Fanfic: Contos de Pecadores na Estrada Aberta | Tema: Cavaleiros do Zodíaco
O Calafrio do Veneno que percorre minha Veias.
A Fumaça escapava por meus lábios entreabertos, mas não por muito tempo. Eu logo levava o cigarro de volta a eles, e tragava mais um pouco, me deixando entorpecer pela sensação.
Estava escuro naquela noite. Era Lua Nova e eu não via muitas estrelas no céu. Era uma pena, eu gostava de ver as estrelas. Elas me acalmavam, me deixavam mais alegre, me diziam em seu silêncio que nem tudo o que eu fazia era errado, não que eu realmente me importasse ser era ou não.
Eu lembro de estar naquele beco escuro, perto dos latões de lixo, oculto nas sombras, onde as pessoas que passassem por ali perto não poderiam me ver. Aquele era um bairro perigoso, com sorte, eu seria confundido com um marginal, ou um meliante das sombras pronto para atacar a primeira vítima desavisada que por ali caminhasse. Nossa, que pensamentos tolos os meus, mal sabiam todos que eu era a vítima, e o pior, uma que gostava de estar nessa posição.
Eu ouvia tiros ao longe, água vazando de algum cano estourando próximo. Um ruído baixo que mais pareciam ratos remexendo o lixo, e aquele som de sirenes que ecoavam por toda a cidade. Era o som da noite, e para meu azar, a trilha sonora da minha vida.
Muitos diziam que eu merecia mais, que eu deveria buscar mais, que eu não precisava viver assim ou estar assim. Mas nunca se tratou de mim, das minhas capacidades ou mesmo de onde eu poderia chegar se me esforçasse. Acontece que eu gostava daquilo, daquela vida, do que eu fazia, e também da forma como as pessoas pensavam que eu fazia.
Eu era um problema que gostava de ser um, que não havia nascido para ser mais um na multidão e sim para fazer a diferença, mesmo que não para os outros, mesmo que não para o mundo, mas apenas para mim.
Deixei cair a piúba do cigarro já totalmente consumida no chão, e com meu chinelo, a pisoteei. Deixei novamente escapar a fumaça, branca, densa, enevoada, num suspiro longo. Ela contrastava com o ambiente... Era como se fosse a única coisa clara ali, a única coisa de cor branca. Era como se fosse uma representação da minha alma deixando o meu corpo.
E se por um acaso ela o fizesse, eu não a culparia. A Religião me ensinou que o corpo era o templo da alma, e que tratá-lo com desrespeito, envenenava nosso espírito. Bem, se fosse verdade, o meu já estava morto e pútrido, como tudo dentro de mim. E se ainda não, logo estaria, era como um veneno frio e cortante que me corria por dentro, mas também era viciante, uma sensação sem a qual eu não poderia viver, não mais.
Vi uma luz forte iluminar parcialmente o beco aonde eu esperava, e ao virar-me em sua direção, pude ver o carro dele estacionar ali perto. Aquele maldito Chevette de 1977 que eu reconhecia de cór, mesmo se estivesse em meio a dezenas de outros iguais. Ele tinha o cheiro dele, ele tinha o meu cheiro, ele cheirava a pecado, loucura e insanidade. E a combinação desses três elementos era o que eu tolamente chamava de Amor.
Sim, eu sabia que não era amor, eu não era uma criança e muito menos um menino ingênuo para não saber a diferença, mas eu gostava de pensar que era, de sonhar que um dia seria, de cogitar a possibilidade, mesmo que a dor me matasse um pouquinho mais a cada nova frustração. Mas enquanto eu permanecesse vivo, eu ainda sonharia. Era tudo o que me restara.
A Vida me privara de tudo, dos meus objetivos, dos meus sonhos, de tudo o que eu sempre quis. Todos disseram que isso acontecia com tudo mundo, que quando caíssemos, apenas deveríamos nos levantar e prosseguir. Mas eu era diferente, eu era um dos casos especiais. Era uma daquelas pessoas que não sabem lidar com a dor, que não sabem levantar depois que caem, simplesmente porque acham que o concreto firme e gélido é mais confortável.
