Fanfics Brasil - Capitulo 03 ՏՁ A Bela e a Fera ՏՁ

Fanfic: ՏՁ A Bela e a Fera ՏՁ


Capítulo: Capitulo 03

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Era um tolo. O abandono da mulher não lhe ensinara nada, ou não teria tocado Dulce. Sentado na escrivaninha, o sol nascendo atrás dele, Christopher bateu nas teclas, fazendo uma porção de erros, até desistir, empurrando o teclado. Recostando-se na cadeira de couro, fechou os olhos, e quase pôde sentir a maciez daquele corpo que tanto desejava tocar.
E que homem não desejaria fazê-lo, pensou. O corpo de Dulce era curvilíneo, e ela tinha um jeito de andar que quase o enlouquecia. Ele sacudiu a cabeça. Seria mais difícil do que tinha pensado, e sabia que a lembrança de tocá-la seria tão torturante quanto a própria ação.
Era a babá, lembrou a si mesmo. Fora contratada para ajudá-lo.
Levantando-se, foi até a janela. Que Deus me ajude, pensou. Dulce era o sonho de qualquer homem. E estaria ali por muito tempo, provocando-o.
Atrás dele, o e-mail soava, o fax gemia, e Crhistopher ignorava tudo, os olhos presos à faixa de areia lá embaixo. Havia pegadas no solo úmido, e imediatamente soube que eram de Dulce. Será que levaria Mayte para longos passeios, à procura de conchas? Será que Mayte gostaria dali? E do quarto, dos brinquedos? Ou ficaria assustada, com medo? As perguntas surgiam-lhe na mente, e teve que admitir que não sabia nada sobre a filha de quatro anos. Mas Mayte era tudo que tinha no mundo, e faria o possível para que nada lhe faltasse.
Exceto você mesmo, disse uma voz interior, e a culpa dominou-o.
E se nada daquilo fosse suficiente, e traumatizasse a menina? Era tão pequena, inocente. No momento, não tinha dúvidas de que Dulce cuidaria de tudo. Era encantadora, mesmo com aquela língua afiada, e suspeitava que Mayte acabaria se divertindo, depois de ter passado de um amigo para outro, após o acidente. Tanto ele quanto Viviana não tinham família. Soubera da morte da mulher por um policial, e cinco dias depois um advogado, executor do testamento de Viviana, o informara da existência da filha. Com a permissão dele, Anahí Portilla tirara Mayte do abrigo do Serviço Social, e tomara providências para arranjar uma babá, e trazer a menina para a ilha. Era tudo tão frio, formal. Viviana escondera a criança até a tragédia acontecer. Mas ele tivera tempo suficiente para pensar na mulher que havia conhecido num baile de caridade, e com quem se casara, sete anos atrás.
Viviana tinha sido linda, como uma boneca de porcelana, embora durante o casamento tivesse ficado cada vez mais egoísta e exigente, gostando muito mais do estilo de vida que tinham do que dele. Agora percebia que ela gostava das empregadas e cozinheiros, e que quanto mais lhe dava, mais queria. Até que ele desejara ter filhos, parar de viajar o tempo todo. Ela havia discutido e reclamado, até Christopher ceder. Devia ter engravidado naquela noite selvagem, na praia, na véspera do acidente. Apesar disso, quando o acidente o privara da beleza que a atraíra, Viviana o abandonara. Não a culpava por tê-lo feito. Era frágil, imatura, e ele por certo não fora mais o mesmo homem. Nem por fora, nem por dentro. Tentava imaginar o que Viviana dissera a Mayte sobre ele, mas logo desistiu. Não fazia diferença. Suspirando, voltou a trabalhar no computador, até que uma voz suave soou no interfone:
— Muito trabalho sem comer, deixa o sr. Uckermann de mau humor.
Christopher sacudiu a cabeça, com um meio sorriso. Apertando o botão do interfone, perguntou:
— Preparou alguma coisa? — O estômago dele roncou, diante da perspectiva de uma refeição.
— Sim. E Poncho não vai conseguir comer tudo. — Houve uma pausa, mas logo ela continuou: — Nunca fui capaz de cozinhar para menos de seis pessoas. Ainda bem que gosto de sobras, não é?
Christopher imaginou se alguma vez ela ficava de mau humor, e sentiu-se grato por não mencionar a noite anterior. Não queria a piedade dela. Já aprendera o suficiente a esse respeito com a ex-mulher. Não podia esquecer o modo como ela se encolhia, cada vez que tentava tocá-la. Sacudindo a cabeça, pensou em como fora tolo na noite anterior. Mas parte dele queria saber se Dulce sentira o mesmo calor que o invadira. Nem Viviana conseguira provocar uma reação como aquela, e ele a amara.
— Estou com fome.
