Fanfics Brasil - Se eu tivesse um mundo só meu... Her name is Alice

Fanfic: Her name is Alice | Tema: Alice no País das Maravilhas


Capítulo: Se eu tivesse um mundo só meu...

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13 DE SETEMBRO DE 1912, NOVA ORLEANS


         – Não fale comigo como se você fosse um exemplo de pai a ser seguido e eu fosse a vilã. – Minha mãe gritava com meu pai. Eu me encolhi no chão da cozinha. Eles pensavam que eu estava no quarto, e isso era bom. Só assim poderia ouvir o que eles realmente pensavam sobre nossa charada de família.


         – Você não é boa para ela. Ela tem que ir para a minha casa, talvez lá ela consiga ser uma garota normal. – Minha mãe riu, mas não era uma risada de alegria, era uma risada de escárnio, ironia. Frieza.


         – Nossa filha não é normal, Hector! Não seja tolo! – Senti minha garganta arder de raiva. Encolhi-me mais ainda, abraçando meus joelhos e escondendo meu rosto.


         – Nem eu seria normal tendo você como mãe, uma cretina que não dá a mínima pra própria filha. Você só quer ter a guarda dela para me afrontar. Acha que eu não entendi, Helene? – Meu pai aumentava o tom de voz à medida que sua raiva claramente também. – Cada dia um homem diferente. Por Deus, onde eu estava com a minha cabeça quando me casei com você?


         – Eu não sei, Hector! Me faço essa mesma pergunta toda vez que olho no espelho. Você não soube me amar, acha que sabe amar nossa filha? – Eu ouvi um estálido seco, semelhante à um tapa. Aproximei-me mais do L que o balcão formava, entrelaçando meus dedos em meus cabelos, sentindo falta de ar.


         – E você a ama, Helene? – Meu pai berrou. – Olhe bem para você. Esse delineador borrado, esse batom vinho, acha que isso é digno de uma mãe? Você tem vergonha de sua filha, mas devia ter vergonha de si mesma! Ela não precisa de tratamento, você precisa. Do que adianta pedir a benção do padre em todas as missas, mas trazer um homem diferente para cada refeição? Alice é perturbada por sua culpa. Você não vale muita coisa, mesmo. Não serve para ser mãe.


         – Você vem até a minha casa... Para me humilhar dessa forma? – Minha mãe perguntou com voz chorosa. – Hector, vá embora antes que eu chame a polícia. – Levantei-me do chão da cozinha, caminhando em passos lentos até a sala.


         – Eu não saio desta maldita casa sem Alice, Helene! – Minha mãe soltou um grito de raiva ao ouvir essa frase, desferindo vários socos em meu pai. Ele segurou nos pulsos dela, a empurrando no chão. – Então é assim que você gosta de resolver as coisas? Que honrável, Helene.


         – Me deixe em paz! – Minha mãe gritou desesperada.


         Eu subi as escadas correndo, quase tropeçando em meus próprios pés, na esperança de não ter chamado a atenção de ninguém. Na verdade, eu havia chamado a atenção de meu pai, que ouviu meus passos e veio atrás de mim enquanto chamava pelo meu nome. Eu não o atendi, entrando em meu quarto e trancando a porta.


         – Alice, abra. Vamos conversar. – Ele deu soquinhos na porta.


         – Vá para o inferno! – Gritei, chutando a porta com força. – Você e Helene. Vão para o inferno. – Tampei meus ouvidos.


         Eu ouvia a voz chorosa de minha mãe misturando-se com o timbre autoritário de meu pai, e ainda aquelas vozes malditas que insistiam em me dizer o que fazer, e nesse momento elas incentivavam minha vontade: me matar. Eu já havia escrito dezesseis cartas de suicídio. Dezesseis. Muitos podem pensar que é baboseira, mas tente conviver com demônios lhe dando ordens. Incentivando-o a matar sua família e a enterrar uma faca em seu próprio pulso. É meio impossível.