Isso, a dureza e a Frieza, eram elementos que eu gostava, que me atraíam, e talvez fosse isso que o tornavam a minha droga mais viciante, e eu poderia ter certeza disso, pois àquela altura, já havia provado todas.
Caminhei lentamente, não esboçando sorriso ou felicidade. Não havia motivo para isso, pois era a nossa rotina. Cheguei próximo a porta do carro, e através do vidro escuro de fumê, pude ouvir a porta ser destrancada com um 'Crec' que também me soava tão familiar.
Entrei e fechei-a, mas ainda permanecemos parados por algum tempo. A Rua estava deserta, escura e sem vida, como tudo aparentemente ao redor. A Loja da esquina era a coisa mais luminosa que podia ser vista, com seu Outdoor de neon que anunciava o nome do local.
Fora lá que eu comprei meus cigarros mais cedo.
Levei as mãos aos meus cabelos, desgrenhados e presos em um rabo de cavalo, e então os soltei. Os pesados cachos então viram a sua liberdade, se moldando da forma que melhor se sentiam confortáveis e assim caindo com uma cascata por minhas costas. Balancei a cabeça e passei as mãos pela fartura capilar que eu ostentava, tentando penteá-los inutilmente em sua teimosa rebeldia.
Desci o espelho do banco do passageiro e pude me ver, ou, pelo menos, aos meus olhos. Um Azul sem vida, sem amor e sem beleza. Não mais o Celeste de outrora, mas um Turquesa mórbido e gelado, como o homem ao meu lado.
Virei-me para ele, que terminava de tragar um cigarro. A Cabeleira ruiva, tão diferente da minha, era lisa e escorrida, o terno cinza e elegante indicava que ele estava vindo diretamente do trabalho para me ver, e o olhar sério e predador, que procurava algo na paisagem urbana deserta continuava a me evitar.
Eu só o observava, pois ele gostava de receber a minha atenção, embora raramente me desse a sua.
Lembro também dele jogar seu cigarro pela janela, soprar a fumaça da Alma, tão branca e leve como eu mesmo fizera, e só então voltar-se a mim.
Ah, aqueles olhos. Ele poderia ostentar riquezas com as quais eu meramente sonhava, mas sua alma estava tão morta quanto a minha.
Lembro da força dele, de como ele me pegava pelos cabelos com brutalidade, e mesmo vendo o brilho lacrimoso em meus olhos, ele não parava. Eu, obviamente, não reclamava, mesmo que não sentisse prazer. Eu não era masoquista, não o tipo de masoquista físico, por isso jamais sentira prazer naquilo. Em ser pego como se estivesse pegando há um animal. Em ser tratado como um lixo apenas para o prazer alheio.
Mas embora eu não fosse um masoquista físico, talvez eu fosse um masoquista sentimental. Eu gostava daquilo, porque ele gostava daquilo. Eu fazia aquilo, porque ele queria. Eu pertencia a ele, mesmo que ele não me quisesse.
Sempre assim... Sempre selvagem e dominador. Sempre me olhando como se não houvesse nada a sua frente, como se sua mão prendesse o ar, e não os meus cabelos. Sempre aquele barulho, o som do seu cinto desabotoando, da sua barguilha sendo aberta e sim, sempre o mesmo movimento brusco que me fazia ir de encontro ao seu membro.
Começávamos no carro e terminávamos em um Motel barato. Eu de quatro em cima da cama e ele me fodendo como uma cadela. Era isso o que eu era. Era frio, sem emoção, sem vida. Mas eu sentia prazer, embora muitas vezes somente dor, mas das poucas em que havia prazer, eu gostava, eu me entregava, eu me deixava levar, e claro, gemia para ele. Verdadeiramente.
