Fanfics Brasil - Capítulo 18 (3ª Temporada) Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.)

Fanfic: Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.) | Tema: Série Divergente


Capítulo: Capítulo 18 (3ª Temporada)

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Christopher


 


É estranho ver de manhã pessoas que você não conhece muito bem, com olhos sonolentos e marcas de travesseiro no rosto; saber que Anahí acorda de bom humor, e Peter se levanta com o cabelo completamente arrumado, mas que Cara se comunica apenas por grunhidos, se arrastando, membro por membro, a caminho do café.
A primeira coisa que faço é tomar um banho e vestir as roupas que eles nos deram, que não são muito diferentes das nossas, exceto pelo fato de que todas as cores estão misturadas, como se não significassem nada para as pessoas daqui, porque provavelmente não significam. Visto uma camisa preta e jeans azuis e tento me convencer de que isso parece normal, de que me sinto normal, de que estou me adaptando.
O julgamento do meu pai é hoje. Ainda não decidi se vou assistir ou não.
Quando volto para o dormitório, Dul está completamente vestida, sentada na beirada de um dos catres, como se estivesse pronta para saltar dali a qualquer momento. Exatamente como Alexandra.
Agarro um bolinho da bandeja de café da manhã que alguém trouxe para nós e me sento de frente para ela.
– Bom dia. Você acordou cedo.
– Acordei – diz ela, arrastando o pé para a frente e o prendendo entre os meus. – Zoe me encontrou perto daquela escultura gigantesca de manhã. David tinha algo para me mostrar. – Ela pega uma tela de vidro pousada sobre a cama ao seu lado. A tela se acende quando Dul a toca, exibindo um documento. – É a ficha da minha mãe. Ela escreveu um diário. Parece ser um diário pequeno, mas mesmo assim... – Ela se mexe, como se estivesse desconfortável. – Ainda não li muita coisa.
– Então... Por que você não está lendo?
– Não sei. – Ela pousa o equipamento sobre a cama, e a tela se apaga de
forma automática. – Acho que estou com medo.
Crianças da Abnegação raramente conhecem bem seus pais, porque pais da Abnegação não se abrem da mesma maneira que outros pais quando seus filhos atingem certa idade. Eles se mantêm envoltos em uma armadura de tecidos cinzentos e atos altruístas, convencidos de que compartilhar seus sentimentos é ser egoísta. Este não é apenas um pedaço da mãe de Dul a ser redescoberto; é um dos primeiros e últimos vislumbres que Dul jamais terá de quem Blanca Saviñón foi.
De repente, entendo por que ela o segura como se fosse um objeto mágico, algo que pode desaparecer a qualquer momento. E por que quer mantê-lo oculto por um tempo. É a mesma coisa que sinto a respeito do julgamento do meu pai.
A ficha poderia informar algo que ela não quer saber.
Sigo seu olhar pela sala, até o local onde Caleb está sentado, mastigando seu cereal lentamente, como uma criança emburrada.
– Você vai mostrar para ele?
Ela não responde.
– Normalmente, não seria a favor de dar nada a ele – digo. – Mas, neste caso... isso não pertence apenas a você.
– Eu sei – diz ela, um pouco irritada. – É claro que vou mostrar para ele. Mas acho que quero ficar sozinha com isso primeiro.
Não há como discutir. Passei a maior parte da minha vida guardando informações, revirando-as na cabeça sem parar. O impulso de compartilhar qualquer coisa é novo para mim, e o impulso de esconder as coisas é tão natural quanto respirar.
Ela suspira, depois arranca um pedaço do meu bolinho. Dou um peteleco nos
seus dedos.
– Ei. Há vários outros iguais a este a menos de dois metros à sua direita. 