         Abracei meu travesseiro, encolhendo-me na cama e sussurrando alguma canção qualquer, tentando expulsar aquelas malditas vozes da minha cabeça. Em um fim de semana minha tia e meu tio me visitaram e, enquanto andávamos pela cidade, notei que não havia pessoas, de repente todas elas desapareceram e todos os prédios tinham desabado. Eu estava andando sozinha em uma cidade abandonada. Claro que isto não estava acontecendo de verdade, mas quando você está no meio de um episódio psicótico aquela experiência é a sua realidade. Não é estalando os dedos que tudo volta ao normal.


         Parei de cantarolar. As vozes haviam ido embora. Abri meus olhos. Meus pais sussurravam, mas ainda era possível ouvir o choro de minha mãe. Sentei-me na cama, olhando para fora da janela. O sol estava se pondo atrás do telhado da casa da família Wilson. Arranquei minhas sapatilhas vermelhas dos meus pés cansados, cruzando minhas pernas na cama e estalando meus os nós de meus dedos da mão. Ouvi a porta finalmente se abrir, mas não ousei virar-me para trás. Não queria saber quem era.


         Tal pessoa sentou-se ao meu lado, passando seu braço pelo meu ombro. Abaixei minha cabeça, deixando que minhas madeixas loiras escondessem meu rosto, que era uma bagunça de lágrimas e maquiagem borrada.


         – Alice, pode olhar para mim? – A voz de meu pai pediu. Neguei com a cabeça. – Não deve ficar contra mim, Alice. – Ele acariciou meu ombro. – Afinal de contas, não sou eu que quero colocá-la dentro de um sanatório.


         – Não tente fazer com que minha mãe seja a vilã da história. Ela não foi embora quando eu mais precisei. – Murmurei. Ele respirou fundo.


         – Sua mãe quer colocar você em um sanatório porque acha que você é uma vergonha pra ela, minha querida. E eu não quero isso. Quero fazer uma proposta. – Ele virou meu rosto, obrigando-me a encará-lo. – Venha morar comigo. A casa é grande, e eu tenho total certeza que Clarissa não se negará em aceitar sua moradia lá.


         – Quem é Clarissa? – Perguntei, arrancando um suspiro de meu pai. – Pai, quem é Clarissa?


         – Clarissa é minha esposa, pequena Alice. – Arregalei meus olhos.


         – Mas e mamãe? – Levantei-me da cama. – Por que se casou novamente? Mamãe e você não existe mais?


         – Deixou de existir há muito tempo, meu bem. Eu e sua mãe já somos adultos. Passou do tempo de brincadeiras, era hora de levar uma vida séria, e nunca poderíamos fazer isso juntos. Foi apenas uma paixão de infância que nós tentamos fazer dar certo, mas não deu, e nós aceitamos isso.


         – Se já são adultos, por que vivem brigando? Isso é coisa de criança. – Meu pai suspirou.


         – E o que você entende sobre isso, Alice? Por favor, vamos para a minha casa. Tudo o que eu menos quero é ver minha filha em meio a um bando de loucos. – Abaixei minha cabeça. – Ei Alice, você terá um irmãozinho. O nome dele é Simon. Ele é um doce. – Papai me puxou para o seu colo, beijando meus cabelos. – Tem um ano de idade, dá pra acreditar? – Ele sorriu, cheio de orgulho. Queria que seus olhos se enchessem de orgulho desse mesmo jeito ao falar de mim. Invejei Simon por alguns segundos. – E eu quero a minha nova família completa. O papai, – Ele pegou meus dedos, brincando com os mesmos enquanto falava. – a mamãe, o filhinho, e a filhinha. O que acha, princesa?


         Eu, com meus onze anos de pura inocência, deixei-me levar pelas palavras doces e ternas de meu pai. Os seus beijos em meus dedos e em meu rosto me deixaram mais segura e confortável, ansiosa para começar uma vida nova ao lado de uma família nova. Ele me ajudou com minhas bagagens, enquanto ria e comentava que eu estava linda nas vezes que eu colocava alguma roupa por cima do vestido lilás que eu estava usando e rodava como uma tola.


         Ao terminarmos de arrumar minhas mochilas, descemos as escadas. Minha mãe desceu logo atrás, usando um vestido colado, curto e vermelho, enxugando os olhos borrados com um lenço branco. Seus cabelos ruivos estavam bagunçados, e ela alternava o olhar cansado entre a figura de meu pai e meu rosto ansioso.


