Fanfic: Divergente, Insurgente, Convergente (Vondy adp.) | Tema: Série Divergente
DOIS ANOS E MEIO DEPOIS
Alexandra está parada na junção entre os dois mundos. Há marcas de pneu no chão agora, das frequentes idas e vindas de pessoas da margem, que se mudam para dentro e para fora da cidade, ou de pessoas do antigo
Departamento, indo e vindo do trabalho. A mala dela está apoiada em sua perna, em um dos poços na terra. Ela levanta a mão para me cumprimentar quando me aproximo.
Beija minha bochecha ao entrar na caminhonete, e eu deixo que ela o faça.
Sinto um sorriso se formando no meu rosto e permito que ele fique lá.
– Bem-vinda de volta.
O acordo que eu ofereci a ela há mais de dois anos, e que ela fechou com Johanna pouco depois, era de que deveria deixar a cidade. Agora, tanta coisa mudou em Chicago que não vejo por que Alexandra não poderia voltar, e ela também não. Embora tenham se passado dois anos, ela parece mais jovem, tem o rosto mais cheio e o sorriso mais largo. O tempo fora da cidade lhe fez bem.
– Como você está? – pergunta ela.
– Estou... bem – respondo. – Vamos espalhar as cinzas dela hoje.
Olho de relance para a urna pousada sobre o banco traseiro, como um terceiro passageiro. Durante muito tempo deixei as cinzas de Dul no necrotério do Departamento, sem saber que tipo de funeral ela gostaria de ter e se eu aguentaria passar por isso. Mas hoje seria o Dia da Escolha se ainda tivéssemos facções e está na hora de seguir em frente, mesmo que seja dando um pequeno passo.
Alexandra pousa a mão no meu ombro e olha para os campos do lado de fora. As plantações que costumavam se limitar às áreas ao redor da sede da Amizade se espalharam e continuam a se espalhar por todo o terreno ao redor da cidade. Às vezes, sinto saudade do terreno desolado e vazio. Mas agora não me importo em dirigir por entre as fileiras e mais fileiras de milho e trigo. Vejo pessoas entre as plantas, conferindo o solo com aparelhos manuais desenvolvidos pelos antigos cientistas do Departamento. Elas vestem vermelho, azul, verde e roxo.
– Como é viver aqui sem as facções? – pergunta Alexandra.
– É muito normal – digo. Sorrio para ela. – Você vai adorar.
+ + +
Levo Alexandra para o meu apartamento, ao norte do rio. Fica em um dos andares mais baixos, mas, através das muitas janelas, consigo ver a vasta extensão de prédios. Fui um dos primeiros colonizadores da nova Chicago; portanto, pude escolher onde queria morar. Zeke, Shauna, Anahí, Amah e George escolheram viver nos andares mais altos do edifício Hancock, e Caleb e Cara se mudaram de volta para os apartamentos perto do Millenium Park, mas vim para cá porque é lindo aqui e porque não fica perto de nenhuma das minhas duas antigas casas.
– Meu vizinho é um especialista em história. Ele veio da margem – digo enquanto procuro as chaves no meu bolso. – Ele chama Chicago de “quarta cidade”, porque ela foi destruída por um incêndio, há muito tempo, depois pela Guerra de Pureza, e agora estamos tentando colonizar a cidade pela quarta vez.
– A quarta cidade – repete Evely n quando abro a porta. – Gostei.
Há muito pouca mobília no apartamento. Apenas um sofá e uma mesa, algumas cadeiras, uma cozinha. A luz do sol se reflete nas janelas do edifício do outro lado do rio lamacento. Alguns dos antigos cientistas do Departamento estão tentando recuperar o rio e o lago, devolver sua antiga glória, mas isso levará tempo. A mudança, como a cura, é um processo lento.
Alexandra coloca sua mala sobre o sofá.
– Obrigada por me deixar ficar com você por um tempo. Prometo que encontrarei outro lugar em breve.
– Sem problema – digo. Sinto-me nervoso em tê-la aqui, nervoso com a possibilidade de ela xeretar meus poucos pertences e perambular pelos corredores, mas não podemos ficar distantes para sempre. Não se eu lhe prometi que tentaria diminuir essa distância entre nós.