– Então você não deveria se preocupar tanto em perder um pouco do seu – retruca ela, sorrindo.
– Está certo.
Ela me puxa pela frente da camisa e me beija. Deslizo minha mão pelo seu queixo e o seguro enquanto a beijo de volta.
De repente, percebo que ela está roubando outro naco do meu bolinho, e me afasto, olhando-a de cara feia.
– É sério – digo. – Vou pegar um da mesa para você. Volto em um segundo.
Ela sorri.
– Ah, eu queria perguntar uma coisa. Você toparia fazer um pequeno teste genético esta manhã?
A expressão “pequeno teste genético” soa como um paradoxo.
– Por quê? – pergunto. Pedir para ver meus genes é quase como me pedir para tirar a roupa.
– Bem, conheci um cara chamado Matthew que trabalha em um dos laboratórios daqui, e ele disse que estão interessados em analisar nosso material genético para suas pesquisas. E perguntou especificamente por você, porque você é meio que uma anomalia.
– Anomalia?
– Parece que você apresenta algumas características Divergentes, mas não outras – explica ela. – Eu sei lá. Ele só está curioso. Mas você não precisa aceitar.
O ar ao redor da minha cabeça parece mais quente e pesado. Para aliviar o desconforto, levo a mão à nuca, coçando o local onde meu cabelo começa.
Em algum momento na próxima hora, Víctor e Alexandra aparecerão nos monitores. De repente, sei que não posso assistir.
Então, embora não queira realmente deixar que um estranho examine as peças do quebra-cabeça que compõem a minha existência, digo:
– Claro. Eu topo.
– Ótimo – diz ela, comendo outro pedaço do meu bolinho. Um fio de cabelo cai sobre seus olhos, e eu o afasto antes mesmo que ela note. Dul cobre a minha mão com a sua, que é quente e forte, e os cantos da sua boca formam um sorriso.
A porta abre, e um jovem de olhos puxados e cabelo preto entra no dormitório. Logo o reconheço como George Wu, irmão mais novo de Maite. Ela costumava chamá-lo de “Georgie”.
Ele sorri um sorriso exultante, e sinto vontade de me afastar, de criar mais espaço entre mim e seu sofrimento iminente.
– Acabei de voltar – diz ele, sem fôlego. – Eles me disseram que a minha irmã saiu da cidade com vocês, e...
Eu e Dul trocamos olhares preocupados. Ao nosso redor, os outros estão notando George perto da porta e ficando em silêncio, o mesmo tipo de silêncio ouvido em um funeral da Abnegação. Até Peter, que eu esperaria ver feliz com a dor dos outros, parece desorientado, levando as mãos da cintura para os bolsos, depois de volta para a cintura.
– E aí... – começa George novamente. – Por que estão todos me olhando assim?
Cara se aproxima, pronta para dar a má notícia, mas não consigo imaginá-la se saindo muito bem, então me levanto, falando mais alto do que ela.
– Sua irmã realmente veio conosco – digo. – Mas fomos atacados pelos semfacção, e ela... não sobreviveu.
Há tantas coisas que a frase não diz, como o quão rápido tudo aconteceu, como foi o som do corpo dela atingido o chão, ou o caos que se instaurou quando todos correram pela noite, tropeçando na grama. Não voltei para ajudá-la. Eu deveria ter voltado. De todas as pessoas do nosso grupo, era Maite quem eu conhecia melhor. Eu conhecia a maneira firme como ela segurava a agulha da tatuagem e como a sua risada era áspera, como se tivesse sido arranhada com uma lixa.
George apoia a mão na parede atrás de si, para recobrar o equilíbrio.
– O quê?
– Ela sacrificou a própria vida para nos defender – diz Dul com uma delicadeza surpreendente. – Sem ela, nenhum de nós teria conseguido fugir.
– Ela... morreu? – pergunta George, baixinho. Ele apoia todo o corpo na parede, e seus ombros se curvam.
Vejo Amah no corredor com uma torrada na mão, e um sorriso desaparece depressa de seu rosto. Ele repousa a torrada na mesa ao lado da porta.
– Tentei encontrar você mais cedo para contar – diz Amah.
Ontem à noite, Amah falou o nome de George de maneira tão casual que pensei que eles não se conhecessem de verdade. Mas parece que se conhecem.
Os olhos de George ficam perdidos, e Amah lhe dá um abraço com um braço só. Os dedos de George agarram a camisa de Amah com força, até as juntas dos dedos ficarem brancas. Não o ouço chorar, e talvez ele não chore. Talvez só precise se agarrar a alguma coisa. Lembro-me apenas vagamente do meu próprio sofrimento quando pensei que minha mãe estava morta. Só me recordo do sentimento de estar separado de tudo ao meu redor e da sensação constante de precisar engolir alguma coisa. Não sei como as outras pessoas se sentem na mesma situação.
Amah acaba guiando George para fora do dormitório, e eu os observo andar pelo corredor, lado a lado, conversando em voz baixa.