Pude jurar uma vez de ter visto pelo reflexo do espelho na cabeceira da cama um leve sorriso em seu rosto. Havia uma satisfação ali, uma de me possuir, de me ter, de me fazer seu. E isso me fez sorrir também.
Eu não mentia para ele, talvez omitisse, mas não mentia. Meu corpo então, nem se fala. Diante de seus toques, meus músculos gritavam a verdade.
Era uma poesia ruim, a nossa relação era uma poesia ruim e inescrupulosa. Mas sabe, éramos aquele tipo de coisa que muitas pessoas achavam insana, doentia e errada, mas alguém, em algum lugar, veria a beleza ao final das contas. E por mim, eu torcia para que fosse ele. Pois eu já não tinha mais lágrimas para chorar, meus olhos estavam secos, e aquele era o meu castigo. O Castigo que eu amava receber, o castigo que eu dera a mim mesmo, e o Castigo que eu viveria até que um dia, se tornasse uma recompensa.
Mas o que mais me atormentava era uma única possibilidade... 'E se... nunca se tornasse uma recompensa?!'
Eu tinha medo da resposta, mas independente disso, eu continuava, eu seguia, eu dirigia pela estrada aberta da vida. Só fazia isso, eu só dirigia.
Renascendo das Chamas
Fiz uma careta feia quando terminei de provar o último gole da bebida. Era uma cerveja barata, de uma péssima qualidade, mas infelizmente, era a única que eu poderia comprar com a merreca de salário que eu ganhava naquele clube.
Estava em meu horário de intervalo, e nada mais justo para mim que trabalhei feito um condenado por quase uma noite inteira do que me permitir molhar a garganta um pouco. Pelo menos aquele 'mijo engarrafado' estava frio. E eu adorava o frio.
Lembrava-me do tempo em que eu ainda morava na Sibéria, e vivia reclamando da vida como um estúpido moleque mimado que eu era. “Nos Estados Unidos, todos conseguem seu lugar ao Sol. Nos Estados Unidos, todos encontram seu paraíso. Os Estados Unidos é o País das Maravilhas”, dizia eu, para mim mesmo, em minha burrice e inocência juvenil de época.
Nossa, como eu estava enganado. Eu até chegava a rir de mim mesmo quando lembrava-me das idiotices em que eu acreditava. Crianças realmente são inocentes, ingênuas, e por vezes burras, mas eu, nossa, extrapolei o que era aceitável nessa caracterização.
Eu sempre fui ingrato, comigo mesmo, com minha família, com a vida. E se existisse um “Deus”, como minha finada mãe vivia dizendo, ele deveria estar me castigando agora por todos os meus pecados. E se eu me lembro bem, eram muitos.
Lembro que via Nova York, Las Vegas e Hollywood pela TV e sonhava acordado com a vida que um dia eu viria a ter se por um acaso viesse para a América. Em época de Guerra Fria, eu seria enforcado em meu país, porquê mais patriota com os Estados Unidos do que eu era em minha desolada terra natal, era praticamente impossível.
Quando eu acordava, tudo o que eu via era uma terra mórbida, fria e sem vida, nada além de gelo por quilômetros e uns poucos pinheiros que teimavam em crescer naquele ambiente inóspito.
Agora, ao Sol da Costa Oeste, eu sentia falta daquele frio. Não que eu chegasse a ver o Sol. Sempre saía do expediente antes dele nascer, e quando acordava, já com o relógio mostrando ser mais tardio que o meio-dia, eu nunca abria a cortina, eu nunca via a sua luz, eu nunca sentia o seu calor. Eu poderia ver a luminosidade tentar invadir meu quarto pelas brechas do longo e pesado tecido escuro, mas nada além disso. Eu só saia quando era noite. Um Vampiro praticamente, uma criatura noturna. Eu era um filho da escuridão.
Lembro da morte de minha mãe. A que me fez virar cinzas. Sabe aquele ditado? Você nunca dá valor, mas quando perde, aí você finalmente consegue enxergar o quanto era vital para você. Pois é, foi tiro e queda para mim.
