Fanfics Brasil - A Mediadora-A Terra das Sombras.-Vondy-

Fanfic: A Mediadora-A Terra das Sombras.-Vondy-


Capítulo: 23? Capítulo

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-Receio que talvez seja um pouco sacrílego, Dulce, dizer
que um monsenhor da Igreja católica pensa bestei­ras - disse ele, de olhos
baixos sobre o maço vermelho e branco.


-Ainda bem então que eu não sou católica - disse eu. -
E pode ficar à vontade para fumar se quiser. Não vou dizer a ninguém.


Ele continuou contemplando o maço de cigarros sonha­doramente
por mais um minuto, deu um suspiro profun­do e voltou a guardá-lo onde estava.


- Não, muito obrigado, mas é melhor não - concluiu.


Minha nossa! Devia ser mesmo uma grande vantagem eu
nunca ter me viciado com essa história de cigarro. Achei melhor mudar de
assunto e então me debrucei para dar uma olhada nos troféus.


-1964 - disse. - O senhor já está aqui há um certo tempo...


-Estou mesmo - reconheceu padre Dom, sentando-se em
sua escrivaninha. - Mas, Santo Deus, Dulce, o que exatamente que aconteceu lá?


-Ora - dei de ombros -, foi só a Heather. Acho que ago­ra
já sabemos por que ela ainda está rondando por aí. Quer matar o Bryce
Martinson.


Padre Dominic sacudiu a cabeça:


-Mas isto é terrível! Terrível mesmo. Eu nunca vi tan­ta...
tanta violência partindo de um espírito. Nunca, em to­dos estes anos como
mediador.


-É mesmo? - fiz eu, olhando pela janela. O gabinete do
diretor não dava para o mar, mas para as colinas onde eu morava. - Olha só -
prossegui. - Daqui se pode ver a mi­nha casa!


-E era uma moça tão boa - continuou ele. - Nunca
tivemos qualquer problema disciplinar com Heather Chambers em todos os anos que
ela passou na Academia da Missão. Por que estaria sentindo tanto ódio de um
rapaz que dizia amar?


Eu olhei para ele de lado:


- O senhor está brincando comigo?


- Não, tudo bem, eu sei que eles tinham acabado o namoro...
Mas emoções tão violentas... essa fúria assassina a que ela se entregou... É
tão inusitado...


Eu balancei a cabeça.


- Olha, eu sei que o senhor fez voto de castidade e
tudo isso, mas o senhor nunca se apaixonou? Não sabe como é? Aquele cara passou
ela para trás. Ela achava que eles iam se casar. Sei que parece bobagem, ainda
mais que ela só tinha - quantos anos mesmo? Dezesseis? Ainda assim, ele sim­plesmente
botou ela no chinelo. Se isso não é suficiente para levar uma garota a um
acesso de fúria assassina...


Ele me olhava pensativo.


-Você parece estar falando por experiência própria.


-Quem, eu? Absolutamente. Isto é, já gostei de uns ca­ras
e tal, mas não posso dizer que algum deles tenha cor­respondido - o que lamento
muito. Ainda assim, posso ima­ginar como a Heather deve ter-se sentido quando
ele acabou com ela.


-Com vontade de se matar, suponho - disse padre Dominic.


-Exatamente. Mas se matar acabou não sendo suficiente.
Ela não vai ficar satisfeita enquanto não o levar com ela.


-Isto é terrível - disse padre Dominic. - Realmente
ter­rível. Eu conversei com ela até acabar a saliva, mas ela não ouve. E agora,
no primeiro dia de aula, acontece isso. Vou ter que recomendar que esse rapaz
fique em casa até que tudo seja resolvido.


Eu achei graça:


-E como é que o senhor vai fazer isso? Vai dizer a ele
que sua namorada morta está tentando matá-lo? Aposto que monsenhor adoraria...


-Em absoluto - respondeu padre Dom, abrindo uma gaveta
e começando a remexer nela. - Com um mínimo de engenhosidade, podemos conseguir
uma boa semana ou duas para ele em casa...


