Fanfics Brasil - Capítulo 15 (3ª Temporada) Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.)

Fanfic: Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.) | Tema: Série Divergente


Capítulo: Capítulo 15 (3ª Temporada)

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Dul



Tiro a foto do bolso. O homem diante de mim, David, está nela, ao lado da minha mãe, com o rosto um pouco menos enrugado e um pouco mais magro.
Cubro o rosto da minha mãe com a ponta do dedo. Toda a esperança dentro de mim já desapareceu. Se minha mãe, meu pai ou meus amigos estivessem vivos, eles estariam nos esperando na porta. Eu deveria saber que o que aconteceu com Amah, seja lá o que foi, não poderia se repetir.
– Meu nome é David. Como Zoe já deve ter lhes informado, sou o líder do Departamento de Auxílio Genético. Tentarei ao máximo explicar as coisas – diz ele. – A primeira coisa que vocês devem saber é que as informações que Edith Saviñón lhes ofereceu são apenas parcialmente verdadeiras.
Ao falar o nome “Saviñón”, ele pousa os olhos em mim. Meu corpo estremece de ansiedade. Quando vi aquele vídeo, fiquei desesperada por respostas e estou prestes a ouvi-las.
– Ela lhes deu apenas as informações de que vocês precisavam para alcançar os objetivos necessários para os nossos experimentos – diz David. – E, em muitos casos, isso significou simplificar em excesso, omitir e até mentir. Agora que vocês estão aqui, nada disso será mais preciso.
– Vocês não param de falar sobre “experimentos” – diz Christopher. – Que experimentos?
– Sim, já vou falar sobre isso. – David olha para Amah. – Por onde eles começaram quando explicaram isso a você?
– Não importa por onde você começa. Não há como isso ser fácil de aceitar – diz Amah, cutucando suas cutículas.
David considera a sua resposta por um instante, depois pigarreia.
– Há muito tempo, o governo dos Estados Unidos...
– Os estados o quê? – pergunta Uriah.
– É um país – diz Amah. – Um país grande. Tem fronteiras estabelecidas e seu próprio governo, e estamos no meio dele agora. Podemos falar sobre isso mais tarde. Continue, senhor.
David aperta o dedão contra a palma da mão e a massageia, claramente incomodado com todas as interrupções.
E recomeça:
– Há alguns séculos, o governo deste país se interessou em incutir certos  comportamentos desejáveis em seus cidadãos. Estudos haviam indicado que tendências violentas poderiam ser explicadas em parte pelos genes de uma pessoa. Um gene denominado “assassino” foi o primeiro deles, mas houve muitos outros, como predisposições genéticas para covardia, desonestidade, falta de inteligência. Ou seja, todas as características que acabam contribuindo para uma sociedade degradada.
Eles nos ensinaram que as facções foram formadas para resolver um problema, ou seja, o problema das nossas naturezas falhas. Parece que as pessoas que David está descrevendo, seja lá quem forem, também acreditavam nesse problema.
Sei muito pouco sobre genética, apenas o que posso ver passando de pais para filhos, no meu rosto e nos rostos dos meus amigos. Não consigo imaginar alguém isolando um gene de assassinato, covardia ou desonestidade. Essas coisas parecem nebulosas demais para terem uma localização concreta no corpo de uma pessoa. Mas não sou nenhuma cientista.
– É claro que há muitos fatores que determinam a personalidade de uma pessoa, como a criação e as experiências – continua David. – Apesar da paz e prosperidade que reinavam neste país quase um século atrás, pareceu vantajoso para nossos antepassados reduzir através da correção os riscos de que essas qualidades indesejáveis surgissem em nossa população. Ou seja, editaram a humanidade.
– Foi assim que nasceu o experimento de manipulação genética. Para que qualquer tipo de manipulação genética se manifeste, são necessárias várias gerações, mas as pessoas foram selecionadas da população geral em grandes números, de acordo com seus históricos e comportamentos, e elas tiveram a opção de dar um presente para as futuras gerações, uma alteração genética que tornaria seus descendentes um pouquinho melhores.
Olho para as outras pessoas. Peter está torcendo a boca com desdém. A testa de Caleb está franzida. Cara está boquiaberta, como se estivesse faminta por respostas e tivesse a intenção de retirá-las do ar. Anahí parece simplesmente desconfiada, com uma sobrancelha erguida, e Christopher está encarando os sapatos.
