Fanfics Brasil - Capitulo 02 ՏՁ A Bela e a Fera ՏՁ

Fanfic: ՏՁ A Bela e a Fera ՏՁ


Capítulo: Capitulo 02

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 Devia ter telefonado pedindo as compras, pensou Dulce, enchendo o carrinho e tentando ignorar as pessoas que a observavam, os jovens, muito mais jovens do que os que pensaria em namorar, fitando-a intensamente. Ela sorriu docemente, um típico sorriso de passarela, admitiu, rindo baixinho. Alguns homens eram pescadores, e ainda usavam as botas de borracha da pescaria.
Checando a lista, Dulce dirigiu-se ao caixa. Vai começar, pensou, vendo que as pessoas aproximavam-se de onde estava, como felinos. Um adolescente que varria o chão chegou mais perto. A vendedora parecia não ter pressa, fitando-a demoradamente, apesar da fila. Os clientes não tiravam os olhos dela. Não era de admirar que Sr. Uckermann não saísse de casa. O que teria acontecido com a hospitalidade do sul?
— Você é nova aqui? — perguntou a vendedora, uma loira que usava argolas enormes nas orelhas e mastigava chiclete.
— Sim. É uma linda ilha — disse Dulce. Era melhor deixá-los orgulhosos da terra onde viviam.
— Está no castelo, não é?
— Sou a babá que o sr. Uckermann contratou.
— Babá?! — exclamaram várias pessoas ao mesmo tempo. Dulce olhou ao redor, fitando um a um, todos que estavam
próximos.
— O sr. Uckermann está esperando a filha chegar, e estou aqui para cuidar dela.
— Pobre criança — disse uma velha senhora, num tom sombrio.
— Por quê? — perguntou Dulce, embora soubesse a resposta.
— Imagine ter um homem tão horrível como pai.
— Conhece o sr. Uckermann? — perguntou Dulce.
— Não exatamente.
Esperando que sua expressão fosse da mais pura inocência, indagou:
— Então, como pode saber como ele é?
— Ele nunca sai daquele lugar — disse a vendedora. — Não mostra o rosto há quatro anos. Nem mesmo Poncho, que mora lá, conseguiu vê-lo de perto.
Poncho, Dulce imaginou, devia ser o caseiro, que ainda não conhecera.
— Ele está desfigurado — gaguejou o jovem que embalava suas compras.
— Se nunca o viu, como pode saber disso?
O garoto deu de ombros, como se fosse de conhecimento geral. Embora ninguém tivesse visto Uckermann.
— Não acho que a aparência seja importante — respondeu ela, tentando controlar-se, e detestando que as pessoas dessem tanta importância às aparências. Ela sabia, por experiência própria, como isso era injusto e preconceituoso, embora por motivos opostos. As mulheres recusavam-se a ser suas amigas, acreditando que se imaginava melhor do que elas. Os homens quase pisoteavam uns nos outros para aproximar-se, todos tentando levá-la para a cama, ou convidá-la para um acontecimento social, onde pudessem exibi-la como um troféu. Ninguém, nem mesmo o ex-noivo, conseguira ver além do rosto lindo que Deus lhe dera. E, aparentemente, ninguém queria ver além das cicatrizes de Uckermann.
Tudo isso fazia Dulce sentir um estranho impulso de defender um homem que nem conhecia. Era difícil manter o controle diante de tantos preconceitos.
— Coloque na conta dele, e mande entregar por volta das três — pediu, saindo depressa e sentindo que todos os olhares a acompanhavam.
Em vez de pegar um táxi para casa, resolveu acalmar-se, caminhando pela pitoresca cidadezinha. Mas as lembranças continuavam a atormentá-la. A mãe, arrastando-a para comerciais de tevê, desde bem pequena, os concursos, tudo que sempre detestara. E quando crescera, escolhia participar apenas dos que lhe interessavam, porque queria ir para a faculdade, e precisava do dinheiro.
Olhando em volta, viu as vitrines das pequenas lojas, os bancos de madeira espalhados por vários locais, turistas e moradores passeando e fazendo compras. Dois homens mais velhos sentavam-se junto ao cais, trocando histórias de pescaria. Dulce sorriu, lembrando-se do avô, sentado na cadeira de balanço da varanda, esculpindo pequenos animais de madeira para que ela e os irmãos brincassem. Aliás, eram os únicos brinquedos que tinham. Uma vida simples, mas cheia de amor, pensou, com saudade do avô.
Ela respirou fundo, saboreando a brisa fria que vinha do mar. Como o sol estava alto ainda fazia calor, mas logo chegaria à estação dos furacões, com chuva, umidade e frio intenso. Cruzando os braços para proteger-se, andou mais depressa para a pequena estrada que levava o castelo. Em poucos minutos entrava no calor acolhedor da casa.
Depois de preparar café, esfregou os braços gelados, e ouviu um ruído vindo de fora. Franzindo a testa, foi até a porta de trás e afastou as cortinas que cobriam a pequena janela. Todos os seus impulsos femininos tornaram-se vivos e intensos, ao ver as costas nuas do homem que cortava lenha. Os músculos poderosos moviam-se numa dança da qual não conseguia afastar os olhos.
