Fanfic: A Sereia(adaptada) | Tema: Vondy
Pensei por um instante.
— Respondo primeiro, se você quiser. Eu adoro o cheiro de grama recém- cortada. — Levantei os dois polegares para ele pela boa escolha. — Ouvi dizer que o cheiro é na verdade uma tentativa de a grama avisar que está em apuros, o que me deixa um pouco triste, mas continua sendo muito bom.
Peguei o papel. E o que isso diz sobre você? Gosta do ar livre? Anseia por liberdade? Corta grama de bom grado?
Ele riu.
— Todas as anteriores. E você?
Passei para a próxima página do bloco. Só quando comecei a escrever me dei conta de que aquela lembrança tinha permanecido comigo. Foi como um presente especial depois de tanto tempo.
Flores. Não importa quais flores. Minha mãe gostava de ter flores frescas em casa.
— Nenhuma específica? Qualquer flor mesmo?
Fiz que sim.
O sorriso de Christopher se desfez quando ele leu a página pela segunda vez.
— Espera aí. “Gostava”? Ela não gosta mais?
Fechei os olhos, consciente do meu deslize. Não tinha a intenção de que ele soubesse daquilo.
— Sua mãe faleceu?
Baixei a cabeça para não cair na tentação de mentir e fiz que sim.
— E seu pai?
Fiz que sim novamente.
— Como? — ele sussurrou, quase como se tivesse medo de perguntar.
Me senti entorpecida ao lembrar do tapete e da minha mãe se olhando no espelho enquanto o navio virava.
Afogados.
Eu preferia pensar naquilo como um acidente, embora imagens do assassinato pelas mãos da Água ou do suicídio dos dois fossem as primeiras a me saltar na memória.
Ele deixou escapar uma espécie de suspiro, quase uma risada.
— Que loucura.
Houve uma longa pausa.
Ele permaneceu sentado, olhando para tudo na sala, menos para mim.
— Umas semanas depois de você ir embora, recebi uma ligação da minha mãe. O que, como você sabe, não era surpresa, já que ela telefonava todo dia. Mas logo que ela disse “alô” percebi que alguma coisa não estava bem. — Ele fez uma pausa, engoliu em seco e começou a brincar com um fio solto do sofá. — Ela estava com câncer. Era bem grave, e eu quis voltar para casa na hora. Eles queriam que eu terminasse o ano, então chegamos a um meio-termo e voltei para as festas de fim de ano. Depois do Ano-Novo, meu pai insistiu para eu voltar para a faculdade. Eu não tinha muita certeza se conseguiria, por medo do que podia acontecer com a minha mãe. Não queria deixar meu pai sozinho, sabe?
Ele levantou o olhar para mim e eu acenei de leve com a cabeça. Eu sabia. Eu sabia como era ficar.
— Era para eu ter estado com eles — Christopher disse. Foi a única frase que conseguiu pronunciar antes de desviar o olhar de novo. — Minha mãe tinha uma consulta médica e meu pai ia levá-la. Era para eu ter ido também, mas minha mãe… Nunca vou esquecer. Ela me pediu para ficar. Toda vez que eu tentava discutir o assunto, ela insistia para eu ficar. Às vezes me pergunto se ela pressentia.
Ele encarou o nada, atormentado.
— Estava chovendo — ele continuou. — Às vezes as ruas aqui alagam quando a chuva é forte. A polícia não sabe ao certo se meu pai viu um alce ou se passou num buraco, mas ele bateu de frente com uma árvore.
Levei a mão à boca. Meus olhos marejavam.
— Estava me preparando para perder minha mãe, mas os dois de uma só vez… Não estava pronto pra isso.
Avancei um pouco pelo sofá e sentei mais perto dele.
Eu também deveria ter estado com os meus pais, escrevi.
Ele franziu a testa.
— Você quase se afogou?
Fiz que sim.
Ele soltou um suspiro.
— Parece que quase se afogou de novo esta noite. — Ele secou uma lágrima no canto do meu olho. — Parece que a água não é sua amiga.
Tentei controlar minha expressão. Não queria revelar que a Água era muito mais do que isso e ao mesmo tempo muito menos. Estávamos entrando num terreno perigoso, no qual eu não poderia guardar meus segredos. E Christopher parecia incrivelmente cansado. Me senti culpada por mantê-lo acordado. Assim, apontei para o relógio, para mim e para o quarto, e o liberei.
— É, você deve estar certa — ele disse, apesar de estar tão hesitante quanto eu com a separação.
Atravessei a sala até o quarto de hóspedes e ouvi Christopher levantar quando cheguei à porta.
— Você vai ficar bem sozinha? Posso sentar lá com você se você quiser. Sei que a noite foi louca.
Ele tirou o cabelo do rosto e olhei bem para os seus lindos olhos azuis. Já tinha sido bem difícil me convencer a parar de gostar dele seis meses antes. Mas naquele momento, vendo Christopher de um jeito tão familiar, tão à vontade, tão humano… era quase impossível pensar em sair pela porta no dia seguinte.
Mas, claro, eu teria que fazer isso. E, cedo ou tarde, teria que voltar à Água. Ainda devia dezenove anos a Ela. Quem Christopher seria em dezenove anos? Um marido? Um pai? E o que eu seria? Uma adolescente que passara o último século matando e fugindo, mas que acabara sem dinheiro, sem nome e sem propósito?