Sinto que não estou ouvindo nada de novo, apenas a mesma filosofia que originou as facções, só que neste caso levando as pessoas a manipularem seus genes, em vez de se separarem em grupos de acordo com suas virtudes. Eu entendo. De certa forma, até concordo. Mas não entendo o que tem a ver conosco aqui e agora.
– Mas, quando as manipulações genéticas começaram a fazer efeito, as alterações tiveram consequências desastrosas. Ocorre que a experiência resultou não em genes corrigidos, mas em genes danificados – diz David. – Se você tira o medo, a falta de inteligência ou a desonestidade de uma pessoa... acaba tirando também a sua compaixão. Se você tira a agressividade de uma pessoa, tira também a sua motivação ou a sua habilidade de se impor. Se você tira o egoísmo de uma pessoa, tira também seu senso de autopreservação. Se vocês pensarem a respeito, tenho certeza de que entenderão exatamente sobre o que estou falando.
Listo cada uma das qualidades na minha cabeça conforme ele as menciona: medo, falta de inteligência, desonestidade, agressividade, egoísmo. Ele está mesmo falando sobre as facções. E tem razão em afirmar que cada facção perde algo ao ganhar uma virtude: a Audácia, corajosa, mas cruel; a Erudição, inteligente, mas vaidosa; a Amizade, pacífica, mas passiva; a Franqueza, honesta, mas insensível; a Abnegação, altruísta, mas sufocante.
– A humanidade nunca foi perfeita, mas as alterações genéticas pioraram as coisas. Isso se manifestou no que chamamos de Guerra da Pureza. Uma guerra civil, travada por quem tinha genes danificados contra o governo e todos os que tinham genes puros. A Guerra da Pureza causou um grau de destruição sem precedentes no território americano, dizimando quase metade da população do país.
– A imagem está disponível – diz uma das pessoas sentadas a uma das mesas na sala de controle.
Um mapa aparece no monitor sobre a cabeça de David. É uma forma que não conheço, e não sei ao certo o que representa, mas está coberta com áreas de luzes rosa, vermelhas e marrons.
– Este é o nosso país antes da Guerra da Pureza – explica David. – E isto é
depois...
A luzes começam a desaparecer, e as áreas iluminadas encolhem, como poças secando sob o sol. De repente, percebo que as luzes representam pessoas.
Pessoas desaparecendo, suas luzes se apagando. Encaro o monitor, sem conseguir assimilar uma perda tão substancial.
– Quando a guerra por fim terminou – continua David –, a população exigiu uma solução permanente para o problema genético. E foi assim que o Departamento de Auxílio Genético foi formado. Com todo o conhecimento científico do nosso governo ao seu dispor, nossos predecessores desenvolveram experimentos para restaurar a humanidade ao seu estado de pureza genética.
– Eles pediram que indivíduos geneticamente danificados se apresentassem, para que o Departamento pudesse alterar seus genes. Em seguida, eles foram colocados em ambientes seguros, onde ficariam por um longo período, equipados com versões básicas dos soros para ajudá-los a controlar sua sociedade. Eles esperariam pela passagem do tempo, pela passagem das gerações, para que cada uma produzisse seres humanos mais geneticamente curados. Ou, como vocês os conhecem agora... Divergentes.
Desde que Maite me falou sobre o termo usado para definir o que sou, Divergente, quero saber o que significa. E eis a resposta mais simples que recebi: “Divergente” significa que meus genes estão curados. Puros. Inteiros. Eu deveria me sentir aliviada por enfim saber a resposta. Mas sinto apenas que algo está fora do lugar, uma voz no fundo da minha mente.
Pensei que “Divergente” explicasse tudo o que sou e tudo o que posso ser.
Talvez eu estivesse errada.
Começo a perder o fôlego à medida que as revelações penetram a minha mente e o meu coração e que David desvela as camadas de mentiras e segredos.
Levo a mão ao peito para sentir o meu coração e tentar me controlar.
– Sua cidade é um desses experimentos de cura genética e de longe o mais bem-sucedido, por causa da extensão de modificação comportamental. Ou seja, as facções. – David sorri para nós, como se devêssemos nos orgulhar disso, mas não sinto orgulho. Eles nos criaram, moldaram o nosso mundo, nos disseram no que deveríamos acreditar.
Se eles nos disseram no que deveríamos acreditar, e não concluímos isso
sozinhos, será que continua sendo verdade? Aperto a mão com mais força contra
o peito. Controle-se.