Dulce tentou não gostar tanto da voz dele, nem lembrar-se de como parecera sedutor na tênue luz da varanda. Mais uma vez se perguntava como podia sentir tanta atração por um homem que nunca vira, embora soubesse que a aparência, o dinheiro ou o charme, pouco tinham a ver com o que o corpo dizia. E o corpo de Christopher Uckermann dizia muita coisa. Dulce só esperava que o seu não entendesse...
— Vou levar aí em cima — disse, por fim. Ele detestava estar isolado ali.
— Obrigado — agradeceu.
Um momento de silêncio, e então ela disse:
— Recebi seu e-mail com as regras.
— E estou certo de que quer fazer algum comentário — retrucou ele, e quase podia ver como ela cerrava os lábios, furiosa.
— Alguma delas é negociável?
— Por exemplo?
— Esta sobre não ir ao terceiro andar. Como a empregada vai fazer a limpeza?
— Ela conhece as regras. Avisa antes de subir, e eu simplesmente vou para outra parte da casa.
— Entendo. — Christopher ouviu-a suspirar. — Essa comunicação pelo interfone é tão impessoal.
— É assim que tem que ser, Dulce.
Lá embaixo, na cozinha, ela encostou a testa na parede. Cabeça dura.
— Nada é imutável, sabia?
— Não. — Ele parou por alguns instantes. — O que você quer, Dulce?
A irritação dele atingiu-a, provocando uma reação imediata. O que queria? Apenas uma vida normal. Antes que Mayte chegasse. Mas sabia que Christopher continuaria resistindo.
— Nada — respondeu, suavemente. — Acabarei dando um jeito de contornar as regras. Especialmente esta, de não andar pela casa a noite. Gosto de tomar chocolate quente, olhando as estrelas.
— Então deve estar se sentindo em casa aqui.
— É verdade.
Chrsitopher queria que ela se sentisse à vontade, especialmente com Mayte chegando na manhã seguinte. Estava desesperado para que ficasse, especialmente depois que Anahí Portilla ligara naquela manhã, dizendo que não encontrara uma substituta qualificada. Christopher achou que estava zangada com ele, e não estava fazendo muito esforço.
Alguns minutos mais tarde, ouviu uma batida na porta. Christopher aproximou-se, espiando pelo visor. Ela era mesmo persistente.
— Deixe aí mesmo.
Ela mostrou a língua para a porta.
— Encantadora, srta. Saviñón — disse, secamente. Dulce sorriu, sem jeito, e colocou a bandeja de lado.
— Sobre a noite passada...
Christopher gemeu, baixinho, e apertou o botão do interfone, junto à porta.
— Foi errado tocá-la.
— Por quê?
Ele piscou, surpreso.
— É a babá da minha filha.
— Muito conveniente, não é?
— O quê?
Ela recuou um passo, diante do tom da voz dele.
— Bem, estou aqui, sou mulher e...
— E linda demais.
Os lábios dela apertaram-se, revelando toda a amargura que sentia. Quase desejou ter cicatrizes, como Uckermann. Pelo menos saberia que os homens não a desejavam só pela beleza.
— Não é o que quis dizer.
— Está imaginando há quanto tempo não tenho uma mulher?
 A voz rouca fez os joelhos dela fraquejarem.
— É claro que não!
— Mentirosa.
Ela cruzou os braços, olhando para a porta.
— Ofender o outro é uma atitude infantil.
— Desculpe-me.
— Esqueça.
— Está bem.
Mas Dulce duvidava. Especialmente depois que a evitara cuidadosamente, e depois a agarrara como se fosse a tábua de salvação de um náufrago. Ainda assim, não podia ignorar a eletricidade que os envolvera, o calor que percorrera seu corpo. E a vontade que sentira de tocá-lo, de provar a força daquele corpo alto e rijo. Ele a fizera sentir-se pequena, indefesa, e naqueles poucos segundos, protegida.
Não era algo que pudesse esquecer facilmente.
— Se quiser mais, é só pedir — disse ela, afastando-se e descendo a escada.
Christopher pegou a bandeja, e admirou a enorme variedade de comidas: ovos, panquecas, salsichas, bacon, café, torradas, geléia e biscoitos. Teria que correr mais alguns quilômetros para queimar tudo aquilo, pensou, saboreando as delícias. E tentando não pensar na mulher que as preparara.
Durante o resto do dia o contato entre eles foi mínimo. E Christopher esperou, impaciente, que a noite chegasse. As sombras o protegiam e lhe davam liberdade. Sentia-se como um vampiro, condenado à escuridão. A noite era sua amiga, embora amasse o dia, o sol.
Agora olhava para a mulher que dormia no sofá, com um livro aberto sobre o peito. Ele inclinou a cabeça para ler o título. Crianças e Pesar. Mais uma vez, pensou em como Mayte iria se apoiar nela, enquanto ele desejava confortá-la. Como queria abraçar a filha, acariciá-la, saber tudo sobre ela, vê-la crescer e aprender. Mais uma vez amaldiçoou Viviana por não ter lhe permitido compartilhar a vida de Mayte. Então percebeu, com enorme pesar, que estava confiando em Dulce, para amar a filha no lugar dele.