– George disse que precisa de ajuda para treinar a força policial – diz Alexandra.
– Você não se ofereceu?
– Não – digo. – Já disse que não uso mais armas.
– É verdade. Agora você usa palavras – fala Alexandra, fazendo uma careta. – Não confio em políticos, sabia?
– Você confiará em mim porque sou seu filho. E, de qualquer maneira, não sou um político. Pelo menos, ainda não. Sou um assistente.
Ela se senta à mesa e olha ao redor, irrequieta e alerta, como um gato.
– Você sabe onde está seu pai? – pergunta ela.
Dou de ombros.
– Alguém me disse que ele deixou a cidade. Não perguntei para onde foi.
Alexandra apoia o queixo na mão.
– Você não queria dizer nada para ele? Nada mesmo?
– Não – respondo. Giro as chaves no meu dedo. – Só queria deixá-lo no passado, onde é o lugar dele.
Há dois anos, quando fiquei diante do meu pai no parque, com a neve caindo ao redor, percebi que, assim como atacá-lo na frente dos membros da Audácia no Merciless Mart não fez com que eu me sentisse melhor a respeito da dor que ele me causou, gritar com ele ou insultá-lo também não ajudaria. Só me restava uma opção: deixar para lá.
Alexandra olha para mim de maneira estranha e analítica, depois atravessa a sala e abre a mala que deixou sobre o sofá. Ela retira um objeto feito de vidro azul.
Parece água sendo derramada, mas parada no tempo.
Lembro-me de quando ela me presenteou com aquilo. Eu era novo, mas não novo demais para perceber que aquilo era um objeto proibido no setor da Abnegação, um objeto inútil e, portanto, autoindulgente. Perguntei-lhe para que servia aquilo, e ela me disse: Isto não faz nada de óbvio. Mas pode fazer alguma coisa aqui. Então, ela levou a mão ao coração. Coisas lindas, às vezes, fazem isso.
Durante anos, o objeto serviu como símbolo da minha rebeldia silenciosa, da minha pequena recusa em ser uma criança obediente e deferente da Abnegação, e serviu como símbolo da rebeldia da minha mãe também, mesmo que eu acreditasse que ela estivesse morta. Eu o escondi debaixo da cama e, no dia em que decidi deixar a Abnegação, coloquei-o sobre a minha mesa para que meu pai pudesse ver, ver a minha força e a dela.
– Quando você esteve fora, isto me lembrou de você – diz Alexandra, apertando o vidro contra a barriga. – Isto me lembrou do quanto você era corajoso e sempre foi. – Ela abre um pequeno sorriso. – Imaginei que você pudesse guardá-lo aqui. Afinal, a intenção era ser um presente para você.
Acho que não conseguiria manter a minha voz estável se tentasse falar; portanto, apenas sorrio de volta e assinto com a cabeça.
+ + +
O ar primaveril é frio, mas deixo as janelas da caminhonete abertas para poder senti-lo no meu peito, para que ele cause uma ardência nas pontas dos meus dedos, como um lembrete do inverno persistente. Paro na plataforma de trem perto do Merciless Mart e pego a urna no banco traseiro. Ela é prateada e simples, sem gravuras. Não fui eu quem a escolheu, mas Anahí.
Desço a plataforma em direção ao grupo que já se formou. Anahí está parada ao lado de Zeke e Shauna, que está sentada em sua cadeira de rodas, com um cobertor sobre o colo. Ela tem uma cadeira de rodas melhor agora, com pegadores atrás, mais fácil de conduzir. Matthew está parado na plataforma com as pontas dos pés para fora da beirada.
– Olá – digo, parando ao lado de Shauna.
Anahí sorri para mim, e Zeke me dá um tapinha no ombro.
Uriah morreu poucos dias depois de Dul, mas Zeke e Hanna se despediram dele apenas semanas depois, espalhando suas cinzas no abismo, em meio aos gritos dos amigos e familiares. Gritamos o nome dele dentro da câmara de eco do Fosso. Apesar disso, sei que Zeke está se lembrando dele hoje, assim como todos nós, apesar deste último ato de bravura da Audácia ser dedicado a Dul.