– As facções foram uma tentativa dos nossos predecessores de incorporar um elemento de “estímulo” ao experimento. Eles descobriram que a mera correção genética não era suficiente para alterar a maneira como as pessoas se comportavam. Uma nova ordem social, combinada à modificação genética, foi determinada como a solução mais completa para os problemas comportamentais decorrentes da danificação genética.
O sorriso de David desaparece quando ele olha para todos nós. Não sei o que ele esperava. Que sorríssemos de volta? Mas ele segue em frente:
– Mais tarde, as facções foram introduzidas na maioria dos nossos outros experimentos, três do quais continuam ativos. Nós nos esforçamos muito para proteger e observar vocês e também para aprender com vocês.
Cara corre as mãos por cima do cabelo, como se procurasse fios soltos. Sem encontrar nenhum, ela diz:
– Então, quando Edith Saviñón disse que deveríamos determinar a causa da nossa Divergência e deixar a cidade para ajudar vocês, aquilo foi...
– “Divergente” é o nome que decidimos dar àqueles que alcançaram o nível desejado de cura genética – explica David. – Queríamos nos certificar de que os líderes da sua cidade os valorizassem. Não esperávamos que a líder da Erudição começasse a caçá-los, ou que a Abnegação revelasse a ela o que eles são. E, ao contrário do que disse Edith Saviñón, nunca planejamos de fato que vocês nos enviassem um exército Divergente. Afinal, não precisamos da sua ajuda.
Precisamos apenas que seus genes curados permaneçam intactos e que sejam passados para as gerações futuras.
– Então, você está dizendo que quem não é Divergente é danificado – diz Caleb. Sua voz soa trêmula. Nunca pensei que veria Caleb prestes a chorar por algo assim, mas estou vendo agora.
Controle-se, digo a mim mesma, depois respiro fundo, bem devagar.
Geneticamente danificado, sim – diz David. – No entanto, ficamos surpresos em descobrir a eficácia do componente de modificação comportamental do experimento da nossa cidade. Há até pouco tempo, ele ajudou bastante a solucionar os problemas comportamentais que em princípio tornaram a manipulação genética problemática. Portanto, de maneira geral, seria impossível saber apenas pelo comportamento de uma pessoa se os seus genes são danificados ou curados.
– Sou inteligente – diz Caleb. – Você está dizendo que, como meus
antepassados foram alterados para serem inteligentes, eu, seu descendente, não posso ser compassivo por completo. Eu, e todas as outras pessoas geneticamente danificadas, somos limitados por nossos genes danificados. E os Divergentes não.
– Bem – diz David, levantando o ombro. – Pense bem.
Caleb olha para mim pela primeira vez em dias, e eu o encaro de volta. Será que essa é a explicação para sua traição: seus genes danificados? Como uma doença que ele não é capaz de curar ou controlar? Isso não me parece certo.
– Genes não são tudo – diz Amah. – Pessoas, inclusive as geneticamente danificadas, fazem escolhas. É isso que importa.
Penso em meu pai, nascido na Erudição, e não Divergente; um homem que não tinha outra escolha senão ser inteligente escolhendo a Abnegação, encarando uma batalha para a vida toda contra a sua própria natureza e vencendo-a no fim. Um homem em guerra consigo mesmo, assim como eu estou em guerra comigo mesma.
Essa guerra interna não parece produto de danos genéticos, mas é completa e puramente humana.
Olho para Christopher. Ele está tão esgotado, tão curvado, que parece prestes a desmaiar. E não é o único: Anahí, Peter, Uriah e Caleb também parecem atordoados. Cara está beliscando a bainha da camisa, passando o dedão pelo tecido e franzindo a testa.
– É muita informação para vocês processarem – diz David.
Muita informação é pouco.
Ao meu lado, Anahí bufa.
– E vocês passaram a noite inteira acordados – continua David, como se ninguém o tivesse interrompido. – Portanto, vou levá-los a um lugar onde possam descansar um pouco e comer.
– Espere – digo. Penso na foto em meu bolso e em como Zoe sabia o meu nome quando a entregou para mim. Penso sobre o que David disse, sobre nos observar e aprender conosco. Penso nas fileiras de monitores desligados, bem diante de mim. – Você disse que tem nos observado. Como?
Zoe comprime os lábios. David acena com a cabeça para uma das pessoas atrás dele. De repente, todos os monitores se acendem, cada um deles mostrando a imagem de uma câmera diferente. Nas que estão mais perto de mim, vejo a sede da Audácia. O Merciless Mart. O Millenium Park. O Edifício Hancock. O Eixo.
– Vocês sempre souberam que membros da Audácia observam a cidade com
câmeras de segurança – diz David. – Bem, nós também temos acesso a essas
câmeras.
Eles têm nos vigiado.