 


 


 


                                                             + + +


 


 


 


Mal me lembrava de que havia concordado em participar de um teste genético até outra pessoa aparecer na porta do dormitório. É um garoto. Ou melhor, não exatamente um garoto, já que parece ter mais ou menos a minha idade. Ele acena para Dul.
– Ah, este é Matthew – diz ela. – Acho que está na hora de irmos.
Ela segura a minha mão e me guia até a porta. Não me lembro de ela ter mencionado que o tal “Matthew” não era um cientista velho e acabado. Talvez ela não tenha falado nada.
Não seja idiota, penso.
Matthew me oferece a sua mão.
– Olá. É um prazer conhecê-lo. Meu nome é Matthew.
– Christopher – digo, porque parece estranho me apresentar como “Quatro” aqui, onde as pessoas nunca se identificariam pela quantidade de medos que têm. – O prazer é meu.
– Bom, acho que podemos ir ao laboratório. É por aqui.
O complexo está bastante movimentado esta manhã, todo mundo vestindo uniformes verdes e azul-escuros curtos ou compridos demais, dependendo da altura da pessoa. O complexo tem várias áreas abertas que bifurcam dos corredores centrais, como câmaras de um coração, cada uma marcada com uma letra e um número. E as pessoas parecem estar circulando entre elas, algumas carregando aparelhos de vidro como o que Dul trouxe para o dormitório esta manhã, outros de mãos vazias.
– Para que servem estes números? – pergunta Dul. – É só uma forma de
identificar cada área?
– Elas costumavam ser portões – explica Matthew. – Ou seja, cada área tem uma porta e uma passarela que costumava levar a um avião que seguiria para determinado lugar. Quando eles transformaram o aeroporto neste complexo, tiraram todas as cadeiras que as pessoas usavam para esperar pelos voos e as substituíram por equipamentos de laboratório, a maioria vindos de escolas da cidade. Esta área do complexo é basicamente um laboratório gigante.
– No que estão trabalhando? Pensei que vocês só observassem os experimentos – digo, vendo uma mulher correr de um lado para outro do corredor com uma tela equilibrada nas duas mãos, como uma oferenda. Raios de luz iluminam os ladrilhos polidos, atravessando as janelas do teto. Através das janelas, tudo parece pacífico, com cada pedaço de grama aparado e as árvores selvagens balançando a distância, e é difícil imaginar que pessoas estão se matando lá fora por causa de “genes danificados” ou vivendo sob as regras rígidas de Alexandra na cidade que deixamos para trás.
– Alguns estão fazendo exatamente isso. Tudo o que notam nos experimentos deve ser registrado e analisado, e isso exige muita mão de obra. Mas outros buscam novas maneiras de curar os danos genéticos, ou trabalham desenvolvendo soros para o nosso próprio uso, e não para uso nos experimentos.
São dezenas de projetos. Tudo o que uma pessoa precisa fazer é ter uma ideia, formar uma equipe e apresentar uma proposta para o conselho que administra o complexo, sob o comando de David. Eles costumam aprovar qualquer coisa que não seja arriscada demais.
– É – diz Dul. – Afinal, vocês não iam querer correr risco nenhum.
Ela revira os olhos.
– Eles têm bons motivos para se esforçar tanto – conta Matthew. – Antes da criação das facções e, como consequência, dos soros, todos os experimentos costumavam estar quase sempre sob ataque interno. Os soros ajudam as pessoas dentro dos experimentos a manter as coisas sob controle, em especial o soro da memória. Bem, acho que ninguém está trabalhando nisso agora. Ele está no Laboratório de Armas.
“Laboratório de Armas.” Ele fala essas palavras como se fossem frágeis.
Palavras sagradas.
– Então, foi o Departamento que nos deu os soros no começo – conclui Dul.
– Sim – responde ele. – E a Erudição continuou a desenvolvê-los, a aperfeiçoá-los. Entre eles, o seu irmão. Para ser sincero, aproveitamos alguns dos avanços obtidos por eles, depois de os observarmos da sala de controle. Mas eles não trabalharam muito no soro da memória, o soro da Abnegação. Nós o desenvolvemos bem mais, já que ele é a nossa maior arma.
– Uma arma – repete Dul.
– Bem, ele arma as cidades contra suas próprias rebeliões, por exemplo.
Apaga as memórias das pessoas e, assim, não há necessidade de matá-las. Elas simplesmente esquecem pelo que estavam lutando. Além disso, podemos usar o soro contra rebeldes da margem, que fica a cerca de uma hora daqui. Às vezes, moradores da margem tentam promover ataques, e o soro da memória os detém, sem matá-los.