– Tenho uma coisa para mostrar – diz Shauna, afastando o cobertor e revelando um complexo aparelho de metal em suas pernas. Ele vai até o seu quadril e dá a volta na barriga, como uma gaiola. Ela sorri para mim, e, com um
som de engrenagens, seu pé se move até o chão diante da cadeira, e, desajeitada,
ela se levanta.
Apesar da ocasião solene, abro um sorriso.
– Ora, vejam só – digo. – Eu tinha esquecido o quanto você é alta.
– Caleb e seus amigos cientistas desenvolveram-na para mim – diz ela. – Ainda estou me adaptando, mas eles disseram que eu talvez consiga correr
algum dia.
– Ótimo. Aliás, cadê ele?
– Ele e Amah vão nos encontrar no fim da linha – diz ela. – Alguém precisa estar lá para pegar a primeira pessoa.
– Ele continua sendo um maricas – diz Zeke. – Mas estou começando a gostar dele.
– Hum – digo sem dar o braço a torcer. A verdade é que, apesar de ter feito as pazes com Caleb, ainda não consigo ficar perto dele muito tempo. Seus gestos, sua entonação, seus modos são os dela. Eles o tornam apenas um sussurro dela, e isso não é o bastante, mas também é demais para mim.
Eu falaria mais, mas o trem está vindo. Ele vem depressa na nossa direção pelos trilhos polidos, depois chia ao desacelerar e parar diante da plataforma.
Uma pessoa bota a cabeça para fora do primeiro vagão, onde ficam os controles.
É Cara, com o cabelo preso em uma trança apertada.
– Entrem! – chama ela.
Shauna se senta na cadeira e a empurra pela porta. Matthew, Anahí e Zeke a seguem. Entro por último, oferecendo a urna para que Shauna a segure, e fico parado na porta, agarrado à barra. O trem começa a andar novamente, acelerando a cada segundo. Ouço o chacoalhar sobre a pista e o apito sobre os trilhos, e sinto o poder dele crescer dentro de mim. O ar atinge o meu rosto e faz minha roupa grudar no corpo, e vejo a cidade se estender diante de mim, com os prédios iluminados pelo sol.
Não é mais a mesma cidade de antes, mas já me acostumei com isso há muito tempo. Todos nós encontramos novos lugares. Cara e Caleb trabalham nos laboratórios do complexo, que agora compõem um pequeno segmento do Departamento de Agricultura, cujo objetivo é tornar a agricultura mais eficiente, para poder alimentar mais pessoas. Matthew trabalha com pesquisas psiquiátricas em algum lugar da cidade. A última vez que perguntei, ele estava pesquisando algo relacionado à memória. Anahí trabalha em um escritório que realoca
pessoas da margem que querem se mudar para a cidade. Zeke e Amah são policiais, e George treina a força policial. Chamo essas funções de trabalhos da Audácia. E eu sou assistente de uma das nossas representantes governamentais: Johanna Reyes.
Estendo o braço e agarro a outra barra, inclinando o corpo para fora do vagão quando o trem faz uma curva, quase me pendurando sobre a rua, dois andares abaixo. Sinto uma excitação no estômago, o tipo de excitação alimentada pelo medo que os verdadeiros membros da Audácia adoram.
– Ei – chama Anahí atrás de mim. – Como está sua mãe?
– Bem – respondo. – Acho que ainda vamos ver como as coisas ficam.
– Você vai descer na tirolesa?
Vejo os trilhos mergulhando diante de nós, alcançando o nível da rua.
– Vou – respondo. – Acho que Dul gostaria que eu tentasse, pelo menos uma
vez. Falar o nome dela ainda causa uma pontada de dor no meu peito, um beliscão que me faz lembrar que a memória dela ainda me é cara.
Anahí observa os trilhos adiante e apoia seu ombro no meu apenas por alguns segundos.
– Acho que você tem razão – diz ela.
Minhas memórias de Dul, algumas das memórias mais poderosas que tenho, ficaram menos nítidas com o tempo, como as memórias costumam ficar, e não ardem mais, como costumavam arder. Às vezes, até gosto de revisitá-las em minha mente, mas isso é raro. Outras vezes, discuto-as com Anahí, e ela ouve melhor do que eu esperava, considerando que é uma falastrona da Franqueza.