Após sua morte precoce, meu pai me criou, numa linha ainda mais dura e difícil do que quando ela ainda era viva. Seu coração esfriou com sua morte, e para meu azar ou não, o meu também. Gelo puro era o que restara das cinzas da minha existência.
A Morte dela, fora, sem dúvida, o ápice para essa minha passagem, e eu definitivamente não gostava de lembrar disso. Ah, maldita cerveja que sempre me fazia remoer o passado.
Lembro que quanto mais frio eu me tornava, mais ânsia do Sol eu tinha. Do Calor, da vida que um dia sonhei em ter. A Morte dela trouxe somente uma única coisa positiva para mim. A Determinação redobrada.
Meu inferno era frio como gelo, e eu tinha que escapar dali, mais depressa e mais convictamente do que eu almejava antes.
E quando a oportunidade apareceu, eu não deixei escapar. Ah, os olhos do meu pai. Frios e inexpressivos. Não me importei, os meus também estavam quando dei as costas e entrei naquele navio.
Um garoto branquinho, baixinho, de curtos cabelos loiros e olhos azuis tão secos quanto o interior daquelas rochas gélidas vagando pelo mar.
E o meu sonho americano?! Bem, só posso dizer que ficou nisso... “um Sonho”.
Senti nesse instante, um gordo asqueroso me segurar pelo braço. Um hálito de bebida e cigarro forte emanava de sua boca, juntos daquela voz torta que dizia “Vem cá seu puto safado, vem me chupar”.
Sim, eu não deveria ter feito aquilo, mas eu estava no meu intervalo, né?! E o Soco que ele levara e que o fez cair de imediato no chão fora merecido. Vi que ele ainda se remexia um pouco e constatei que ele estava bem. Não dei mais atenção e resolvi sair.
Alguns colegas saíam assustados com seus clientes dos quartos em que estavam atendendo e procuravam saber que estrondo fora aquele que ecoou por todo o local.
Eu não me importava, a música alta na boate abafara a situação, e para quem perguntasse, eu mentiria. Diria que ele caíra sozinho por estar bêbado em excesso. Estava tudo bem, era tudo sempre muito fácil, embora nem sempre tenha sido assim.
No começo foi complicado, eu tive que aprender da pior maneira que meu sonho era apenas uma ilusão, e que estava na hora do pobre menininho Russo crescer.
Sai de lá pelos fundos, dando de cara com o estacionamento do clube. Carros, motos e algumas amigas sendo fodidas rente a parede ao lado. Nada demais, uma visão corriqueira.
A Sensação térmica, no entanto, era tão familiar e reconfortante, que eu acho que dei meu primeiro sorriso da noite naquele momento. Talvez o meu primeiro sorriso desde que chegara aquele país. Eu não lembrava exatamente, e não estava nem aí. Eu poderia simplesmente dançar ao som de uma música que somente tocava em minha mente, mas fala sério, não era uma cena de filme, e se fosse, seria daqueles bem ruins.
Ouvi então o barulho de uma moto vir de algum lugar próximo da esquina. Deveria ser uma das antigas, porque os “pipocos” eram bem altos. Foi então que o vi. Um motoqueiro desconhecido aproximando-se e estacionando numa vaga sem dono no vão dedicado aos veículos de duas rodas.
Eu fiquei ali parado, vendo ele tirar o capacete e sacudir a cabeça. Forte, másculo, cabelos negros e uma expressão tão séria no rosto que poderia facilmente dar a impressão de que ele não era o tipo de homem com quem alguém queria esbarrar num beco escuro.