 


 


 


                                                                  + + +


 


 


 


Penso em ir embora.
Passamos em frente ao posto de verificação de segurança a caminho do lugar para onde David está nos levando, e penso em passar por ele de novo, pegar a minha arma de volta e fugir deste lugar, de onde eles têm me vigiado. Desde a minha infância. Meus primeiros passos, minhas primeiras palavras, meu primeiro dia de aula, meu primeiro beijo.
Vigiando quando Peter me atacou. Quando minha facção foi colocada sob o efeito de uma simulação e transformada em um exército. Quando meus pais morreram.
O que mais eles viram?
A única coisa que me impede de fazer isso é a foto no meu bolso. Não posso ir embora sem antes descobrir como essas pessoas conheciam a minha mãe.
David nos guia pelo complexo até uma área carpetada, com vasos de plantas dos dois lados. O papel de parede é velho e amarelado, descascando nos cantos.
Seguimos David até um aposento grande, com o pé direito alto, chão de madeira e luzes de um amarelo-alaranjado. Catres estão organizados em duas fileiras retas, com baús ao lado para as coisas que trouxemos conosco, e há enormes janelas com cortinas elegantes do outro lado do cômodo. Quando me aproximo, percebo que as pontas das cortinas estão gastas e puídas.
David diz que esta parte do complexo costumava ser um hotel ligado ao aeroporto por um túnel e que este costumava ser o salão de baile. Mais uma vez, as palavras não significam nada para nós, mas ele parece não notar.
– É claro que esta é apenas uma acomodação temporária. Quando vocês decidirem o que fazer, nós os acomodaremos em outro lugar, seja neste complexo ou não. Zoe se certificará de que vocês sejam bem-cuidados – diz ele.
– Voltarei amanhã para ver como estão.
Olho para Christopher, que está andando de um lado para outro em frente às janelas, roendo as unhas. Nunca percebi que ele tinha esse hábito. Talvez nunca tenha estado estressado a este ponto.
Eu poderia ficar aqui para tentar oferecer algum conforto a ele, mas preciso de respostas a respeito da minha mãe e não vou esperar mais. Sei que Christopher, em especial, vai entender. Sigo David até o corredor. Do lado de fora do salão, ele se apoia na parede e coça a nuca.
– Olá – digo. – Meu nome é Dul. Acho que você conheceu a minha mãe.
Ele toma um susto, mas sorri para mim. Cruzo os braços. Sinto a mesma coisa que senti quando Peter arrancou a minha toalha durante a iniciação da Audácia só por crueldade: exposta, envergonhada, irada. Talvez não seja justo direcionar tudo isso a David, mas não consigo evitar. Ele é o líder deste complexo, do Departamento.
– Sim, é claro. Eu reconheci você.
De onde? Das câmeras sinistras que seguiam todos os meus movimentos?
Aperto mais os braços contra o peito.
– Certo. – Espero um pouco, depois digo: – Preciso saber sobre a minha mãe. Zoe me entregou uma foto com ela, e você está bem ao lado dela, então imaginei que você pudesse ajudar.
– Ah – diz ele. – Posso ver a foto?
Tiro a foto do bolso e a ofereço a ele, que a alisa com as pontas dos dedos, e há um sorriso estranho em seu rosto ao olhar para ela, como se a estivesse acariciando com os olhos. Transfiro o meu peso de um pé para outro. Sinto que estou invadindo um momento particular.
– Ela voltou certa vez – diz ele. – Antes de se tornar mãe. Foi nessa época que tiramos esta foto.
Voltou para vocês? – pergunto. – Ela era uma de vocês?
– Era – responde David de maneira simples, como se a sua resposta não transformasse por completo o meu mundo. – Ela veio daqui. Nós a enviamos para a cidade quando ela era jovem para resolver um problema no experimento.
– Então ela sabia – falo com a voz trêmula, sem saber por quê. – Sabia sobre este lugar e sobre o que havia do lado de fora da cerca.
David parece confuso, e suas sobrancelhas grossas estão franzidas.
– Sim, é claro.
O tremor desce pelos meus braços, até as minhas mãos, e logo todo o meu corpo estremece, como se tentasse rejeitar algum veneno que eu tivesse engolido. E esse veneno é o conhecimento, o conhecimento deste lugar, de seus monitores e de todas as mentiras sobre as quais construí a minha vida.
– Ela sabia que vocês estavam nos observando o tempo todo... observando enquanto ela morria e o meu pai morria e todos começaram a matar uns aos outros! Mas vocês enviaram alguém para ajudá-la, para me ajudar? Não! Não, tudo o que fizeram foi tomar notas.
– Dul...
Ele faz menção de tocar em mim, mas afasto sua mão.
– Não me chame assim. Você não deveria saber o meu nome. Você não deveria saber nada sobre nós.
Tremendo, retorno ao salão.


 


 


 


                                                             + + +


 


 


 