– Isso é... – começo a dizer.
– Terrível de qualquer jeito? – completa Matthew. – Sim, é mesmo. Mas os chefões aqui consideram isso o nosso suporte à vida, nosso respirador. Chegamos.
Levanto as sobrancelhas. Ele acabou de criticar seus próprios líderes de maneira tão casual que mal notei. Será que aqui é assim? Será que discordâncias podem ser expressas em público, no meio de uma conversa normal, e não apenas em lugares secretos, em sussurros?
Ele passa o cartão pelo sensor de uma porta pesada à esquerda, e entramos em outro corredor, mais estreito e iluminado por lâmpadas fracas e fluorescentes. Para diante de uma porta onde está escrito SALA DE TERAPIA DE GENES 1. Do outro lado da porta, uma garota com a pele moreno-clara, vestindo um macacão verde, está trocando o papel que cobre a mesa de exame.
– Esta é Juanita, técnica do laboratório. Juanita, estes são...
– Sim, eu sei quem eles são – diz ela, sorrindo. Pelo canto do olho, vejo Dul se empertigar, irritada com o lembrete de que nossas vidas foram registradas pelas câmeras. Mas ela não fala nada a respeito.
A garota me oferece a mão.
– O supervisor de Matthew é a única pessoa que me chama de Juanita. Além de Matthew, aparentemente. Sou Nita. Precisam que eu prepare dois testes?
Matthew assente com a cabeça.
– Vou buscá-los. – Ela abre um armário do outro lado da sala e começa a pegar coisas embaladas em plástico e papel e etiquetadas. A sala se enche com o som de materiais sendo amassados e rasgados.
– Estão gostando daqui até agora? – pergunta ela.
– Estamos nos ajustando – respondo.
– Sim, eu entendo. – Nita sorri para mim. – Vim de um dos outros experimentos. O de Indianápolis, que foi um fracasso. Ah, vocês não sabem onde fica Indianápolis, não é mesmo? Não é muito longe daqui. Fica a menos de uma
hora de avião. – Ela faz uma pausa. – Mas isso também não significa nada para vocês. Quer saber? Não é tão importante assim.
Ela retira uma seringa e uma agulha de sua embalagem, e Dul fica tensa.
– Para que é isso? – pergunta ela.
– É o que nos permitirá analisar os seus genes – responde Matthew. – Tudo bem?
– Tudo – diz Dul, embora continue tensa. – É só que... não gosto que injetem substâncias estranhas em mim.
Matthew assente.
– Juro que isto só vai ler os seus genes. É só o que faz. Nita pode confirmar que estou falando a verdade.
Nita concorda com a cabeça.
– Tudo bem – diz Dul. – Mas posso injetar em mim mesma?
– Claro – consente Nita. Ela prepara a seringa, enchendo-a com o que quer que seja que eles vão injetar em nós, e a oferece a Dul.
– Vou explicar de forma simplificada como funciona – diz Matthew enquanto
Nita limpa o braço de Dul com um líquido antisséptico. O cheiro é azedo e irrita as minhas narinas.
– O fluido está cheio de microcomputadores. Eles são projetados para detectar marcadores genéticos específicos e transmitir os dados para um computador. Levará cerca de uma hora para me fornecerem a informação de que preciso, mas é claro que demorariam muito mais para ler todo o seu material genético.
Dul enfia a agulha no braço e aperta o êmbolo.
Nita levanta o meu braço e passa a gaze com o líquido alaranjado na minha pele. O fluido na seringa é cinza-prateado como as escamas de um peixe, e, quando ele flui para dentro de mim através da agulha, imagino a tecnologia microscópica invadindo o meu corpo, me lendo e analisando. Ao meu lado, Dul pressiona um chumaço de algodão no local da injeção.
– O que são os... microcomputadores? – Matthew assente com a cabeça, e eu continuo. – O que estão procurando, exatamente?
– Bem, quando nossos predecessores aqui no Departamento inseriram genes “corrigidos” nos antepassados de vocês, eles também incluíram um rastreador genético, que é basicamente algo que nos diz se uma pessoa atingiu a cura genética. Neste caso, o rastreador genético é o estado de consciência durante as simulações. É algo que podemos testar com facilidade, que nos mostra se seus genes estão ou não curados. Esse é um dos motivos pelos quais todos na cidade devem fazer um teste de aptidão aos dezesseis anos de idade. Se ficam conscientes durante o teste, isso nos mostra que talvez seus genes estejam curados.
Incluo o teste de aptidão na lista mental de coisas que eu considerava importantes, mas que agora descarto, porque não passava de uma artimanha para fornecer a estas pessoas as informações que queriam.