A Tatuagem em seu braço, era o mais notável. Uma Fênix. Uma ave mitológica que ao morrer, renascia das próximas cinzas. Eu sorri com a ironia. Sempre busquei meu lugar ao Sol, sempre procurei o calor, mas quando encontrei, o neguei. Eu sempre procurei renascer, sempre procurei me encontrar e superar tudo, e tudo o que eu havia feito fora me afundar mais, esperando que o peso da minha vida me destruísse de vez. Eu não me via renascer, eu só via as cinzas que eu havia me tornado, cinzas que não virariam uma bela Ave de Fogo, ah, não mesmo.
E perdido naqueles pensamentos, eu não percebi quando ele me encarou. Somente notei isso após um tempo, ali, parado, feito um idiota. Ele me olhava com intensidade, e eu podia jurar que via fogo em seus olhos. Ele deveria se perguntar o porquê deu estar o encarando tanto, afinal, eu havia me perdido no desenho da Fênix em seu braço, e não nele, mas querendo ou não, era para ele que eu estava olhando.
Eu também não fazia ideia de quanto tempo havia se passado e desde que momento ele havia percebido, mas o que era pior?! Ele, que para mim era um sujeito mal encarado, ou eu, um doido que fica parado encarando os outros sem motivo?!
Eu não me importa propriamente com o que ele estava pensando, afinal, “doido” seria um elogio comparado aos adjetivos com o qual já haviam me taxado na vida.
Mas ele estava lá, parado, me olhando, até que com um gesto de cabeça, me chamou, me indicando o banco do passageiro de sua moto.
Eu ainda tinha expediente, teria que voltar logo mais, e qualquer um em sã consciência jamais subiria na moto de um desconhecido com cara de Serial Killer como ele. Mas que o cretino era gostoso, ah, isso era... E eu sempre preferi atender homens como ele.
Todos teriam recuado, corrido ou negado com a cabeça num sinal claro de “não”!
Mas eu não era “todos”, eu não passava de cinzas. E estava na hora de ser jogado ao vento.
Caminhei com determinação e subi na garupa, agarrando a sua cintura, e assim ele me levou. Para aonde, eu não sei, apenas me levou em sua moto, com o Sol nascendo ao longe e colorindo de laranja o manto negro que encobria o céu.
Eu me sentia livre, me sentia bem, era estranho, mas era assim que era. Me sentia confortável, e em paz. A Luz do Sol, que eu realmente não via a tempos, estava pegando as cinzas frias que eu era, e descongelando, aquecendo-as e fazendo-as pegarem fogo. Eu estava renascendo?! Eu não sabia. Mas era... “Quente”.
Ele me levou até um local escondido em meio as rochas na autoestrada. Ali, ocultos entre as sombras, ele tomou meus lábios e me possuiu selvagemente.
As estocadas dele eram fortes e rítmicas, e apoiado em sua moto, eu sentia ele bombar cada vez mais intensamente. O Calor e a luz do Sol finalmente nos alcançando, minha pele e a dele se molhando de suor, e uma sensação única e indescritível.
Eu estava vivendo?! Era isso mesmo?! Ele não era um cliente, e eu sei que ele não pagaria, mas valeria a pena?! Sim, muito. Ele me levou pela estrada, ele estava me fodendo com gosto, ele me mostrou o Sol de quem eu tanto me escondi. E tudo o que eu tive que fazer foi ir com ele. Pela estrada aberta da vida. Dirigindo, somente dirigindo.
Tentação Proibida
Lembro que o Motorista me pegou em casa no horário combinado. Ele não era bem um motorista, e sim mais um dos pilantras que era capacho do meu marido.
Entrei no carro e segui em silêncio com ele até o trabalho do meu esposo. Era nítido, que ele me olhava pelo retrovisor, eu era realmente algo que não somente o meu homem, mas todos os outros desejavam ardentemente.
A Beleza andrógena, a semelhança com o corpo feminino, e as vantagens naturais de ser um homem eram o que haviam me levado aonde eu havia chegado. Não, eu não tinha orgulho disso, embora não me importasse propriamente devido ao conforto que me era proporcionado em vida.