         – Parabéns Hector. – Ela dizia com a voz chorosa. – Você conseguiu o que queria: arrastar minha filha para longe de mim. A única coisa que eu tinha.


         – Tirando as orgias, não é mesmo Helene? – A mulher ruiva baixou o olhar. Meu sorriso se desmanchou assim que eu vi o olhar triste de minha mãe. – Vamos Alice. Clarissa está nos esperando.


         Mamãe entrou em casa, batendo a porta com força, sem beijos, abraços ou despedidas demoradas. Toda a animação que eu estava sentindo em passar algum tempo com meu pai evaporou como fumaça. Eu não queria chatear mamãe, mas eu nem sabia qual dos dois falava a verdade, afinal. Os meus 11 anos me diziam que aquela havia sido a melhor opção.


4 DE JULHO DE 1913, NOVA ORLEANS


         – Alice, vai querer alguma coisa da feirinha, meu amor? – Clarissa perguntou sorridente.


         – Traga-me bolinhos de nozes. – Ela assentiu.


         Desde que eu me mudara da casa de mamãe as vozes não me incomodavam mais. Meu pai e Clarissa formavam um casal bonito, e eram inseparáveis. Faziam quase tudo juntos, e o amor deles não mudou quando eu cheguei, pelo contrário. Clarissa adorava crianças, e gostou da ideia de ter uma “companhia feminina”, como ela gostava de me chamar.


         Clarissa era uma garota com 26 anos de idade. Um pouco nova demais para o meu pai, mas o que é a idade quando se tem o amor? Ela possuia um rosto de boneca, com olhos castanhos esverdeados e cabelos loiros, com madeixas onduladas, que caiam em seus ombros. Ela usava vestidos bufantes, e poderia ser confundida facilmente com uma princesa dos livros de conto de fadas que mamãe costumava ler pra mim quando não tinha homens lá em casa.


         A nova esposa de papai ensinava-me tudo que uma boa garota de nossa época precisava saber. Absolutamente tudo. Aprendi a costurar, a tricotar, pintar, bordar, a ter postura enquanto andava – ela me ensinou isso me fazendo andar pela sala de dança com um livro de receitas de uma de suas criadas em cima da cabeça. Também me comprou vestidos mais longos, laços para cabelo e sapatilhas novas. Ela brincava comigo e com meu pai dizendo que eu era sua boneca. Uma boneca grande e falante.


         Era a primeira vez que eu ficaria sozinha com Simon. Meu pai trabalhava na loja de Sr. Cortez, pai de Clarissa. Era uma loja de artesanato em madeira. Sr. Cortez havia me dado um baú de presente, onde eu poderia guardar, de acordo com ele, todas as minhas roupas, ou brinquedos, como preferisse. E Clarissa precisava ir até a feirinha da cidade comprar laços para seus novos chapéus, saltos para os bailes da semana que vem, comida e perfumes, já que eu insistira para que não pasássemos na bótica semana passada, já que o cheiro de incenso de citronela que acendiam por lá me fazia ter enjoo.


         Simon era uma criança esperta, e havia feito dois anos mês passado. Ele sabia pronunciar “mamãe”, “papai”, e pronunciava meu nome como “Aliche”. Eu gostava dele, e a presença dele não era indesejável, já que as vozes haviam parado de me dizer o que fazer.


         – Alice! – Ouvi uma voz feminina me chamar.


         – Achei que já tinha ido, Clarissa. – Virei meu olhar para a porta, mas Clarissa não estava ali.


         Andei até a cozinha, com a intenção de sentar-me com as criadas e conversar um pouco, ou ajudá-las com alguma tarefa mais leve. Ás vezes elas me deixavam descascar as batatas, ou catar os feijões que os homens traziam de seu trabalho braçal, mas a cozinha estava vazia. Apenas uma senhora negra estava ali, tomando chá.


         – Onde estão os outros? – Perguntei.


         – Foram à missa, pequena Alice. – Sorriu ternamente.