Não acredito que o estado de consciência durante as simulações, algo que fazia com que eu me sentisse poderoso e singular, algo que levou Jeanine e a Erudição a assassinar pessoas, não passe de um sinal de cura genética para estas pessoas. Como uma palavra-senha que os avisa que pertenço à sua sociedade geneticamente curada.
– O único problema com o rastreador genético – continua Matthew – é que estar consciente durante simulações e resistir ao soro não significa necessariamente que uma pessoa é Divergente, apesar de existir uma correlação forte. Às vezes, pessoas são capazes de permanecer conscientes durante simulações ou de resistir aos soros mesmo tendo genes danificados. – Ele dá de ombros. – É por isso que estou interessado em seus genes, Christopher. Estou curioso para saber se você é mesmo Divergente, ou se seu estado de consciência durante as simulações apenas faz parecer que você é.
Nita, que está limpando a bancada, contrai os lábios, como se estivesse se segurando para não dizer algo. De repente, sinto-me inquieto. Há uma chance de que eu não seja Divergente?
– Agora, só nos resta sentar e esperar – diz Matthew. – Vou tomar café da manhã. Algum de vocês quer comer algo?
Eu e Dul balançamos a cabeça.
– Eu já volto. Nita, você se importa de fazer companhia para eles?
Matthew sai da sala sem esperar a resposta de Nita, e Dul se senta na mesa de exame, amassando o papel que a cobre e rasgando-o no local onde sua perna está pendurada na beirada. Nita enfia as mãos nos bolsos do seu macacão e olha para nós. Seus olhos são escuros, têm o mesmo brilho de uma poça de óleo sob um motor que vaza. Ela me entrega um chumaço de algodão, e eu o pressiono na bolha de sangue do lado de dentro do meu cotovelo.
– Então, você veio de um experimento em uma cidade – diz Dul. – Há quanto tempo está aqui?
– Desde que o experimento de Indianápolis foi desmontado, há cerca de oito anos. Eu poderia ter me integrado à população geral, fora dos experimentos, mas isso me pareceu muito assustador. – Nita se apoia na bancada. – Então, eu me ofereci para vir para cá. Costumava trabalhar como zeladora. Acho que estou subindo na vida.
Ela fala isso com certa amargura. Suspeito que aqui, como na Audácia, exista um certo limite para o quanto se pode subir, e ela está alcançando esse limite mais rápido do que gostaria. Bem como eu, quando escolhi trabalhar na sala de controle.
– E a sua cidade não tinha facções? – pergunta Dul.
– Não, nós éramos o grupo de controle, o que os ajudou a perceber que as facções eram na verdade eficazes, por comparação. Mas tínhamos muitas regras, como toques de recolher, hora para acordar, regulamentos de segurança.
Armas eram proibidas. Coisas desse tipo.
– O que aconteceu? – pergunto, mas logo me arrependo, porque os cantos da boca de Nita se retraem, como se cada lado carregasse uma memória pesada.
– Bem, algumas pessoas lá dentro ainda sabiam fabricar armas. Eles construíram uma bomba, sabe, um explosivo, e a plantaram na sede do governo.
Muitas pessoas morreram. Depois disso, o Departamento decidiu que nosso experimento era um fracasso. Eles apagaram a memória dos responsáveis pela bomba e realocaram o restante da população. Fui uma das únicas pessoas que quis vir para cá.
– Lamento – diz Dul com delicadeza. Às vezes, ainda esqueço que ela tem um lado mais gentil. Durante muito tempo, tudo o que enxerguei foi a sua força, salientada pelos músculos definidos dos seus braços e pela tinta que marca um voo em sua clavícula.
– Está tudo bem. Afinal, vocês conhecem bem esse tipo de coisa – fala Nita. – Digo, por causa do que Jeanine Matthews fez, e tudo mais.
– Por que eles não fecharam a nossa cidade? – pergunta Dul. – Como fizeram com a sua?
– Talvez ainda a fechem – diz Nita. – Mas acho que o experimento de
Chicago, em especial, foi bem-sucedido por tanto tempo que eles estão relutantes em apenas acabar com ele agora. Foi o primeiro a incluir as facções.
Afasto o chumaço de algodão do meu braço. Há um pequenino ponto vermelho no local da injeção, mas não está mais sangrando.
– Gosto de imaginar que teria escolhido a Audácia – diz Nita. – Mas acho que não teria estômago para isso.
– Você ficaria surpresa em como temos estômago, quando precisamos – diz Dul.
Sinto uma pontada no centro do peito. Ela tem razão. O desespero pode levar uma pessoa a fazer coisas surpreendentes. Nós dois sabemos bem disso.