Não almejava chegar aquilo, e não com “essa facilidade” Sempre fui ensinado, desde pequeno, a conseguir as coisas pelo meu esforço, pelo meu próprio mérito, pelo meu trabalho e com dignidade, mesmo a custo de suor e sangue.
Hah, quanta bobagem. Embora eu ainda tivesse alguma simpatia por essa linha de pensamento, ela me parecia de certa forma, antiquada e irreal. Pelo menos no mundo em que eu vivia, no mundo em que fui apresentado. De garoto do interior da Índia, a marido de um chefe do Crime em Los Angeles. Bela vida, não?! Sim, de fato era, e eu não reclamava. Nunca fui do tipo que me importava com o sangue derramado que me dava o sustento. Eu não conhecia as vítimas do negócio, e de uma coisa eu estava certo, de vítimas, elas não tinham nada.
Ninguém morria no Crime organizado gratuitamente. Todos eram úteis, até que se provasse o contrário, é claro. Meu marido nunca havia me falado nada sobre isso, e nem nunca comentava em casa os assuntos de trabalho. Isso fora algo que eu aprendi sozinho, por meio da observação. Pois embora ele não me envolvesse, também não me escondia nada caso eu chegasse a flagrar.
Não conversávamos a respeito. Ele não puxava assunto e eu não fazia perguntas. Eu era um marido exemplar. De Casa para o Shopping, ou mesmo para o Teatro, Cinema e qualquer outro lugar que me fosse interessante. Quase nunca acompanhado, claro. Mas seus capangas me vigiavam, tinham olhos em todos os lugares, e qualquer um que flertasse comigo, amanheceria em seguida morto em algum beco escuro.
Eu também não dava cabimento a ninguém. Sempre rejeitava outros pretendentes e afins. Pelo menos o conceito de fidelidade que me fora ensinado em casa eu ainda mantinha. Era um ser monogâmico e me orgulhava disso. Algo de minhas raízes, que era pregado por minha religião e muito defendido por meus familiares. As vezes, eu chegava a sentir que isso era a única coisa que ainda me ligava a eles. Pois se minha mãe me visse agora, desconheceria aquele homem que um dia chegou a chamar de filho.
Mas ela fazia vista grossa. Não que eu não soubesse, eu não era burro, apenas me fingia para melhor passar. Ela sabia que um contador, mentira essa que eu contei sobre a minha formação e forma de ganha-pão financeiro, não ganhava o suficiente para ter tudo o que eu tinha, e muito menos para mandar quantias tão substanciais para ela mensalmente, mas a minha esperteza e inteligência, eu tinha puxado dela, e assim como eu, ela também não fazia perguntas, embora fosse claro em sua expressão que ela tinha a certeza da ilegalidade de meus atos.
Enfim, não me preocupava. O Dinheiro à mantinha calada, o que trazia à tona a velha questão de que “todos tem seu preço”. E eu sabia bem disso, pois havia posto o meu em cheque e ele havia sido coberto. Eu havia sido comprado.
Claro, não havia nada que “aquele homem” não conseguisse, sendo ele quem era. E não pelo dinheiro ou pela riqueza, mas talvez por temer por minha vida que eu o aceitei.
Paramos em frente há um prédio velho que ficava no subúrbio da cidade. Aquela área em que ninguém se importaria se ouvisse um barulho de disparo ou mesmo um grito de dor.
Ele era dono de diversos hotéis e cassinos pela Região, mas as reuniões com os “parceiros”, sempre eram feitas em lugares como aquele. Eu achava uma tremenda falta de classe, mas o que poderia fazer?!
Desci do Carro, ainda sendo observado com desejo por aquele capanga e segui para a entrada. Era sempre assim, não importava com quantos homens eu cruzasse pelo caminho enquanto subia para os andares mais acima, e não importava o quanto eles tivessem suas predileções por mulheres ou mesmo fossem casados, os olhares sempre se voltaram para mim, e com aquele mesmo brilho de luxúria com que os olhos do meu marido me olhavam.
