispo
Rivera estivesse bem aqui e esta viga caísse? E então, Dominic?
As freiras que haviam acorrido, ouvindo todo aquele
fuzuê, lançavam olhares de tamanha reprovação para o pobre padre Dominic que
eu quase disse alguma coisa. Cheguei até a abrir a boca, mas o padre Dom
apertou mais o meu braço e começou a caminhar comigo para longe dali.
-Naturalmente - concordou. - Tem toda razão. Vou mandar
o pessoal da manutenção cuidar disso imediatamente, monsenhor. Imagine se o
arcebispo fosse ferido!... Nem pensar.
-Meu Deus, quanta besteira! - desabafei, assim que nos
vimos dentro do gabinete do diretor, com a porta fechada. - Ele só pode estar
brincando, pensar que um casal de passarinhos podia fazer tudo aquilo.
Padre Dominic tinha atravessado todo o gabinete direto
para um armário onde se encontravam alguns troféus e placas - prêmios de
magistério, como eu viria a descobrir. Antes de ser removido pela diocese para
um cargo administrativo, padre Dominic havia sido um professor de biologia
muito popular e estimado. Ele estendeu o braço por trás de um dos troféus e
apanhou um maço de cigarros.
Autor(a): tatalsrv
Este autor(a) escreve mais 9 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
-Receio que talvez seja um pouco sacrílego, Dulce, dizer que um monsenhor da Igreja católica pensa besteiras - disse ele, de olhos baixos sobre o maço vermelho e branco. -Ainda bem então que eu não sou católica - disse eu. - E pode ficar à vontade para fumar se quiser. Não vou dizer a ninguém. Ele c ...
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