 


 


 


                                                                     + + +


 


 


 


Matthew retorna pontualmente uma hora depois, e, em seguida, permanece sentado diante do computador por muito tempo, com os olhos indo de um lado para outro, enquanto lê alguma coisa no monitor. De vez em quando, solta um som revelador, como “hum!” ou “ah!”. Quanto mais ele espera para nos dizer alguma coisa, qualquer coisa, mais tensos ficam meus músculos, até que meus ombros parecem ser feitos de pedra, e não de carne. Ele afinal levanta a cabeça e vira o monitor para que possamos ver o que está escrito.
– Este programa nos ajuda a interpretar os dados. O que vocês estão vendo aqui é um retrato simplificado de uma sequência específica do material genético de Dul – diz ele.
A imagem no monitor é uma massa complicada de linhas e números, com algumas partes selecionadas em amarelo e vermelho. Não consigo extrair mais nada daquela imagem. Ela está além da minha compreensão.
– Estas seleções sugerem genes curados. Não as veríamos se estivessem danificados. – Ele aponta para alguns pontos da tela. Não entendo para o que está apontando, mas ele parece nem notar, distraído por sua própria explicação. – Estas seleções aqui indicam que o programa também encontrou o rastreador genético, a consciência durante a simulação. A combinação de genes curados e de genes de consciência durante a simulação é exatamente o que eu esperava ver em um Divergente. Agora, esta é a parte estranha.
Ele toca o monitor mais uma vez, e a imagem muda, mas continua igualmente confusa, com uma rede de linhas e emaranhados de números.
– Este é o mapa dos genes de Christopher – diz Matthew. – Como vocês podem ver, ele conta com os componentes genéticos certos para a consciência durante simulações, mas não tem os mesmos genes “curados” de Dul.
Minha garganta está seca, e sinto que recebi más notícias, mas ainda não entendi ao certo quais são.
– O que isso significa? – pergunto.
– Significa – diz Matthew – que você não é Divergente. Seus genes ainda são danificados, mas você conta com uma anomalia genética que lhe permite permanecer consciente durante simulações. Em outras palavras, você parece Divergente sem de fato ser.
Processo a informação aos poucos, parte por parte. Não sou Divergente. Não
sou como Dul. Sou geneticamente danificado.
A palavra “danificado” afunda dentro de mim, como se feita de chumbo.
Acho que sempre soube que havia algo de errado comigo, mas pensei que fosse por causa do meu pai ou da minha mãe e da dor que eles me deixaram de herança, como uma relíquia familiar, passada de geração a geração. E isso significa que a única coisa boa que o meu pai tinha, a sua Divergência, não foi passada para mim.
Não olho para Dul. Não consigo olhar para ela. Olho apenas para Nita. Sua expressão é dura, quase raivosa.
– Matthew – diz ela. – Você não quer levar esses dados para o seu laboratório a fim de analisá-los?
– Bem, eu estava planejando discuti-los com nossos sujeitos aqui – diz Matthew.
– Não acho que isso seja uma boa ideia – diz Dul, ríspida.
Matthew diz algo que não ouço muito bem; estou escutando o batimento do meu coração. Ele toca o monitor de novo, e a imagem do meu DNA desaparece da tela, que agora é só um vidro. Ele sai, instruindo-nos a visitar seu laboratório caso desejemos mais informações, e Tris, Nita e eu permanecemos na sala, em silêncio.
– Não é tão sério assim – diz Dul, firme. – Está bem?
– Você não tem o direito de me dizer que não é sério! – digo um pouco mais alto do que pretendia.
Nita se ocupa na bancada, certificando-se de que os potes sobre ela estão alinhados, embora não tenham sido movidos desde que chegamos aqui.
– Tenho, sim! – diz Dul. – Você é a mesma pessoa que era há cinco minutos, há quatro meses ou há dezoito anos! Isso não muda nada a respeito de você.
Ouço certa razão nas suas palavras, mas é difícil acreditar nela agora.
– Então, você quer me dizer que isso não me afeta em nada – digo. – Que a verdade não afeta nada.
– Que verdade? – pergunta ela. – Essas pessoas falam que há algo de errado com seus genes, e você acredita?
– Estava bem ali. – Aponto para o monitor. – Você viu.
– Eu também vejo você – diz ela com ferocidade, agarrando o meu braço. – E sei quem você é.
Balanço a cabeça. Ainda não consigo olhar para ela. Não consigo olhar para nada em particular.
– Eu... preciso dar uma volta. Vejo você mais tarde.
– Christopher, espere...
Deixo a sala, e parte da pressão que sinto dentro de mim é liberada na hora.
Desço o corredor apertado e opressor, até os salões iluminados pelo sol mais adiante. Agora, o céu está completamente azul. Ouço passos atrás de mim, mas são pesados demais para pertencer a Dul.
– Ei. – Nita gira o pé, produzindo um ruído agudo no ladrilho. – Não quero pressionar você, mas queria conversar a respeito de todo... esse negócio de danos genéticos. Se estiver interessado, encontre-me aqui hoje à noite, às nove. E... nada contra a sua garota, mas é melhor não trazê-la.
– Por quê? – pergunto.
– Ela é uma GP: geneticamente pura. Por isso, não consegue entender que... bem, é difícil explicar. Apenas confie em mim, está bem? Será melhor para ela se afastar por um tempo.
– Está bem.
– Está bem. – Nita assente. – Preciso ir.
Vejo-a voltar correndo para a sala de terapia de genes, depois continuo andando. Não sei bem para onde estou indo, mas sei que, quando ando, o turbilhão de informações que aprendi no último dia para de se mover tão rápido e de gritar tão alto dentro da minha cabeça.