-Mas o que é isto?! - exclamei, lívida. - O senhor vai
envenená-lo? Pensei que o senhor fosse um padre! Esse tipo de coisa não é
proibido?


-Envenenar? Não, não, Dulce. Vou infestá-lo com lêndeas.
A enfermeira examina a cabeça dos alunos uma vez por semestre em busca de piolhos.
Apenas vou dar um jeito para que o jovem sr. Martinson apresente um caso bem adiantado
de infestação...


-Oh meu Deus! - berrei. - Que horror! O senhor não pode
encher a cabeça dele de piolhos!


Padre Dominic levantou os olhos da gaveta.


-E por que não? Servirá perfeitamente para o que pre­cisamos.
Mantê-lo longe do perigo por tempo suficiente para que você e eu possamos
convencer a srta. Chambers e...


-O senhor não pode encher a cabeça dele de piolhos! - repeti,
talvez com mais veemência que necessário. Nem sei por que eu estava tão contra
a idéia, só que... bem, ele tinha um cabelo tão bonito. Eu tinha dado uma
sacada legal quan­do estávamos lá jogados no chão juntos. Era um cabelo macio e
encaracolado, o tipo de cabelo bom para ficar passando os dedos. A simples
idéia de insetos rastejando por ali embrulhava meu estômago. Como era mesmo
aquela canção?...


Você me olhou nos olhos. E eu fui ficando. Passei a
mão nos seus cabelos. E um piolho mordeu meu dedo.


-Puxa vida - eu disse, sentando no tampo da escriva­ninha.
- Guarda os piolhos, tá bem? Deixa que eu cuido da Heather. O senhor disse que
está falando com ela há quanto tempo? Uma semana?


-Desde o Ano Novo - respondeu padre Dominic. - Exatamente.
Foi quando ela apareceu aqui pela primeira vez. Agora entendo que ela só estava
esperando que Bryce voltasse.


- OK. Então deixa que eu cuido disso. Talvez ela só
esteja precisando de uma conversa entre garotas.


-Não sei... - fez padre Dominic, olhando-me meio de soslaio.
- Fico achando que você tem uma certa tendência para... bem, para tentar
resolver as coisas um tanto... fisicamente. O mediador deve desempenhar um
papel não-violento, Dulce. Você deve ser alguém que ajuda os espíritos
perturbados, em vez de machucá-los.


-Alô, alô! O senhor por acaso não estava lá fora ainda
há pouquinho? Acha que eu podia simplesmente ficar ali e convencer aquela viga
a não esmagar o crânio do Bryce?


- Claro que não. Só estou querendo dizer que, se você tentasse
demonstrar um pouco de compaixão...


-Caramba! Eu tenho muita compaixão, padre. Meu coração
ficou partido com a história dessa garota, realmente ficou. Mas este aqui é o
meu colégio, entende? O meu colé­gio. Não o dela. Não é mais. Ela tomou uma
decisão e agora tem que agüentar as conseqüências. E eu não vou permitir que
ela leve o Bryce ou quem quer que seja com ela.


Padre Dominic parecia cético:


-Bem, se você está tão segura assim...


-Estou segura, sim - respondi, quase saltando por cima
da escrivaninha. - Deixe comigo, está bem?


Padre Dominic concordou, mas sem muita convicção, deu
para ver. Precisei que ele me desse um passe por escrito, para poder voltar à
sala de aula sem ser interceptada no corredor por uma das freiras. Eu estava
esperando que uma delas, uma noviça de cara murcha, acabasse de examinar o
passe, para poder passar para o corredor, quando uma por­ia lateral onde estava
escrito ENFERMARIA se abriu e lá de dentro saiu o Bryce com o seu próprio
passe.


- Ei! - não pude impedir-me de gritar. - Que
aconteceu? Ela por acaso... quer dizer, aconteceu mais alguma coisa? Você está
ferido?


Ele deu um sorriso algo tímido:


- Não. Só esta farpa desgraçada que me entrou debaixo da
unha. Estava tentando me livrar de todas aquelas farpas que se agarraram à
minha calça e uma delas entrou ali, e... ele mostrou a mão direita, com uma
enorme bandagem envolvendo o polegar.