Fiz o sinal de “não” e foi um alívio ver que uma palavra entre nós não precisava de tradução.
— O.k. Bom, vou estar por aqui se você precisar.
Fiz que sim com a cabeça.
— E, olha… — ele emendou rápido, com as mãos nos bolsos da calça de moletom. — Apesar das circunstâncias estranhas, é bom te ver de novo.
Sorrindo, dei meia-volta e entrei no quarto.
Sem as piadas e os risos de Christopher para me distrair, pude mais uma vez ouvir a Água me chamar de volta. Eu estava a algumas centenas de metros do mar. Mesmo assim, era longe demais para Ela me encontrar.
— Onde você está? Suas irmãs estão preocupadas. Volte, Dulce. Volte.
Deitei na cama, escutando-A chamar e chamar. O tom ansioso transmitia a imagem de que Ela estava andando de um lado para o outro agitando as mãos, como uma mãe que perdera o filho na multidão.
Bom, talvez Ela passasse a compreender como os amigos e parentes das pessoas que devorara ao longo dos anos se sentiram. Além disso, Ela era muito dramática. Para onde eu poderia ir? Eu não era nem capaz de morrer sem a ajuda dEla.
— Volte. Onde você está? Por que não responde?
A insistência dEla não tinha fim. Claro que eu voltaria. O que mais poderia fazer?
Ouvi a porta do quarto de hóspedes ranger. Fingi estar dormindo, na esperança de conseguir me passar por uma pessoa normal por mais algumas horas.
Senti uma mão cálida tocar minha testa. E depois minha bochecha. Mantive o teatro, apesar de o toque dele me deixar mais do que desperta.
— De que lugar do mundo você saiu, menina linda e silenciosa? — Christopher sussurrou. Depois de um longo momento, eu o ouvi sair do quarto na ponta dos pés e fechar a porta com cuidado.
Mordi o lábio, com vontade de chorar. Ele já tinha me tocado antes, mas a carícia na bochecha foi de uma ternura tão incrível que era quase impossível aguentar.
Na minha primeira vida, jamais cruzara com alguém com quem quisesse ficar, e não havia garantias de que encontraria uma pessoa assim depois do fim da sentença. Então por que naquele momento? Por que naquele tempo congelado e inútil alguém tinha que aparecer e me fazer sentir isso?
Eu não podia ficar com Christopher. E não podia sequer ter certeza da profundidade dos sentimentos dele, embora intuísse que sua curiosidade em relação a mim era tão grande quanto a minha em relação a ele. Estávamos fadados ao desastre.
Eu não podia ficar para sempre.
Mas talvez pudesse ficar por um dia.
Autor(a): leticialsvondy
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15 QUANDO O SOL NASCEU, eu ainda estava acordada, pensando nos dedos calejados de Christopher sobre o meu rosto. Ouvi os outros acordarem e começarem a circular pela cozinha. Sentei na cama e olhei pela janela. A Água continuava chamando, mas eu ainda não estava pronta para encará-La. Ou para deixar Christopher. — Então vou ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 57
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anne_mx Postado em 06/10/2022 - 22:45:17
Que fanfic linda, uau, o amor da água pela Dulce e o amor da Dulce pela água e pelo Christopher é lindo, ainda que parece algo meio que fora de órbita mas foi uma história linda e foi lindo ver a entrega das amigas para com a Dul, obrigadaaaa <3
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jucinairaespozani Postado em 02/07/2016 - 12:35:11
Amei *---* é uma história perfeita, vou correr para a outra fic já kkk
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millamorais_ Postado em 02/07/2016 - 00:13:59
Ameiiii, menina onde vc encontra no essas lindezas? XD parabéns gatinha. Próxima fic? Estarei lá com certeza
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Luana Postado em 01/07/2016 - 23:17:53
Adorei o final! Cheguei até chorar. Parabéns por mais uma adaptação! Amei! Amei! Amei!
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jucinairaespozani Postado em 30/06/2016 - 02:12:48
Posta mais
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jucinairaespozani Postado em 30/06/2016 - 02:12:27
Continua meu aniversário ta longe kkk eu to desesperada aqui kkk
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jucinairaespozani Postado em 28/06/2016 - 12:11:15
Você está resumindo ou colocando todos os capítulos e páginas do livro? Posta mais, eu vou ganhar o livro então tô me controlando pra não comprar kkkk mais meio que li o "final" por alto, to desesperada aqui, posta mais logo por favor
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millamorais_ Postado em 28/06/2016 - 00:22:27
Muito suspeito, muito suspeito mas uma coisa é certa, o amor cura tudo, o amor tudo pode, tudo supera. Acredito que a água já começou a entender o que realmente está acontecendo mas egoísta como é prefere fingir que não... Gatinha quantos capítulos tem essa história? Só pra mim ter uma noçãozinha de quanto tempo vou ficar com essa dorzinha no peito sem saber ao certo o final kkkkk continuaaaaa
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Luana Postado em 28/06/2016 - 00:12:35
Ah meu Deus! Estou preocupada com os dois! Espero que eles fiquem melhor. Continuaaa <33
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jucinairaespozani Postado em 26/06/2016 - 03:36:18
Acho que a Dul esta começando a perder os poderes, então posso imagina que isso seja bom = talvez o amor que ela tem por Christopher estaja fazendo ela mudar. Espero que ele não morra, posta mais