O que eu poderia fazer?! Delatar algum deles significaria matá-los. E meu esposo logo ficaria sem pessoal se fosse matar toda a sua força de trabalho. Pois não haviam exceções no frenesi que eu causava.
Eu, a princípio, não gostava da sensação. Era incômoda e desconfortável. Mas com o tempo, eu passei a adorar aquilo. Me sentia belo, poderoso e inigualável. Um deus entre aqueles mortais que somente poderiam se contentar com a minha presença e nada mais. Era arrogante, sim, era, mas o dinheiro muda uma pessoa, e de humilde, somente me restavam as lembranças da infância, onde eu era realmente um garoto puro.
Me sentia também muito maior e mais importante do que eu realmente era. Ser importante para meu homem, era ser importante para todos. A Vida de cada um deles estava nas minhas mãos. Meu homem era ciumento, em um nível absurdo. Dizer qualquer coisa, sobre qualquer um, mesmo uma mentira, seria o mesmo que puxar eu mesmo o gatilho da arma e sentenciar a vítima a morte. Eu tinha o poder de escolher quem vivia e quem morria, se assim eu quisesse, e por isso, os olhares não me incomodavam mais... Não quando eles me davam esse poder e me lembravam do meu potencial na posição privilegiada que eu tinha.
No entanto, havia um entre todos, que realmente me chamava a atenção. Ele me olhava com tanta afeição e desejo como os demais, mas incrivelmente, era o que menos demonstrava isso, mesmo quando estávamos a sós.
Seu nome era Ílias, um dos homens de confiança de meu marido. Cabelo curto, loiro bem claro, olhos verdes, um porte atlético invejável. Lembrava-me que já havia me tocado pensando nele, e hipocritamente, havia visto aquilo como “pecado”, como uma traição ao meu amado. Não que dentro do mundo em que eu vivia, houvesse realmente uma distinção aceitável de certo e errado, de Santidade e pecado.
De Santo, eu só tinha a cara, pois meu corpo e minha alma estavam repletos de pecados.
Lembro que ao finalmente chegar a sala onde meu marido discursava, eu me deparei com ele explicando algo aos comparsas.
Bati à porta de leve, que estava entreaberta, e sorri para ele, fazendo-o parar o eloquente discurso e sorrir para mim. Todos os presentes também me encararam surpresos. E no curto tempo em que estive ali, pude admirar o meu homem.
Aquele terno preto tão bem colado ao corpo musculoso. Os olhos azulados, o cabelo preto, que caía pelas costas como uma cascata. Meu homem era belíssimo, e a sua visão me excitava. E eu tinha certeza, ao mirá-lo nos olhos, que ele sentia o mesmo por mim.
Assim que ele retomou a palavra, disse que eu esperasse alguns poucos minutos, que logo mais sairíamos. Eu concordei e sai, deixando a porta entreaberta, como havia encontrado.
Me escorei no corredor e fiquei a esperá-lo. Foi quando tudo aconteceu. Ílias apareceu na outra extremidade, e nossos olhos se fitaram com intensidade. Eu correspondia ao que ele sentia, era isso? Não sabia, mais me sentia estranho perto dele, como se a velha sensação de desconforto voltasse a mim com intensidade naquele momento. Aquela velha sensação de quando comecei a acompanhar meu homem aos seus encontros. A sensação dos olhares cobiçosos.
Ele parou bem na minha frente, me encarou seriamente, como se pudesse ver a minha alma refletida nas minhas íris azuladas. Levou a mão de encontro há uma mecha de meu cabelo e a colocou para detrás da minha orelha. E eu?! Nada... Apenas deixava que ele fizesse o que queria. Lembro que engoli a seco quando ele caminhou com seu olhar dos meus olhos para a minha boca. Eu umedeci os lábios naquele momento e tratei de me ajeitar, de tomar uma posição mais comportada. Joguei meu longo cabelo dourado para detrás dos ombros e continuei a mirá-lo.