-Eca! - fiz eu.


-É isso aí - disse ele, todo injuriado. - E ainda por
cima ela usou mercúrio cromo. Odeio esse troço.


-Cara! - disse eu. - Foi mesmo um dia de cão para
você...


-Nem tanto assim - respondeu ele, baixando o polegar. -
Pelo menos não foi tão ruim quanto teria sido se você não estivesse lá. Se não
fosse você, eu estaria morto.


Ele percebeu que eu havia saído da sala do diretor e
per­guntou:


- Algum problema?


-  Não -
respondi. - Padre Dominic só queria que eu preenchesse uns formulários. Sou
nova aqui, você sabe.


- E como a aluna nova - interrompeu a noviça com se­veridade
- deve ficar sabendo que não é permitido ficar perambulando pelos corredores. É
melhor vocês dois irem para suas salas.


Eu me desculpei e apanhei de volta o meu passe. Muito
cavalheirescamente, Bryce se ofereceu para me mostrar onde seria minha próxima
aula, e a noviça se afastou, aparente­mente satisfeita. Quando já se havia
distanciado o bastante para não poder mais ouvir o que dizíamos, Bryce disse:


-Você é a Dulce, certo? O Afonso me falou de você.
Você é a meia irmã dele que chegou de Nova York.


-Exatamente - respondi. - E você é o Bryce Martinson.


-Ah, o Afonso falou de mim?


Eu quase dei uma risada só de pensar no Poncho falan­do
alguma coisa. E expliquei:


- Não, não foi o Afonso.


Ele fez um "Oh" tão decepcionado que quase
senti pena dele.


-Aposto que as pessoas devem estar falando de mim, não?


-Um pouco - arrisquei. - Sinto muito pelo que aconte­ceu
com a sua namorada.


-Eu também, pode acreditar - disse ele, sem aparentar ter
ficado aborrecido porque eu mencionara o assunto. - Eu nem queria voltar aqui
depois... você sabe. Tentei me transferir, mas não tinha vaga. Nem a escola
pública quis me receber. É muito difícil conseguir transferência faltan­do só
um semestre. Eu não teria voltado de jeito nenhum, só que... bem, você sabe. As
faculdades só te aceitam quan­do você já concluiu o segundo grau.


Eu achei graça. - Já ouvi falar.


- Seja como for...


Bryce percebeu que eu estava segurando meu casaco. E
realmente eu o estivera carregando o dia inteiro, já que não consegui usar o
meu armário, cuja porta não se abria por ter ficado muito amassada com o
impacto do corpo astral da Heather. Então ele perguntou:


- Quer que eu leve para você?


Fiquei tão apatetada com tanta gentileza que, sem nem
pensar, fui dizendo que sim e entregando o casaco. Ele o apanhou dobrado num
dos braços e disse:


- Quer dizer então que todo mundo deve estar me cul­ pando
pelo que aconteceu... Pelo que aconteceu à Heather.


-Não creio - respondi. - No máximo, as pessoas estão culpando
a Heather pelo que aconteceu com ela.


-Sei - disse Bryce -, mas estou querendo dizer que fui
eu que a levei a isto, sabe? O problema é este. Se eu não tivesse rompido com
ela...


-Você se tem mesmo em muito alta conta, não é? Ele foi
apanhado de surpresa.


-Como?


- Bem, o fato de você deduzir que ela se matou porque você
rompeu com ela... Não acho que ela tenha se matado por isto. Ela se matou
porque estava doente. E você não tinha nada a ver com o fato de ela estar
assim. O fato de você ter terminado com ela pode ter sido a gota d`água para o
colapso final, mas podia perfeitamente ter sido outro o motivo - o divórcio dos
pais dela, o fato de ela não ter sido escolhida chefe da torcida, a morte do
gato... Qualquer coisa. Portanto, tente não ser tão duro consigo mesmo.


 



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Autor(a): tatalsrv

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