Christopher Uckermann.Como era bonito, usando apenas jeans e botas! De onde estava, podia ver apenas o perfil do rosto, com certeza o lado sem cicatrizes, já que os traços eram aristocráticos e bem-feitos. Os cabelos meio escuros flutuavam ao vento, cobrindo totalmente a nuca. Os braços eram fortes, musculosos, e ao erguer o machado para cortar mais uma tora, Dulce pôde ver como eram poderosos, já que a madeira partiu-se em um golpe. Ele deu mais alguns golpes e depois parou, apoiado no cabo do machado. Quando começou a falar, Dulce percebeu que não estava sozinho e foi até a janela. Outro homem, mais velho, sentava-se num banco e brincava com um canivete. Era Alfonso Herrera, e aparentemente era bem mais do que um caseiro. Era amigo de Uckermann. Talvez seu único amigo. Poncho conversava animadamente, o rosto moreno e meio coberto pelo boné. A camiseta escura ajustava-se ao tórax esguio, e o jeans estava tão gasto nos joelhos que a cor desbotara. Ela observava os dois homens, e como se Uckermann soubesse que estava ali, continuava de costas. Ainda assim, pôde ver cicatrizes longas e finas descendo pelas costelas, como se tivessem sido feitas por adagas afiadas. Devia ter sido muito doloroso, e mais uma vez, imaginou como teria sido o acidente. De repente, ele inclinou a cabeça para trás e riu. O som, carregado pelo vento, chegou até Dulce, que estremeceu, sentindo um estranho calor percorrê-la. Pelo menos ele não tinha perdido a capacidade de desfrutar de pequenos prazeres, como conversar e rir com um amigo, pensou, desejando juntar-se a eles. Mas, se quisesse que o visse, já teria aparecido.Ele disse algo que fez Poncho corar. Logo se levantava, sorria para Christopher e colocava mais toras aos pés dele. Christopher continuou a trabalhar, cortando tora por tora, enquanto Poncho empilhava os pedaços. Então, o caseiro parou, olhando diretamente para ela.
Dulce sustentou o olhar.
Uckermann largou o machado e pegou o casaco com capuz.
Saindo para a varanda, Dulce gritou:
— Desculpe-me. Não tive a intenção de me intrometer.
— Mas fez exatamente isso — disse Christopher, vestindo o casaco de costas para ela.
— Desculpe-me. Vou para outro lugar.
Christopher suspirou, desejando virar e fitá-la nos olhos.
— Não quero que sinta que precisa afastar-se de onde estou.
— Mas é exatamente o que quer. Preferia que eu não estivesse aqui, não é mesmo? — Ela viu que os ombros dele enrijeciam. — O mínimo que podemos fazer é ser honestos um com o outro.
Christopher apertou os lábios, suspirando mais uma vez.
— É verdade. Mas posso garantir que não me importo de não ter mais a casa só para mim.
— Não precisa se esconder.
— Eu não me escondo. Escolhi este estilo de vida, srta. Saviñón, e nos últimos quatro anos aprendi que é a melhor maneira de viver.
— Quer dizer, a mais fácil.
— Nada é fácil para mim, senhorita.
— E quanto a sua filha? Ela espera encontrar o pai. Precisa de carinho e conforto. Perdeu a mãe.
O peito de Christopher apertou-se ao pensar na tristeza de Mayte, e como gostaria de confortá-la.
— Foi por isso que a contratei, srta. Saviñón.
— E não se importa com ela?
Como podia dizer a Dulce que ao saber da existência da filha, poucas semanas atrás, sentira raiva da mãe de Mayte, por abandoná-lo, carregando no ventre o bebê que era deles, por não lhe dar uma chance de conhecer a criança, antes de lhe tirar tudo que tinha. O amor pela mulher desaparecera quando ela partira, abandonando-o quando ele mais precisava, condenando-o à prisão e ao isolamento.
Como podia esquecer o passado?— Eu me importo. Muito. Mas mal tive tempo de me acostumar com a idéia de que sou pai. — Ele começou a andar para a garagem.
— É bom se acostumar — disparou Dulce, enquanto ele se afastava. — Depois de amanhã ela estará aqui, querendo vê-lo, e como poderei explicar que o pai não quer encontrá-la?
— Diga a verdade — respondeu ele, sem parar de andar. — Que o pai não quer ser mais uma fonte de pesadelos para ela.
A resposta deixou-a sem ação, e antes que pudesse pensar no que dizer, ele tinha desaparecido. Virando-se, ela fitou Poncho.
— Acho que as coisas não correram muito bem, não é? Poncho observou-a atentamente, como se estivesse avaliando cada detalhe, e Dulce não saberia dizer qual fora a impressão do homem, já que sua expressão continuava impenetrável.
— Não, madame.
— Sou Dulce Maria Espinoza Saviñón.
— O sr. Uckermann me disse.
— E o que mais ele falou a meu respeito?
A expressão de Poncho continuou impenetrável, e ele virou-se para arrumar as pilhas de madeira. Por certo precisariam delas para aquecer-se nas noites de tempestade, imaginou Dulce, pensando em como o castelo de pedra devia ser frio no inverno.
— Todos na cidade têm uma imagem errada dele. Mas já deve saber disso, não é? — Ela admirava o fato de o caseiro respeitar o segredo de Uckermann, mesmo exposto à curiosidade de todos.
Poncho arrumou mais uma pilha.
— Poderia ao menos me dizer como é a rotina dele? Assim poderei ficar fora do caminho.
Poncho afastou o boné para trás, fitando-a por alguns instantes, antes de falar:
— Não.
— O quê? — Ela não podia acreditar no que ouvira.
— O sr. Uckermann não segue rotinas, faz o que quer. Se encontrá-lo novamente vai ter que lidar com a situação.
— Obrigada pela ajuda. — Dulce cruzou os braços, fitando-o diretamente. — Prefere vê-lo se escondendo, ou saindo da toca para conhecer a filha?
Ele não respondeu, e ficou bem claro para Dulce o quanto era leal ao patrão. Mas quando ele segurou o machado, disposto a recomeçar o trabalho que Uckermann interrompera, ela o impediu, segurando o braço que se erguia.
— Não vou sair daqui até ter certeza de que Mayte tem todo o cuidado e atenção que merece. Entendeu, sr. Herrera?
Os olhos dele brilharam, embora a expressão do rosto continuasse inalterada.
— Sim, senhora. E pode me chamar de Poncho, senhora.
— Dulce — corrigiu ela, virando-se para a casa e acrescentando: — Estou esperando que entreguem as compras. Assim, acho melhor recolocar aquela expressão séria no rosto. Afinal, é o que todos esperam, não é mesmo?
Poncho olhou-a afastar-se, lutando para esconder um sorriso.
— Sim, senhora.