Ele era louco, ousado e audacioso por tentar algo assim. Nenhum dos outros, mesmo sentindo o mesmo que ele, jamais seria burro para tentar, e muito menos há uma distância tão curta de onde meu marido ainda conversava com os sócios.
Mas porque ele tentara?! E porque eu ainda não o havia repelido?! Sim, eu queria aquilo, e era difícil para mim admitir. Minha respiração estava mais forte agora e a medida que ele percebia isso, se aproximava de mim.
Ouvi então a porta se abrir, e meu marido, pasmo e com uma expressão furiosa, vislumbrar a cena da traição com seus olhos.
Eu o mirei, com os olhos suplicantes, e lhe estendi a mão. Minha expressão estava atemorizada diante de tudo. Ílias afastou-se bruscamente, me encarando com descrença. Eu o havia traído?! Sim! Havia. Antes ele do que meu marido. Antes a sua morte, que a nossa.
E foi o que aconteceu. Meu homem correu até mim e me abraçou, e como um ator digno de Oscar eu fiz o meu teatro, o que não somente garantiria a minha vida de luxos e opulências, como também me deixaria vivo para aproveitá-la.
Eu vi a mágoa no olhar de Ílias. E vi a força com que ele se debatia ao ser pego por três capangas de meu homem. Sim, ele sabia que eu correspondia a ele, e eu sabia também da minha culpa, mas meu marido não precisava saber disso, precisava?
E foi assim que o vi sendo arrastado para dentro de um quarto, e logo mais, meu marido me soltou, abrindo o paletó e retirando uma lustrosa arma dele. Caminhou em direção ao recinto e apontou a arma para a cabeça de Ílias.
Eu não tive coragem de olhar. Virei meu rosto e esperei. E me pareceu uma eternidade aquele silêncio todo, até que o som da morte me alcançou os ouvidos. E fora rápido e direto como uma bala.
Tudo me pareceu errado, tudo me pareceu sombrio, mas eu nada fiz a não ser permanecer quieto.
Meu homem me abraçou, me tirou de lá e me confortou. Disse que eu não precisava me preocupar. Que ninguém nunca mais se atreveria a me tocar. Que o único homem que me tocaria seria ele. Pobre coitado, será que isso se aplicaria a mim também?!
Eu até poderia ter as mãos limpas, mas não a consciência, eu até poderia não cometer o ato, mas deixava que outros cometessem por mim. Então, querendo ou não, eu era culpado.
Ele me levou para jantar. Foi casual e romântico. Era como se nada houvesse ocorrido, e isso me assustava, a naturalidade com que ele lidava com a morte.
Quando chegamos em casa, na calada da noite, com a penumbra tomando tudo, e ele me tomou, me beijou, me enlouqueceu, me levou para o quarto, e como meu marido que era, usou de suas responsabilidades para nos dar prazer. Me fodeu majestosamente, como só ele conseguia. Lembro-me de sentir o peso de seu corpo sobre o meu, da penetração rítmica e forte, da forma como ele mordia meus lábios e descia para o meu pescoço, e lembro de minhas mãos marcando suas costas com as unhas.
Eu lembrei dele, de Ílias, era errado, sim, mas eu devia isso a ele. E novamente, meu homem não tinha que saber, desse e de nenhum dos outros segredos que eu ocultava.
Um dia, quem sabe, eu pagaria por cada um deles, sim, era fato. Eu acreditava em Carma, em destino, no poder do Universo, e um dia tudo aquilo me seria cobrado. Mas por hora, eu apenas dirigia, pela estrada aberta da vida, sobrevivendo, lutando, vivendo um dia de cada vez, era tudo o que podia fazer. Era tudo o que me sobrara para fazer, e assim eu permanecia, somente a dirigir, dirigir e dirigir, sem parar jamais.
FIM
Autor(a): archer_beafowl
Este autor(a) escreve mais 22 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)Loading...
Autor(a) ainda não publicou o próximo capítulo