Cara para o trem, e eu salto para a plataforma. No topo da escada, Shauna se levanta da cadeira e desce os degraus, um por um, usando seu novo aparelho.
Matthew e eu carregamos sua cadeira vazia, que é pesada e complicada, mas não impossível de carregar.
– Você tem notícia de Peter? – pergunto para Matthew quando alcançamos o final da escada.
Depois que Peter deixou o torpor do soro da memória, alguns dos aspectos mais ácidos e grosseiros da sua personalidade retornaram, mas não todos. Perdi contato com ele após isso. Não o odeio mais, mas isso não significa que preciso gostar dele.
– Ele está em Milwaukee – diz Matthew. – Mas não sei o que está fazendo.
– Está trabalhando em algum tipo de escritório – diz Cara da parte de baixa da escada. Ela está com a urna aninhada em seus braços, depois de retirá-la do colo de Shauna quando saltamos do trem. – Acho que faz bem para ele.
– Sempre imaginei que ele se juntaria aos rebeldes GDs na margem – comenta Zeke. – Não sei de nada mesmo.
– Ele está diferente agora – diz Cara, dando de ombros.
Ainda existem rebeldes na margem que acreditam que só conseguirão o que querem por meio de outra guerra. Concordo mais com o lado que acredita em trabalhar para conseguir mudanças sem violência. Já vivi violência o bastante para uma vida inteira e ainda a carrego comigo, não em cicatrizes na minha pele, mas nas lembranças que surgem na minha mente quando menos desejo, como as do punho do meu pai atingindo o meu queixo, minha arma erguida para executar Eric, os corpos dos membros da Abnegação espalhados pelas ruas do
meu antigo bairro.
Caminhamos pelas ruas em direção à tirolesa. As facções deixaram de existir, mas há mais antigos membros da Audácia morando nesta parte da cidade do que em qualquer outra, e ainda é possível reconhecê-los por seus rostos cobertos de piercings e suas peles tatuadas, embora não mais pelas cores das suas roupas, que às vezes são muito espalhafatosas. Alguns caminham pela calçada ao nosso lado, mas a maioria está no trabalho. Todos em Chicago são obrigados a trabalhar,
desde que sejam capazes de fazê-lo.
Mais adiante, vejo o edifício Hancock, erguendo-se em direção ao céu, a base mais larga que o topo. As vigas pretas seguem umas às outras até o telhado, entrecruzando-se, apertando-se e alargando-se. Faz tempo que não chego tão perto do prédio.
Entramos no saguão, com seu chão brilhante e polido e suas paredes cheias de pichações da Audácia, deixadas ali pelos moradores do prédio como um tipo de relíquia. Este é um lugar da Audácia, porque foram seus antigos membros que o adotaram, por sua altura e, eu suspeito, por ser solitário. Os membros da Audácia gostavam de preencher espaços vazios com barulho. Isso é algo que eu gostava neles.
Zeke crava o dedo no botão do elevador. Nós nos esprememos lá dentro, e Cara aperta o número noventa e nove.
Fecho os olhos quando o elevador dispara para cima. Quase consigo ver o espaço se abrindo sob meus pés, um poço de escuridão e apenas trinta centímetros de chão sólido entre eu e o mergulho, a queda, o despencar. O elevador estremece ao parar, e me seguro na parede para manter o equilíbrio quando a porta abre.
Zeke encosta no meu ombro.
– Não se preocupe, cara. Fazíamos isso o tempo todo, lembra?
Assinto com a cabeça. Uma corrente de ar entra pelo buraco no teto, e, sobre a minha cabeça, vejo o céu, azul-claro. Sigo os outros devagar até a escada, atordoado demais para fazer meus pés se moverem mais rápido.
Encontro a escada com as pontas dos dedos e me concentro em um degraupor vez. Acima de mim, Shauna sobe a escada de maneira desajeitada, usando mais a força dos braços.
Certa vez, enquanto Maite tatuava os símbolos nas minhas costas, perguntei se ela achava que éramos as últimas pessoas no mundo. Talvez, foi tudo o que ela disse. Acho que ela não gostava de pensar sobre o assunto. Mas, daqui de cima, do telhado do prédio, é possível acreditar que somos as últimas pessoas em qualquer lugar.