O doce aroma de algo assando espalhava-se pela casa, mesclando-se ao som de risadas. Aquilo o atraiu, embora descesse pela antiga escada de serviço, para não ser visto. Passagens escondidas atrás das paredes formavam um labirinto, através do qual podia mover-se sem ser visto, apesar de os corredores serem bem estreitos. Fazia muito tempo que não passava por ah, depois de tê-los descoberto. Não gostava da sensação de passar por eles, mas havia pessoas na casa, depois de anos em que ele e Poncho haviam sido os únicos moradores. Mas agora ela estava ali, assando algo na cozinha. A vontade de vê-ia o atraía tanto quanto o aroma do que assava no forno. Mas, acima de tudo, era a risada límpida e espontânea que o atraíra. Podia distingui-la facilmente no meio das outras vozes. Havia algo em Dulce que lhe despertava sensações que julgara adormecidas. Ela o desafiava, provocava, mas Christopher sabia que, se cedesse à tentação de ver o rosto dela, teria muito a perder. A filha precisava de Dulce, uma vez que ele não podia ficar com ela.
Parando no fim do corredor escuro, afastou um pouco o painel disfarçado que cobria a parede. Ela estava tirando uma assadeira do forno e colocando biscoitos num prato. Era uma cena tão doméstica, comum, algo que Viviana nunca se incomodara em fazer, que o pegou de surpresa. Havia três pessoas sentadas nos bancos altos. Dulce ofereceu os biscoitos aos convidados. Convidados, ali, na casa dele. Pela primeira vez. Queria ficar zangado. Queria que fossem embora, pela simples razão de que não podia unir-se a eles. E ao vê-la conversando, tão animada, seu isolamento parecia ainda mais difícil e amargo.
Mas ela era tão linda, os homens pareciam fascinados pelo que dizia. E então, quando Dulce inclinou-se para colocar outra assadeira no forno, Christopher percebeu que todos olhavam as formas do corpo bem-feito. Será que os homens estavam ali movidos pela curiosidade em relação a casa, ou apenas por causa dela?
— É uma casa muito grande — disse o adolescente, que ele reconheceu como o entregador que trazia as compras.
— Sim, é enorme — respondeu ela, colocando colheradas de massa na forma.
— Apavorante — disse um dos homens, olhando ao redor.
— Adoro a casa — afirmou Dulce. — É linda, charmosa. A arquitetura, as pedras, tudo lembra a história de muitas partes do mundo.
Era exatamente o que sentira ao ver a casa, pensou Christopher, inclinando-se para ouvir melhor.
— Você já o viu?
— É claro.
— É muito horrível?
Christopher esperou pela resposta, prendendo a respiração.
— Não tem nada de mais.
Nada de mentiras, nem de informações, e ele imaginou por que Dulce estaria agindo assim.
— Então por que se esconde?
— Ele é um homem reservado, e talvez por não ter sido bem recebido... — Dulce parou de arrumar os biscoitos e virou-se, fitando-os por cima do ombro. Christopher percebeu a determinação na voz dela. — E se alguém ousar fazer qualquer comentário na frente da filha dele, terei que mostrar como meu avô me ensinou a atirar muito bem. E também como tirar a pele dos animais que caçávamos.
Christopher disfarçou uma risada, e quando olhou novamente, os convidados riam, sem jeito, não muito certos se ela falava a sério ou não. Logo se despediam, agradecendo pelo café.
Dulce acompanhou-os, fechando a porta assim que saíram. Voltando para o balcão, pegou a forma que acabara de encher e colocou-a no forno, no lugar da que já estava pronta. Não conhecia nenhuma criança que não gostasse de biscoitos de chocolate, e esperava que Mayte não fosse uma exceção. Queria que a menina se sentisse bem-vinda naquela casa escura e silenciosa. De repente, percebeu que não estava sozinha e ergueu o olhar. Então o viu, uma sombra escura entre a parede do canto e a porta entreaberta da despensa. Uma sombra grande, larga, da qual só podia ver o jeans surrado que cobria as pernas fortes. Como chegara até ali sem que o visse?