         – Eu nunca a vi por aqui, como sabe meu nome? – Observei.


         – Eles falam muito sobre você. Dizem que você é uma menina dócil, e que Helene era louca por querer colocar-te em um manicômio. – Ela se levantou com cuidado, apoiando-se em sua bengala. – Será mesmo que ela era louca, Alice? Ou a louca por aqui é você? – Arregalei meus olhos, me afastando.


         – Eu não sou louca. E como você conhece a minha mãe? – Peguei alguma coisa que estava em cima do balcão da cozinha. Olhei rapidamente para a minha mão, dando-me conta de que pegara uma faca.


         – Oh, eu conheço muita gente, Alice. Muita gente. Mas eu passei um bocado de tempo tentando conhecer você, mas você não tem muito a oferecer, não é mesmo? És louca. – Neguei com a cabeça. – Claro que és, Alice. Que tipo de pessoa normal pensa em matar Simon?


         – Eu não penso em matá-lo. – Eu disse, sentindo um nó em minha garganta. Clarissa era uma ótima pessoa, e eu nunca havia pensado em matar Simon. – Vai embora! – Gritei.


         – Se não pensa em matá-lo, por quê está com uma faca em sua mão? – Ela perguntou. Eu olhei pra minha mão, tentando soltar a faca, mas não conseguia. – Você quer matá-lo, Alice.


         – Eu não quero matar Simon, eu quero matar você! – Ela riu.


         – Me matar? Como pretende me matar, pequena Alice? Sou somente um fruto de sua tola imaginação. – Ela se aproximou de mim. – Seu pai ama mais a Simon do que a você. Ele disse isso semana passada. “Ah, eu posso amar Alice, mas Simon é o meu menino”. Hector está cego de amor pelo moleque. Você devia tomar providências, Alice. Ou vai acabar sendo a segunda opção. – Tampei meus ouvidos.


         – Eu não ligo! Simon merece amor, e você merece a morte. Vá embora! – Eu senti sua mão gélida e áspera capturar a minha. Soltei um grito. Ela apertou minha mão, me conduzindo até a cama de Simon.


         O menino de cabelos castanhos encaracolados dormia como um anjo. Ele puxara o formato do rosto de Clarissa, e tinha os olhos azuis do meu pai. Ele também tinha a pele branca e as bochechas rosadas. Eu senti lágrimas rolando pelas minhas bochechas.


         – Mate-o, Alice! – A senhora disse em meu ouvido. – O papai sempre te defende. Ele não vai ligar. Ele sabe que você é louca, e por isso te trouxe pra essa casa, pra que você fosse uma garota normal, mas todos sabemos que você nunca irá conseguir. Mate-o!


         – Cale a boca. Não vou matá-lo. – Sussurrei, tentando não acordar Simon. – Você não pode me obrigar.


         – Se não quer matá-lo... – Ela pegou minha mão armada com uma faca e a aproximou do rosto de Simon. – Por quê está com a faca tão próxima do rostinho lindo dele? – Eu tentei afastar minha mão do rosto de Simon. – É tão simples, Alice. É só enfiar a faca no pescoço ou no pulso dele. Vai ser rápido. Ele nem vai perceber.


         Fechei meus olhos com força. Minha cabeça pesava, e a ideia de matar Simon e ser a favorita do papai novamente martelava em minha cabeça. Clarissa era jovem, poderia ter outro filho, e só se passaram dois anos depois do nascimento de Simon, eles não o amavam tanto assim. Não iriam ligar. Eu tinha 12 anos, era mais importante do que ele.


         – Mate logo, Alice. – A senhora soprou em meu ouvido.


         Subi na cama de Simon com lágrimas no rosto. A senhora sorria, me incentivando a fazer o que eu menos queria até pouco tempo. Abaixei meu rosto, depositando um beijo na bochecha macia de Simon. Eu queria que alguém chegasse agora. Clarissa, meu pai, ou algum criado, e simplesmente tirasse Simon de perto de mim.


         – Eu não quero fazer isso. – Murmurei, a senhora riu.