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Autor(a): Fer Linhares

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Dul Nâo vou atrás dele, porque não sei o que dizer.Quando descobri a minha Divergência, pensava nela como um poder secreto que ninguém mais possuía. Algo que me tornava diferente, melhor, mais forte.Agora, depois de comparar o meu DNA com o de Christopher na tela do computador, percebo que “Divergente” não ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 13



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  • manoellaaguiar_ Postado em 09/10/2016 - 14:43:04

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 06/10/2016 - 22:22:23

    Continua ❤️

  • manoellaaguiar_ Postado em 04/10/2016 - 18:30:16

    Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 21:14:21

    Brigadaaa! Continuaaa

  • manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 15:53:35

    Continuaaa! Faz maratonaaa!

  • manoellaaguiar_ Postado em 02/10/2016 - 14:43:08

    Eu nunca li o livro convergente pq eu N TO preparada pra aquele negocio que acontece hahahah! Já comprei a quase um ano e ainda tá guardado lá, um dia eu pego ele!

  • manoellaaguiar_ Postado em 01/10/2016 - 19:20:24

    Tá maravilhosaaa! Já vi esse filme e adorei! E tô amando a adaptação agora

  • manoellaaguiar_ Postado em 28/09/2016 - 22:35:16

    Cnttt

  • manoellaaguiar_ Postado em 27/09/2016 - 20:38:10

    Continuaaa

  • Postado em 25/09/2016 - 21:24:21

    Aaai deusss! Continuaaa


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