Lá dentro, os outros já escolheram suas camas e guardaram seus pertences.
Estamos sozinhos, sem intrusos. Encosto-me à parede ao lado da porta e passo as mãos pela parte da frente das minhas calças, para enxugar o suor.
Ninguém parece estar se ajustando muito bem. Peter está deitado com a cara voltada para a parede. Uriah e Anahí estão sentados um ao lado do outro, conversando em voz baixa. Caleb está massageando suas têmporas com as pontas dos dedos. Christopher continua andando de um lado para outro e roendo as unhas. E Cara está sozinha, passando a mão no rosto. Pela primeira vez desde que a conheci, ela parece chateada, sem sua armadura da Erudição.
Sento-me diante dela.
– Você não parece nada bem.
Seu cabelo, em geral preso com perfeição em um coque, está desarrumado.
Ela me encara, irritada.
– Obrigada por me avisar.
– Desculpe – digo. – Não tive a intenção de ser grosseira.
– Eu sei. – Ela suspira. – Sou... sou da Erudição, sabe?
Abro um pequeno sorriso.
– Sim, eu sei.
– Não. – Ela balança a cabeça. – É a única coisa que sou. Da Erudição. E agora eles me dizem que isso é resultado de algum tipo de defeito nos meus genes... e que as próprias facções são apenas uma prisão mental para nos manter sob controle. Exatamente como disseram Alexandra Johnson e os sem-facção. – Ela faz um pausa. – Então, para que formar os Leais? Para que vir até aqui?
Eu não havia percebido o quanto Cara já se apegara à ideia de ser uma Leal, que converge para o sistema de facções e defende os nossos fundadores. Para mim, aquela era apenas uma identidade temporária, poderosa, porque podia me tirar da cidade. Para ela, a identificação deve ter sido bem mais profunda.
– Mesmo assim, é bom termos vindo até aqui – digo. – Descobrimos a verdade. Isso não vale alguma coisa para você?
– É claro que sim – diz Cara suavemente. – Mas isso significa que preciso de outras palavras para descrever o que sou.
Logo depois que a minha mãe morreu, agarrei-me à minha Divergência como se ela fosse uma mão estendida para mim. Eu precisava daquela palavra para definir quem eu era quando tudo ao meu redor estava desmoronando. Mas agora não sei mais se preciso dela e se em algum momento de fato precisamos destas palavras, “Audácia”, “Erudição”, “Divergente”, “Leal” ou se podemos simplesmente ser amigos, amantes, irmãos, definidos apenas pelas escolhas que fazemos e o amor e a lealdade que nos unem.
– É melhor você ver se ele está bem – diz Cara, indicando Christopher com a cabeça.
– É verdade.
Atravesso o aposento e paro diante das janelas, encarando o que podemos ver do complexo, que não passa de mais vidro e aço, calçadas, grama e cercas.
Quando ele me vê, interrompe sua andança de um lado a outro e para ao meu lado.
– Você está bem? – pergunto.
– Estou. – Ele se senta no parapeito da janela, encarando-me, e nossos olhos ficam na mesma altura. – Quer dizer, na verdade, não. Não consigo parar de pensar na falta de sentido de tudo aquilo. Digo, do sistema de facções.
Ele massageia a própria nuca, e me pergunto se está pensando nas tatuagens nas suas costas.
– Nós dedicamos tudo o que tínhamos a elas – diz ele. – Todos nós. Mesmo sem percebermos que estávamos fazendo isso.
– É sobre isso que você está pensando? – Levanto as sobrancelhas. – Christopher, eles estavam nos vigiando. Tudo o que aconteceu, tudo o que fizemos. Não intervieram, apenas invadiram a nossa privacidade. O tempo todo.