 Dulce viu a balsa chegar e a grade de segurança ser levantada. As pessoas começavam a sair do barco, e ela procurou a garotinha na multidão, com a acompanhante que a traria até ali. O que viu foi à criança mais linda que jamais vira, de cabelos escuros, rosto angelical, agarrada à mão de Anahí Portilla.
Olhando para a ex-colega de faculdade, Dulce sorriu.
— Fico feliz que você a tenha trazido.
Anahí olhou para a garotinha e sorriu.
— Achei que alguém familiar seria melhor do que um estranho.
Dulce podia ver as perguntas nos olhos de Anahí, desejando saber como iam as coisas com Christopher Uckermann. Sem querer lhe dar qualquer indicação do que acontecera na noite anterior, ficou grata ao ver que um homem se aproximava e pegava as malas de Mayte. Dulce acompanhou-o até o carro que Christopher lhe permitia usar, e ele colocou as malas no banco de trás. Depois de pagá-lo, voltou para o par que a aguardava. Dulce ajoelhou-se e sorriu para Mayte. A garotinha enterrou o rosto na saia de Anahí.
— Olá, sou Dulce.
— Olá — respondeu a garota, sem mostrar o rosto. Anahí afastou-se um pouco, forçando Mayte a fitá-la. Dulce sentou-se no chão, com as pernas dobradas sob o corpo, como se tivessem todo o tempo do mundo.
— Foi uma semana bem difícil, não é?
— Sim.
— Bem, agora vou cuidar muito bem de você, Mayte. — A menina ainda parecia pouco à vontade. — Eu prometo. Sei fazer uma porção de coisas. Podemos brincar na praia, andar de bicicleta, e talvez andar a cavalo.
A idéia pareceu agradar, e Dulce rezou, baixinho, para que ainda se lembrasse de como cavalgar.
— Seu pai tem três cavalos, e não acho que façam muito exercício. Teremos que cuidar deles.
— Viu meu pai?
A esperança na voz da menina fez o coração de Dulce se apertar.
— Sim. Ele é muito simpático.
— Mamãe disse que ele foi ferido.
— Sua mãe tinha razão. Foi sim. Mas agora está bem. — Não pretendia assustar a menina com detalhes assustadores. — Só não gosta que fiquem olhando para ele.
As sobrancelhas de Mayte ergueram-se, como se estivesse tentando entender por que não queria que olhassem para ele, se estava bem. Dulce pretendia adiar o encontro dos dois, até que Mayte estivesse acomodada e à vontade.
— Então, está pronta para ver sua nova casa?
Mayte assentiu, mastigando a ponta do suéter que vestia. Dulce estendeu a mão, tirando-o delicadamente da boca da menina.
— Fale. Não consigo ouvir o que está dentro da sua cabeça.
A garotinha quase sorriu.
— Sim, senhora.
— Vai adorar, Mayte. É um castelo, como o da Cinderela.
— Verdade?
— Verdade.
Dulce levantou-se e estendeu a mão. Mayte olhou para Anahí, suspirou, e então segurou a mão de Dulce, que mal pôde esconder a alegria.
— Não gostaria de vir até a casa? — convidou. — Tomar um café, antes de pegar a outra balsa? — Algumas pessoas já passavam por elas, a caminho do barco.
Anahí sacudiu a cabeça.
— Acho melhor deixar que se conheçam melhor. Telefono mais tarde.
— Gostaria que fizesse isso — e, baixando a voz, completou: — Já que não há nada de temporário neste trabalho, e sabe bem disso.
— Ele precisa dela, Dulce.
— Eu sei, mas... — Olhando para baixo, viu que a garotinha as observava, curiosa. Dulce trocou um olhar com Anahí, indicando que poderiam conversar melhor ao telefone. Anahí sorriu, e inclinou-se para beijar Mayte.
A criança passou os braços em volta do pescoço de Any, agarrando-se com força por alguns instantes. O coração de Dulce apertou-se. Como devia sentir-se insegura e amedrontada, sendo Anahí a única pessoa que conhecia.
Any acariciou as costas da menina, dizendo que a amava muito, e logo viria visitá-la. Maite soluçou, correndo para Dulce, assim que Anahí soltou-a. Com um sorriso, Dulce levou a criança até o carro, colocando-a no banco da frente. Depois de acomodar-se atrás do volante ligou o motor.
— Pronta?
Mayte olhou-a com os olhos castanhos escuros e assentiu, mordiscando a ponta do suéter. Dulce percebeu o brilho das lágrimas e inclinou-se, abraçando-a e sussurrando:
— Tudo vai dar certo, querida.
Sei que está com medo.Os dedinhos delicados apertaram-na com força.
— Quero ir para casa.
Os olhos de Dulce encheram-se de lágrimas. A menina parecia tão triste e perdida.
— Vou levá-la para casa, e será uma grande aventura descobri-la aos poucos. Não acha que vai ser divertido?
Mayte deu de ombros, e Dulce acariciou os cabelos brilhantes. Tinham um longo caminho a percorrer juntas, e imaginou por quanto tempo ficaria ali. Ou se algum dia desejaria partir. Pois percebia que estava começando a amar aquela garotinha perdida.