Olho para os prédios diante do pântano, e meu peito se espreme, se aperta como se estivesse prestes a implodir.
Zeke atravessa o telhado correndo até a tirolesa e prende um dos arneses no cabo de aço. Ele o trava para que não deslize para baixo e olha para o grupo com um ar de expectativa.
– Anahí – diz ele. – É com você.
Anahí para perto do arnês, tamborilando o queixo com o dedo.
– O que você acha? Olhando para cima ou de costas?
– De costas – diz Matthew. – Quero ir olhando para cima a fim de não urinar nas calças, e não quero que você me imite.
– Descer olhando para cima só aumentará as chances de que isso aconteça, sabia? – diz Anahí. – Então, faça isso de uma vez para que eu possa começar a chamar você de Mijão.
Anahí entra no arnês com os pés primeiro, de barriga para baixo, para ver o prédio diminuir enquanto desce. Sinto um calafrio.
Não consigo assistir. Fecho os olhos enquanto Anahí se afasta cada vez mais, depois faço o mesmo na vez de Matthew e na de Shauna. Consigo ouvir seus gritos de felicidade, como cantos de pássaros no vento.
– É a sua vez, Quatro – anuncia Zeke.
Balanço a cabeça.
– Vamos lá – diz Cara. – É melhor acabar logo com isso, não é?
– Não – digo. – Vá você. Por favor.
Ela me oferece a urna, depois respira fundo. Seguro a urna contra a barriga.
O metal está morno, depois de ser tocado por tantas pessoas. Cara entra no arnês, insegura, e Zeke aperta as presilhas. Ela cruza os braços sobre o peito, e ele a empurra para fora, sobre a Lake Shore Drive, sobre a cidade. Não ouço um pio dela, nem mesmo um arquejo.
Então, só sobram eu e Zeke, olhando um para o outro.
– Acho que não vou conseguir – digo, e, embora a minha voz esteja estável, meu corpo está tremendo.
– É claro que vai. Você é Quatro, uma lenda da Audácia! Você consegue enfrentar qualquer coisa.
Cruzo os braços e me aproximo devagar da beirada do telhado. Apesar de estar a metros de distância, sinto o meu corpo desabar da beirada e balanço a cabeça de novo, de novo e de novo.
– Ei. – Zeke apoia a mão no meu ombro. – Lembre-se de que isto não tem a ver com você. Tem a ver com ela. A questão é fazer algo que ela gostaria de fazer e que ela se orgulharia se você fizesse. Certo?
É isso. Não há como evitar. Não posso dar para trás agora. Não quando ainda me lembro do sorriso dela ao escalar a roda gigante comigo ou do seu queixo contraído ao encarar medo após medo nas simulações.
– Como ela desceu?
– De cabeça – diz Zeke.
– Está bem. – Eu entrego a urna a ele. – Prenda isto nas minhas costas, está bem? E abra a tampa.
Entro no arnês com as mãos tremendo tanto que mal consigo segurar as laterais. Zeke aperta as tiras nas minhas costas e nas minhas pernas, depois prende a urna atrás de mim com a abertura para fora para que as cinzas se espalhem. Olho para baixo, vendo a Lake Shore Drive, engolindo bile, e começo a deslizar.
De repente, quero voltar atrás, mas já é tarde, já estou mergulhando em direção ao chão. Estou gritando tão alto que quero cobrir meus próprios ouvidos.
Sinto o grito vivendo dentro de mim, enchendo o meu peito, a minha garganta, a minha cabeça.
O vento faz meus olhos arderem, mas eu os forço a ficarem abertos, e, em meio ao meu pânico cego, entendo por que ela escolheu descer assim, de cabeça. É porque assim sentia que estava voando como um pássaro.
Consigo sentir o vazio sob mim, e ele se parece com o vazio dentro de mim,
como uma boca aberta, prestes a me engolir.
Percebo, então, que não estou mais me movendo. As últimas cinzas flutuam ao vento, como flocos de neve, depois desaparecem.
O chão está a poucos metros de distância, perto o bastante para eu pular. Os outros se reuniram em um círculo, com os braços ligados para formar uma rede de ossos e músculos para me pegar. Aperto o rosto contra o arnês e solto uma risada.