         – Mas vai fazer. Ande logo, Alice. Seu pai está a caminho de casa. Ele vai ser o primeiro a ver. Pra defender você, ele vai esconder o corpo e te abraçar. – Neguei com a cabeça. – Não vai fazer? Pois bem. – Ela pegou a faca da minha mão. – Eu faço!


         – Não! Pare!


         Eu tentei ir para cima da idosa, dar um chute em sua bengala seria uma boa forma de começar, mas era tarde demais. Ela enterrou a faca no pescoço de Simon, o fazendo abrir os olhos abruptamente. Eu tentei ir até Simon, mas a bruxa velha segurou meu braço com força, não deixando que eu tentasse salvá-lo. A última coisa que eu vi antes de tudo ficar preto foi o olhar perdido de Simon e o sorriso da senhora desaparecendo.


         Acordei com alguém sacudindo meus ombros, enquanto gritava comigo com uma raiva tremenda. Eu arregalei meus olhos ao ver que Clarissa estava com o cabelo completamente desgranhado e com a maquiagem leve borrada.


         – Seu demônio! – Ela gritou, enfurecida, antes que algum empregado tirasse suas mãos de mim. – Eu nunca devia ter concordado com a ideia de seu pai. Trazer uma louca como você para a minha casa. Matou meu filho! O meu filho! – Ela gritava, enquanto os criados tentavam acalmá-la.


         Levantei-me do chão, tentando entender o que estava acontecendo. Todos os empregados da casa me encaravam como se eu fosse algum inseto indesejável, que precisava ser exterminado o mais rápido possível. Olhei para a minha saia branca, que estava completamente manchada de vermelho sangue. Minhas luvas também estavam, e tudo que eu precisava era sair correndo dali, o mais rápido possível.


         – Desculpe-me. – Eu murmurei, os empregados negaram com a cabeça. Alguns voltaram aos seus trabalhos, outros tentavam acalmar Clarissa e tirá-la de perto do corpo sem vida de Simon. – Clarissa, eu... Eu não queria machucá-lo.


         – Ora, vá para o inferno! – Ela gritou com ódio, fazendo com que eu me afastasse assustada. – Assim que o seu pai chegar você vai embora dessa casa! Não me importa o fato de sua mãe ser uma prostituta ou se você vai crescer traumatizada com isso. Eu não me importo! – Ela gritava. Seu rosto estava vermelho, e sua respiração estava descompassada.


         Meu pai chegou apressado, com a respiração ofegante e com a roupa bagunçada. Clarissa o abraçou, afundando o rosto molhado de lágrimas em seu pescoço. Ele arregalou os olhos ao ver minha roupa suja de sangue, e varreu o quarto inteiro com seus olhos azuis em busca de uma explicação, até ver o corpo morto de seu filho, com uma faca enterrada no pescoço. Ele empaledeceu, voltando seu olhar para mim em seguida.


         – Alice... Como pôde? – Ele perguntou sem forças, enquanto seus braços estavam congelados na cintura de sua esposa.


         Uni todas as forças que ainda restavam em mim e corri até a cozinha, abrindo a porta e correndo até o quintal, sentindo as lágrimas molharem meu rosto e minhas madeixas loiras grudarem em minhas bochechas por conta de estarem úmidas. Corri o mais depressa que pude, não ligando para encontros desagradáveis no meio do quintal e se alguém reparasse nas minhas roupas sujas de sangue.


         Eu não tinha um destino certo. Apenas corria, sentindo meus pulmões em chamas, e minha energia se esgotando. Até que minhas pernas pediram clemência, e eu só parei para descansar porque tinha certeza de que estava bem longe da casa de Clarissa. Eu não queria ir para o manicômio, mas talvez lá fosse o meu lugar.


         Sentei-me abaixo de uma árvore, sentindo minha cabeça doer e meus olhos se encherem de lágrimas ao me lembrar da morte de Simon. Ele não merecia aquilo. Ninguém merecia me ter por perto. Eu era como uma maldição: Tudo o que eu tocava era destruído. Eu chorava copiosamente, sentindo o pesar em meus ombros. Sentindo a culpa. O gosto dela era amargo. Fechei meus olhos com força, jogando minha cabeça pra trás. Olhei para minhas mãos, tirando minhas luvas brancas e as jogando para longe. Uma delas caiu dentro de um buraco, perto das raízes da grande árvore.