No instante em que a casa apareceu na frente delas, Dulce percebeu que Mayte prendia a respiração, maravilhada, esticando o pescoço para ver melhor. Dulce dirigiu pela estrada de terra, cheia de lombadas, até chegar à garagem, esperando que a vista da praia, do estábulo enorme e do grande jardim atraíssem Mayte. E aconteceu, especialmente por causa do escorregador e do balanço, que não se encontravam ali no dia anterior. Parando o carro, desligou o motor.
— Vá, experimente — encorajou ela, e Mayte abriu a porta. Dulce apressou-se a ajudá-la a descer, e logo Mayte corria para os brinquedos. Os brinquedos eram grandes e sólidos, e Dulce sorriu, ao ver Mayte escorregar uma, duas, três vezes, sem cansar da brincadeira. A menina correu para o balanço, experimentando-o, até ver a caixa de areia, cheia de brinquedos. Ela sentiu a presença de alguém, e viu que Poncho se aproximara.
— Vou levar as malas para cima — disse, estendendo a mão para pegar as chaves. Ela entregou-as, mas não se mexeu.
— Ela parece com ele — disse, suavemente. E Dulce observou Mayte, imaginando o quanto seria parecida com o pai.
De repente, Mayte saiu correndo para eles e parou em frente de Poncho, observando-o atentamente. Dulce percebeu que ela imaginava que Poncho fosse o pai. Ela apresentou-os, e viu o sorriso da criança desaparecer.
— Como vai, senhorita? — Poncho agachou-se na frente da menina, e os velhos joelhos estalaram.
Mayte olhou com surpresa os jeans reforçados nos joelhos.
— Dói?
— Não. Só faz barulho.
— Meu pai foi ferido. Muito ferido.
— Sim, meu bem.
— Conhece o meu pai?
— Claro que sim.
— Acha que ele vai gostar de mim? — A voz dela tremia, e Poncho trocou um olhar com Dulce.
— Sim, princesa. Ele vai gostar muito.
— Mas onde ele está?
Poncho endireitou-se e olhou para as janelas, no alto do castelo.
— Lá em cima.
Mayte ficou ao lado dele, olhando para o alto.
Christopher olhou para a filha, e amou-a de imediato. Ele a vira brincando, os cabelos tão escuros quanto os dele, os olhos da mesma cor. Ela também tinha o mesmo sorriso. Como devia ter sido difícil para Viviana, olhá-la todos os dias, e vê-lo à sua frente, pensou, aproximando-se mais da janela.
Mayte ergueu o braçinho e acenou, e Christopher desejou descer correndo para apertá-la nos braços, dizer o quanto a amava, como iria protegê-la e como estava feliz em tê-la ali. Mas não podia. Mantendo-se um pouco afastado, acenou, o olhar desviando-se para Dulce. Ela também olhou, apoiando-se no carro, de braços cruzados. O olhar dela dizia tudo, que deveria vir e brincar com a filha, e acima de tudo, indagava como podia resistir à criança? Será que ela não entendia como gostaria de descer? Como gostaria de estar ali, abraçando-a e fazendo com que esquecesse toda dor? E que ficar longe dela o feria mais do que à própria filha?
Poncho já estava entrando com as malas, e Dulce dizia algo para a menina. E quando Mayte segurou a mão de Dulce, quase esmurrou a janela. Devia ser eu. Mayte, era filha dele.