Jogo a urna vazia para eles, depois dobro o braço até as minhas costas para soltar as tiras que estão me prendendo. Desabo nos braços dos meus amigos como uma pedra. Eles me pegam, e seus ossos afundam em minhas costas e pernas, depois me colocam no chão.
Há um silêncio desagradável enquanto encaro o edifício Hancock, maravilhado, e ninguém sabe o que dizer. Caleb sorri para mim com cautela.
Anahí pisca, afastando as lágrimas dos olhos, depois diz:
– Vejam! Zeke está descendo.
Zeke está voando em nossa direção, preso a um arnês preto. A princípio, ele parece um ponto, depois uma mancha, depois uma pessoa envolvida pelo preto.
Ele canta de alegria ao desacelerar e parar, e estico o braço para agarrar o antebraço de Amah. Do outro lado, agarro o braço pálido de Cara. Ela sorri para mim, e há certa tristeza no seu sorriso.
O ombro de Zeke atinge os nossos braços com força. Ele abre um sorriso selvagem e deixa que o aninhemos como uma criança.
– Isso foi legal. Quer ir de novo, Quatro? – oferece ele.
Nem hesito em responder:
– De jeito nenhum.
+ + +
Caminhamos de volta para o trem em um grupo espalhado. Shauna anda de muletas, e Zeke empurra sua cadeira de rodas enquanto conversa amenidades com Amah. Matthew, Cara e Caleb caminham juntos, conversando sobre algo que os deixa muito entusiasmados, já que têm interesses parecidos. Anahí se aproxima de mim e coloca a mão no meu ombro.
– Feliz Dia da Escolha – diz ela. – Vou perguntar como você realmente está. E você vai me dar uma resposta honesta.
Conversamos assim, às vezes, dando ordens um para o outro. De alguma forma, ela se tornou uma das minhas melhores amigas, apesar de vivermos discutindo.
– Estou bem. É difícil. Sempre será difícil.
– Eu sei – diz ela.
Caminhamos atrás do grupo, passando por edifícios ainda abandonados, com suas janelas escuras, pela ponte que atravessa o rio-pântano.
– É, a vida às vezes é mesmo um saco – diz ela. – Mas sabe o que estou esperando?
Ergo as sobrancelhas.
Ela também ergue as dela, imitando-me.
– Os momentos que não são um saco – diz ela. – O truque é perceber quando eles aparecem.
Depois, ela sorri, e eu sorrio de volta. E subimos a escada até a plataforma de trem, lado a lado.
+ + +
Desde que eu era criança, sempre soube disto: a vida nos danifica, a todos nós.
Não há como escapar desse dano.
Mas agora também estou aprendendo isto: podemos ser consertados.
Consertamos uns aos outros.
Fim.
Autor(a): Fer Linhares
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Queria agradecer a que leu a fic e a que comentou tbm Obg mesmo e favoritem a o livro que conta a história do Quatro vou deixar o link: https://fanfics.com.br/fanfic/55589/quatro-historias-da-serie-divergente-historias-da-serie-divergente Sinopse: Dois anos antes de Dulce Saviñón fazer sua escolha, quem passa por esse difícil process ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 13
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manoellaaguiar_ Postado em 09/10/2016 - 14:43:04
Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 06/10/2016 - 22:22:23
Continua ❤️
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manoellaaguiar_ Postado em 04/10/2016 - 18:30:16
Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 21:14:21
Brigadaaa! Continuaaa
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manoellaaguiar_ Postado em 03/10/2016 - 15:53:35
Continuaaa! Faz maratonaaa!
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manoellaaguiar_ Postado em 02/10/2016 - 14:43:08
Eu nunca li o livro convergente pq eu N TO preparada pra aquele negocio que acontece hahahah! Já comprei a quase um ano e ainda tá guardado lá, um dia eu pego ele!
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manoellaaguiar_ Postado em 01/10/2016 - 19:20:24
Tá maravilhosaaa! Já vi esse filme e adorei! E tô amando a adaptação agora
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manoellaaguiar_ Postado em 28/09/2016 - 22:35:16
Cnttt
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manoellaaguiar_ Postado em 27/09/2016 - 20:38:10
Continuaaa
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Postado em 25/09/2016 - 21:24:21
Aaai deusss! Continuaaa