— Gostaria de pensar que a receita de biscoitos da minha avó o atraiu até aqui, mas não tenho ilusões.
— Linda e esperta.
Dulce enrijeceu de imediato. Será que todos tinham que falar de sua beleza, nos primeiros dez minutos de conversa?
— Quer um biscoito?
— Não, obrigado.
— Não diga que é uma dessas pessoas que não gosta de biscoitos de chocolate...
— Não.
— Já sei. Não quer vir até a luz para pegá-lo, não é?
Ele não respondeu.
— O que mais nega a si mesmo, ao escolher viver no escuro? — Ao falar, ela atirou um biscoito na direção dele.
A mão surgiu na luz, apanhando o biscoito no ar, e ela pôde ver o anel de sinete faiscar.
— E o que vai negar a Mayte?
— Pesadelos, srta. Saviñón.
— Pode me chamar de Dulce. E acho que está enganando a si mesmo.
— Não sabe nada a meu respeito, bela — zombou ele. Ela largou a espátula sobre o balcão, num gesto brusco.
— Tem razão, não sei. Assim como não sabe nada a meu respeito... fera. — Virando-se para o fogão, tirou a assadeira com os biscoitos prontos, colocando outra no lugar. Fechando os olhos, tentou, em vão, afastar as lembranças dolorosas. Bela... Rainha de beleza. De que lhe adiantara isso, se não tinha sequer conseguido manter o noivo, pensou, cerrando os punhos.
Christopher endireitou-se, imaginando por que estaria tão perturbada.— Dulce...
O nome foi pronunciado num tom rouco, sensual, oferecendo uma simpatia que ela não desejava. Os homens, as pessoas, em geral, notavam-lhe primeiro o rosto. Era natural. E Christopher era um homem. O que mais poderia esperar?
— Desculpe-me — disse Dulce. — Fui muito cruel.
Christopher já ouvira coisas piores.
— Deixei você furiosa. Diga por que.
— Não é nada. — Ela continuava arrumando os biscoitos, embalando-os em sacos plásticos.
— Mentirosa.
— Vamos começar de novo? — perguntou, baixinho. Abriu a geladeira e pegou um pedaço de carne e alguns legumes, que colocou sobre o balcão. Não se conheciam o bastante para falar sobre o passado dela, nem pretendia começar a lamentar-se. Tinha muito o que fazer, e não desperdiçaria energia com lembranças tristes. Depois de temperar a carne, voltou a colocá-la na geladeira. Cortou os legumes cuidadosamente, tentando ignorar a presença máscula. Mas era impossível. O calor que emanava dele era tão forte, que parecia estar perto de uma fogueira.
— Está me observando.
— Como sabe?
— Posso sentir.
Será que sabia que ele também podia senti-la?
— E o que sente?
Dulce parou. As palavras, murmuradas num tom suave, convidavam à intimidade, trazendo um desejo inesperado. O coração dela disparou.
— É como uma invasão. — Ela arrumou os legumes numa travessa, cobrindo-os com água. — E não gosto disso — completou, colocando-os na geladeira.
— É uma mulher muito linda, Dulce. Que homem não a olharia? Você sabe disso.
— Sim, sei como as pessoas valorizam a aparência — murmurou, desligando o forno.
— Eu também — declarou Christopher, num tom amargo.
— Então temos algo em comum. — Ela tirou a última assadeira do forno, colocando-a sobre o fogão, antes de virar-se.
Ele tinha desaparecido. Como se um vento frio a atingisse, soube que não estava mais ali.
— Também não gosto disso, sr. Uckermann — gritou, para a casa vazia.
Não houve resposta, e nem ela esperava isso.
Christopher desceu pela escada de serviço trazendo os pratos do jantar. Depois de colocá-los na lavadora, pegou um biscoito na assadeira sobre o fogão. Mastigando, atravessou a sala de jantar e chegou à biblioteca, estranhando o ar frio que penetrava na casa. Ao entrar na sala de estar, parou de repente. Cada fibra do corpo dele reagiu ao vê-la. Dulce estava na varanda, atrás da sala, e as portas francesas estavam completamente abertas. As mãos dela apoiavam-se na grade, e o roupão leve, verde-claro, flutuava ao sabor da brisa da noite sem lua. A frente dela, o mar batia no cais, iluminado apenas pelas luzes suaves que cercavam a casa.
Christopher poderia jurar que estava vendo um anjo. O vento erguia os cabelos ruivos, fazendo-os flutuar.