Dulce preparou o almoço para Mayte antes de subirem para o quarto, imaginando que depois de ver as coisas maravilhosas que o pai preparara perderia a fome. Depois, disse à menina que o quarto dela era em frente ao seu, do outro lado do corredor, e que poderia ir até lá quando quisesse, de dia ou à noite. Enquanto desfazia as malas, Mayte examinava os brinquedos, o enorme urso de pelúcia, quase do tamanho dela. Ao subir na cama, apertou urso contra o peito.
— Está com medo? É muito alta?
Mayte olhou-a diretamente.
— Não. — Ela parecia deslumbrada, e bocejou. — E tão lindo.
— É mesmo. Eu gostaria de ter tido um quarto assim, quando era da sua idade.
— E que tipo de quarto você tinha?
— Era pequeno e escuro — respondeu Dulce, continuando a arrumar as coisas. — E eu o dividia com minhas irmãs. — Ela não disse que o telhado era de zinco, e que gotejava forte quando chovia, muitas vezes sobre a cama.
— Irmãs?
— Tenho duas, mas são casadas — explicou.Eram mais novas do que ela, pensou, sentindo uma pontada de inveja. Ela quase se casara com o homem errado. Um homem que a desejara apenas pelo rosto bonito, pelos títulos de beleza, como o ouvira dizer ao padrinho. Queria mostrá-la como um troféu, e continuar com a amante.
Dulce fechou os olhos, afastando o sentimento de humilhação. Maurício fora o ponto culminante de uma vida em que todos viam apenas sua aparência. Sabia que também era responsável por isso, já que participara de muitos concursos, desejando usar os prêmios para conseguir uma vaga na faculdade, e construir uma carreira. Ainda assim, acreditara que ele a amava, e quando o sonho se desmanchara, tinha perdido muito mais do que o noivo. Perdera a auto-estima, já que Maurício lhe dera tudo o que podia desejar, como se desejasse comprá-la.
Tudo. Menos amor.— Talvez possa conhecê-las — disse, por fim. — Minha irmã, Allison, tem uma filha pouco mais velha do que você. — Quando não teve resposta, Dulce virou-se e viu Mayte adormecida, agarrada ao enorme urso. Sorrindo, ajeitou um travesseiro sob a cabeça da menina, tirou-lhe os sapatos, e cobriu-a com um acolchoado. Mayte suspirou, mostrando que o dia fora longo demais para uma menina tão pequena.
Beijando-a na testa, desligou as luzes e saiu, fechando a porta. Imediatamente sentiu a presença dele e virou-se para a escadaria, no fundo do corredor. Na semi-escuridão podia ver-lhe as pernas, dos joelhos para baixo, e a mão, apoiada no corrimão.
— Ela está bem?
— Sim, mas está exausta, e adormeceu.
— Obrigado, Dulce.
— Por nada. Ela quer vê-lo.
— Sabe que não posso fazer isso.
— Ela precisa do pai.
— Dulce... Por favor.
A dor, por negar a si mesmo o contato com a filha, expressava-se na voz dele. Naquele instante, Dulce percebeu o quanto aquele homem era solitário, e como devia ser difícil ter duas mulheres naquela casa, depois de ter andado por ali, quando e como desejasse, por quatro anos.
— Ela está se sentindo sozinha e com medo. Tudo é novo para ela, e embora esteja adorando as novidades, ainda quer vê-lo.
— Mas não pode. Não quero amedrontá-la ainda mais. E não sei nada sobre garotinhas, ou como cuidar delas. Mas você sabe.
Ela não queria discutir, não com Mayte tão perto.
— Não vou ficar aqui para sempre — retrucou, entrando no próprio quarto e fechando a porta.