Ele massageia a têmpora com a ponta dos dedos.
– Acho que você tem razão. Mas não é isso que está me incomodando.
Eu devo estar olhando-o com incredulidade sem perceber, porque ele balança a cabeça.
– Dul, trabalhei na sala de controle da Audácia. Havia câmeras por toda a parte o tempo todo. Tentei alertá-la de que havia pessoas vigiando você durante a iniciação, lembra?
Eu me lembro dos olhos dele olhando para o teto, para o canto. Os alertas codificados dele, sussurrados entredentes. Nunca me dei conta de que ele estava me alertando sobre as câmeras. Simplesmente nunca tinha pensado nisso antes.
– Isso costumava me incomodar – diz ele. – Mas superei isso há muito tempo.
Sempre pensávamos que estávamos sozinhos, e agora parece que estávamos certos. Eles nos deixaram sozinhos. É assim que as coisas são.
– Acho que não consigo aceitar isso. Se você vê uma pessoa em apuros, deve ajudá-la. Não importa se é um experimento. E... meu Deus. – Estremeço. – Eles viram tantas coisas.
Ele me lança um sorriso.
– O que foi? – pergunto.
– Estava só pensando em algumas coisas que eles viram – diz ele, pousando a mão na minha cintura. Olho feio para ele por um segundo, mas não consigo sustentar o olhar, não com ele sorrindo assim para mim. Não quando sei que ele está tentando me fazer sentir melhor. Abro um pequeno sorriso.
Sento-me ao seu lado no parapeito, as mãos presas entre as minhas pernas e a madeira.
– Sabe – continuo –, o fato de o Departamento ter desenvolvido as facções não é muito diferente do que pensávamos que havia acontecido: há muito tempo, um grupo de pessoas decidiu que o sistema de facções seria a melhor maneira de viver ou de fazer as pessoas viverem da melhor forma possível.
A princípio, ele não responde, apenas morde o interior do seu lábio e encara os nossos pés, lado a lado no chão. As pontas dos meus pés mal encostam no chão.
– É, isso me acalma um pouco – diz ele. – Mas tantas coisas eram mentiras, que é difícil definir o que era verdade, o que era real, o que importava.
Seguro a sua mão, deslizando meus dedos entre os dele. Ele encosta a testa na minha.
Eu me pego pensando Graças a Deus por uma questão de hábito e, de repente, entendo por que ele está tão preocupado. E se o Deus dos meus pais, todo o seu sistema de crenças, for apenas algo bolado por um bando de cientistas para nos manter sob controle? E não apenas as crenças deles sobre Deus e sobre o que mais houver lá fora, mas sobre o que é certo e o que é errado, sobre o altruísmo? Será que todas essas coisas precisam mudar porque agora sabemos como nosso mundo foi construído?
Não sei.
Pensar nisso me deixa abalada. Então, eu o beijo devagar para sentir o calor da sua boca, a pressão delicada e sua respiração quando nos afastamos.
– Por que será que sempre estamos cercados de pessoas? — pergunto.
– Não sei – diz ele. – Talvez porque somos idiotas.
Solto uma risada, e é a risada, e não a luz, que expulsa a escuridão que estava se acumulando dentro de mim, que me lembra de que ainda estou viva, mesmo que seja neste lugar estranho, onde tudo em que eu acreditava está desmoronando. Mas ainda sei de algumas coisas. Sei que não estou sozinha, que tenho amigos e que estou apaixonada. Sei de onde vim. Sei que não quero morrer, e, para mim, isso já é alguma coisa. É mais do que eu tinha há algumas semanas.