— Não é fantástico? — perguntou ela.
Ele enrijeceu, sentindo-se encurralado na própria casa.
— Não é? — insistiu, virando-se levemente na direção dele. Christopher sabia que não podia vê-lo claramente, com a luztrás dela.
— Gosta deste tempo?
Dulce voltou a olhar o mar. Ao longe se viam relâmpagos.
— É meu favorito. Tempestades, trovões, chuva...
Christopher percebeu que ela lhe dera as costas de propósito,dando-lhe a chance de se aproximar. O gesto o comoveu, mas ao mesmo tempo deixou-o inquieto. Será que ela viraria de repente e começaria a gritar? Ainda assim, reconheceu que não podia resistir ao desejo de se aproximar mais um pouco. Saindo para a varanda, encostou-se nas cortinas que voavam pelas portas abertas e que podiam lhe dar alguma proteção.
— Obrigado pelo jantar.
Ela deixara a bandeja do lado de fora da porta do quarto dele, numa mesinha que carregara para cima.
— Por nada. Não precisa comer lá em cima, sozinho, sr. Uckermann.
— O que pretende? Que jantemos como duas pessoas civilizadas?
— Por que não?
— Acho que já sabe a resposta.
— E o que devo dizer a Mayte? Sinto muito por ter perdido sua mãe, e olhe, na verdade não tem um pai. Apenas um benfeitor.
— Diga a ela o que achar melhor.
— Sei que se importa, sr. Uckermann. Vi o quarto dela.
— Só porque não quero vê-la, não significa que não quero que fique confortável aqui. Não percebe? Ela é uma criança. Um simples olhar para o que sobrou do meu rosto, e terá pesadelos por uma semana. — Ele sacudiu a cabeça. — Acho que devo poupar a nós dois dessa situação.
Dulce chegou mais perto, e viu que ele cruzava os braços à frente do peito, numa atitude defensiva. O gesto era claro. Não poderia alcançá-lo. Não agora.
— Acha mesmo que uma criança vai se satisfazer com isso?
— Terá que ser assim.
— Mas sou uma estranha.
— Eu também.
Dulce suspirou, frustrada, cerrando os punhos.
— É um homem muito difícil.
Houve um instante de silêncio, antes de ele responder:
— Só quero protegê-la.
— Impedi-la de conhecê-lo não é proteção.
— Por acaso é uma autoridade em crianças? — A voz dele revelava descrença.
— Tenho alguma experiência.
— É mesmo?
Pouco importava o tom crítico na voz dele, pensou Dulce.
— Não gosta que outras pessoas vejam o que lhe aconteceu, e então se esconde. Só vê aquilo que quer. Não tive filhos, mas gostaria de ter. Fui professora na escola da embaixada por vários anos, e cursei psicologia infantil na universidade. Além disso, sou a mais velha de cinco irmãos. Não acha suficiente?
Com raiva, afastou-se da grade e já ia entrar, quando Christopher segurou-a pelo braço. Os dois foram envolvidos pelas dobras das cortinas que flutuavam ao vento.
— Sim. É suficiente.
Dulce mal conseguia respirar, e seu coração batia acelerado. Ele era um homem grande, forte, e os dedos circundavam-lhe o braço, impedindo-a de mover-se. Estava consciente da proximidade dele, do perfume masculino, do corpo que quase tocava o dela, fazendo-a estremecer.
Ele era misterioso, intenso.
O que a atraía não era a solidão dele, nem a amargura. Era o homem que sofrera muito, mas sobrevivera. Que não deixara ninguém se aproximar. Dulce viu a sombra da cabeça dele aproximar-se e soube que desejava beijá-la. E quase desejou que o fizesse.
— Você tem perfume de... liberdade — sussurrou ele, cada célula do corpo gritando que era um homem, e que ela era uma linda mulher.
Mesmo sabendo que devia fazer anos que ele não estava com uma mulher, que devia afastar-se depressa, Dulce foi incapaz de resistir ao desejo de tocá-lo. Erguendo a mão, colocou-a no peito forte.
A respiração dele ficou ofegante, e num gesto brusco afastou-se, subitamente consciente do que acontecia.
— Não quero sua piedade, e isto é errado.
Ele afastou-a e Dulce perdeu o equilíbrio, enquanto Christopher entrava depressa, desaparecendo na casa, de volta à sua caverna escura.
Queria dizer-lhe que a última coisa que sentira em seus braços era piedade.
Mas ele já se fora.