Christopher suspirou. Ela continuaria ali por quanto tempo ele desejasse, e só de pensar que poderia partir, ficava nervoso. Ele observou as pequenas luzes junto ao chão, que iluminavam o corredor, e a porta do quarto da filha. Não queria que nenhuma das duas o visse, mas a vontade de ver a filha foi mais forte. Descendo os últimos degraus, atravessou o corredor e abriu a porta do quarto de Mayte, entrando silenciosamente. Bem devagar, aproximou-se da cama, olhando a criança adormecida. Parecia tão inocente, tão indefesa. E era tão pequena.
Estendendo a mão, tocou uma mecha de cabelos, e então, incapaz de resistir, acariciou o rosto macio com as costas da mão. A pele era macia, fresca. Ela era linda, e o coração de Christopher apertou-se. Queria tomá-la nos braços, beijá-la.
— Papai?
A palavra quase o fez chorar.
— Sim, princesa, estou aqui. Volte a dormir.
Mayte mexeu-se na cama e Christopher cobriu os ombros delicados, carinhosamente.
— Papai ama você — sussurrou.
Meio adormecida, Mayte segurou a mão dele. Por um instante, Christopher ficou imóvel, temendo que ela percebesse as fundas cicatrizes no pulso, mas já voltara a dormir.
Não querendo arriscar-se a encontrar Dulce, pensou em usar a passagem secreta, mas a raiva foi mais forte. Afinal, aquela era a casa dele. Saindo do quarto, subiu a escada, e já estava quase chegando em cima, quando Dulce abriu a porta e saiu depressa. Apressando o passo, ele penetrou na escuridão, sabendo que os olhos dela levariam alguns segundos para ajustar-se à falta de luz.
— Sr. Uckermann — chamou, suavemente. Imediatamente sentiu-lhe o perfume e estremeceu.
— Sr. Uckermann.
 Ele parou.
— Estou ignorando você. Indo embora. Será que não entendeu?
— Psiu. — Ela aproximou-se. — É claro que percebi.
— Não dê nem mais um passo.
— O que vai fazer? Me despedir? — perguntou, sabendo que ele não poderia fazê-lo.
— Há outros modos de fazê-la ficar longe — disse, ao vê-la desobedecer, aproximando-se ainda mais.
— Por exemplo?
— Deixá-la ver meu rosto.
— Não tem uma boa impressão a meu respeito, não é? — sussurrou ela, olhando fixamente para a sombra, onde ele se escondia.
Havia compaixão na voz dela, talvez piedade.
— Pelo contrário. Tenho uma impressão boa demais.
Christopher deu um único passo, aproximando-se perigosamente, e o calor do corpo alto penetrou instantaneamente as roupas dela. O desejo de apoiar-se nele era muito forte, e o modo como seu corpo respondia ao dele fazia imaginar que já o conhecera em outra vida, outros tempos. Era como uma fome, um desejo incontrolável. Mas não podia. Já fora usada antes por sua beleza, e ali estava um homem que desejava usá-la, novamente, só que desta vez como uma barreira entre ele e a filha.
— E tem raiva por precisar de mim. Desejaria que fosse outra pessoa, não é?
— Sim — sibilou ele, como uma serpente pronta para o ataque. — Vejo seu rosto, perfeito, e sinto cada cicatriz, como se tivesse acontecido ontem. — A voz dele tornou-se ainda mais baixa. — E então sinto como sua respiração acelera quando me aproximo, sinto seu corpo pulsar, como agora e...
As palavras saíram antes que pudesse controlá-las.
— Faz você sentir-se como um homem, não um heremita.
Ele gelou, como se cada músculo do corpo estivesse paralizado. O desejo de tocá-lo era tão forte, que mal podia resistir.
— Christopher...
A palavra pareceu despertá-lo. Virando-se depressa, subiu a escada, de volta ao santuário.
A porta batendo foi como um tiro no escuro, fazendo-a recuar contra a parede, cobrindo o rosto.
Agora ele não viria mais para a luz. Estragara tudo.
 