 


 


                                                           + + +


 


 


 


À noite, aproximamos nossas camas um pouquinho mais e olhamos nos olhos um do outro, momentos antes de dormirmos. Quando Christopher enfim apaga, nossos dedos estão entrelaçados no espaço entre as camas.


Abro um pequeno sorriso e me deixo cair no sono.



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Autor(a): Fer Linhares

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 13



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  • manoellaaguiar_ Postado em 09/10/2016 - 14:43:04

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 06/10/2016 - 22:22:23

    Continua ❤️

  • manoellaaguiar_ Postado em 04/10/2016 - 18:30:16

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 21:14:21

    Brigadaaa! Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 15:53:35

    Continuaaa! Faz maratonaaa!

  • manoellaaguiar_ Postado em 02/10/2016 - 14:43:08

    Eu nunca li o livro convergente pq eu N TO preparada pra aquele negocio que acontece hahahah! Já comprei a quase um ano e ainda tá guardado lá, um dia eu pego ele!

  • manoellaaguiar_ Postado em 01/10/2016 - 19:20:24

    Tá maravilhosaaa! Já vi esse filme e adorei! E tô amando a adaptação agora

  • manoellaaguiar_ Postado em 28/09/2016 - 22:35:16

    Cnttt

  • manoellaaguiar_ Postado em 27/09/2016 - 20:38:10

    Continuaaa

  • Postado em 25/09/2016 - 21:24:21

    Aaai deusss! Continuaaa


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