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Autor(a): thyssss

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 31



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  • stellabarcelos Postado em 27/11/2015 - 17:24:42

    Ahhhhh que lindo! Essa fanfic é maravilhosa! Amei!

  • raissar Postado em 26/12/2007 - 16:09:34

    posta maissssssssssss

  • raissar Postado em 26/12/2007 - 01:08:02

    posta maisssssssss, adorei sua web

  • Amanda Postado em 25/12/2007 - 14:02:02

    não deixe a gente na mão.Posta por favor. bjs.

  • staucker Postado em 11/12/2007 - 16:52:26

    ai q td
    eu ja li + foi in ebook
    nossa... mto linda
    comtinua
    pliX!
    gosto tanto q vou acompanhar akew!

  • deborah Postado em 11/12/2007 - 15:27:40

    nossa essa web é muito legal.Realmente umas das melhores q já li e olha que já li muitas...
    bjss e por favor posta mais...
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  • cacah Postado em 11/10/2007 - 14:28:30

    olha, a web ta mt perfeita
    uma das melhores que eu já li....
    se de... poderia postar um cap hj?
    ta mt linda mesmo a web!
    esperando viu?
    beijos

  • Candyroxd Postado em 10/10/2007 - 23:08:44

    postaaaaaaaaaaaa ++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++ ++++++++++++++++++tá linda

  • lauraka Postado em 25/08/2007 - 08:11:08

    eh muito perfeita essa web

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    porfa

  • alessandra cervetto Postado em 24/08/2007 - 14:20:27

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