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Autor(a): thyssss

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 31



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  • stellabarcelos Postado em 27/11/2015 - 17:24:42

    Ahhhhh que lindo! Essa fanfic é maravilhosa! Amei!

  • raissar Postado em 26/12/2007 - 16:09:34

    posta maissssssssssss

  • raissar Postado em 26/12/2007 - 01:08:02

    posta maisssssssss, adorei sua web

  • Amanda Postado em 25/12/2007 - 14:02:02

    não deixe a gente na mão.Posta por favor. bjs.

  • staucker Postado em 11/12/2007 - 16:52:26

    ai q td
    eu ja li + foi in ebook
    nossa... mto linda
    comtinua
    pliX!
    gosto tanto q vou acompanhar akew!

  • deborah Postado em 11/12/2007 - 15:27:40

    nossa essa web é muito legal.Realmente umas das melhores q já li e olha que já li muitas...
    bjss e por favor posta mais...
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  • cacah Postado em 11/10/2007 - 14:28:30

    olha, a web ta mt perfeita
    uma das melhores que eu já li....
    se de... poderia postar um cap hj?
    ta mt linda mesmo a web!
    esperando viu?
    beijos

  • Candyroxd Postado em 10/10/2007 - 23:08:44

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  • lauraka Postado em 25/08/2007 - 08:11:08

    eh muito perfeita essa web

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    porfa

  • alessandra cervetto Postado em 24/08/2007 - 14:20:27

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