         Eu enxuguei meu rosto, engatinhando até perto do buraco. Procurei por algo que pudesse jogar lá dentro, para ver se era um poço ou somente um buraco. Encontrei uma pedrinha. A peguei e a joguei lá embaixo, aproximando meu ouvido do buraco em seguida. Não ouvi barulho de água, muito meno da sua chegada ao chão. Não havia chão? Aproximei meu ouvido mais ainda do chão, mas então eu acabei por me desequilibrar e cair lá dentro.


         “Nossa filha não é normal, Hector!”


         “Você não soube me amar, acha que sabe amar nossa filha?”


         “Você tem vergonha de sua filha, mas devia ter vergonha de si mesma!”


         Todas essas frases ecoavam pela minha cabeça enquanto eu caia no buraco. Caia, caia, caia, e nunca chegava ao final. Eu gritava, entrando em desespero, como me tirariam dali depois? Uma luz iluminou meu rosto, e eu vi o rosto de Simon, o que fez um nó se formar na boca do meu estômago. Virei meu rosto, vendo xícaras de chá sendo servidas, eu peguei uma sorrindo, mas dentro delas havia um conteúdo vermelho, que se parecia muito com sangue, o que me fez soltar abruptamente.


         Eu fechei meus olhos com força quando ouvi a risada de Simon, tampando meus ouvidos com mais força ainda, até que senti minha cabeça ir de encontro ao chão. Meus olhos pesaram, e eu vi tudo ficar escuro.


         Assim que abri meus olhos, senti minha cabeça doer. Levantei-me do chão com dificuldade, tentando entender o que estava ao meu redor. Era um campo amplo e florido, com árvores coloridas e flores ao redor. Antes de começar a andar, eu me certifiquei de que minhas pernas não me trairiam durante esse ato, já que eu corri durante muito tempo e estava muito cansada.


         Era tudo lindo ali. Beija-flores voavam animadamente, enquanto outras espécies de pássaros que eu não reconheci cantarolavam. O dia estava ensolarado, diferente do tempo de onde eu havia vindo, que estava nublado. Era estranho.


         – Ei, menina. – Ouvi uma voz feminina me chamar, procurei de onde vinha, mas não achei ninguém. – Aqui embaixo.


         Olhei para baixo, vendo uma espécie de fada em cima de um girassol, ela indicou que eu me aproximasse. Sentei-me no chão de ladrilhos, sorrindo pra ela.


         – Olá querida. Qual o seu nome? – Ela agitou as asinhas amarelas.


         – Alice Laurier, mas pode me chamar somente de Alice. – Ela bateu palmas, animada.


         – A rainha disse que você viria. Ela estava muito animada com essa ideia, e espalhou para todo o reino. Disse que você precisava de ajuda, e seria uma honra para ela lhe ajudar! – Franzi o cenho.


         – Como ela me conhece? – Perguntei curiosa.


         – Que tal descobrir? Fale com Cheshire. Ele poderá lhe ajudar. – Sorriu.


         – Obrigada. Com licença. – Levantei-me, voltando a caminhar pelos ladrilhos dourados.


         Eu me sentia confortável ali. Por um momento me fez esquecer de todos os problemas que eu havia colecionado em Nova Orleans. Era como um abrigo, e eu tinha a esperança de conseguir voltar ali mais vezes. Ainda estava confusa sobre como havia vindo parar aqui, ou como sairia dali, mas isso era futuro, e eu gostava de pensar no presente, mesmo que o passado que envolvia Simon resolvesse me assombrar durante meu passeio. Eu me sentia triste por Clarissa e Hector. E envergonhada por mim mesma.


         Avistei a silhueta de um menino. Ele usava uma jardineira roxa e uma blusa azul, enquanto marchava para lá e para cá, como se tomasse conta de algo. Eu cocei minha garganta, com a intenção de chamar sua atenção. Ao me ver ele abriu um sorriso, grande e caloroso.



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Autor(a): imnotbiah

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